Charles de Foucauld (1858-1916) teve, após a sua conversão, três propósitos muito fortes e interligados: ficar sempre no penúltimo lugar, cultivar a humildade e ser menosprezado pelos demais (= abjeção). Vejamos, de modo breve, cada um destes importantes pontos de sua rica espiritualidade.
Comecemos por esta sentença marcante: “Cristo escolheu o último lugar de tal maneira que ninguém conseguiu tirar-lhe” (Enzo Santangelo. Charles de Foucauld, o irmão universal. São Paulo: Loyola, 1983, p. 52). Alguns pensam que esta afirmação é do nosso eremita, mas não; ele a ouviu do Padre Huvelin – o responsável humano por sua conversão e seu diretor espiritual por longos anos – e fez dela um de seus grandes propósitos de vida. Contudo, viver isso, no dia a dia, é difícil, pois a nossa natureza é inclinada “ao primeiro lugar” e não “ao último” (cf. Lc 14,7-11). Mas, escreve Foucauld, “não nos é possível amá-Lo e, ao mesmo tempo, desejarmos ser coroados de rosas, quando Ele foi coroado de espinhos...” (Meditações sobre a Paixão do Senhor. São Paulo: Paulus, 2016, p. 43). Daí o nosso propósito de, longe das glórias passageiras deste mundo, buscar o último lugar, como nos aconselha o eremita do Saara: “Procurar sempre o último dos últimos lugares para ser tão pequeno quanto meu Mestre, para estar com Ele, segui-Lo passo a passo... Dispor minha vida de modo a ser o último e o mais desprezado dos homens, viver na abjeção, na pobreza, no sofrimento” (Irmãzinhas de Jesus. Você tem um Único Modelo: Jesus. Não procure outro, s/d, p. 21).
Eis como melhor entender a humildade, que já é uma das grandes qualidades humanas, mas alicerçada na graça de Deus leva-nos à santidade. Olhando para a vida e os ensinamentos de Cristo, Nosso Senhor, escreve nosso eremita: “Meu Deus, tu que pelas tuas palavras e pelos teus exemplos, sempre foste humilde a ponto de fazer da humildade o apanágio do teu caráter; tu, que és tão grande, ensina-me a ser humilde, a mim que sou tão pequeno. Para ti, a humildade era um exemplo dado aos homens; para ti, que medes perfeitamente a diferença que há entre o Criador e as criaturas; para ti que quiseste que a tua natureza humana se fizesse apenas uma pessoa com a natureza divina qual homenagem de uma infinita humildade à divindade que vias tão claramente, da qual compreendias perfeitamente e sem sombras, a grandeza ilimitada. Mas, se tu quiseste ser humilde, quanto mais humilde não devo ser eu, para quem, como disse Santo Agostinho, ‘a humildade é a verdade’” (Luz no deserto: retiros, notas e correspondências de Charles de Foucauld. São Paulo: Cultor de Livros, 2018, p. 78).
Meditando sobre diversas passagens do Evangelho, em 1897, Foucauld elenca as perseguições físicas e morais que Cristo sofreu e tira sábias conclusões para a sua vida diária. Como se fosse o próprio Nosso Senhor a falar, o irmão universal assim aconselha: “Passa pelo que eu passei, meu filho; por ignorante, pobre e sem pergaminhos; por seres, e és na realidade, pouco inteligente, falho de talento e de virtudes; procura em tudo as ocupações mais humildes, mas cultiva a tua inteligência na medida em que o teu confessor te ordene, mas fá-lo em segredo e às ocultas do Mundo. Eu era infinitamente sábio, mas ninguém sabia; não temas instruir-te, porque é bom para a tua alma; instrui-te com zelo para te tornares melhor, para melhor me amares, para conheceres a minha vontade e melhor executá-la, e também para me imitares, a mim que sou a ciência perfeita: sê muito ignorante aos olhos dos homens e muito sábio na ciência divina, aos pés do meu tabernáculo [...]. Esconde dos olhos do próximo tudo quanto pode elevar-te. Mas, diante de mim, na solidão e no silêncio do santuário, estuda e lê. Tu estás só comigo, com os meus santos pais e Madalena, estende-te a meus pés e faz tudo quanto o teu diretor te disse para te tornares melhor e mais santo, para melhor consolares o meu coração” (idem, p. 87).
Eis como podemos, por graça de Deus, ficar sempre no penúltimo lugar, cultivar a humildade e, sem hipocrisia, deixar-se menosprezar pelos demais.