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Quem poderá nos salvar? O cristianismo em tempos de raiva e medo

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Shutterstock | Tomas Ragina

Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 26/08/21

Para o cristianismo, um momento como esse, seja ou não mais difícil que tantos outros da história, carrega dois perigos

É lugar comum dizer que a pandemia traz ansiedade e medo. Também eleva o nível de ressentimento e raiva na sociedade. Tendemos a ter raiva daquilo que nos amedronta e, pior ainda, muitas vezes – em nossa ânsia por encontrar culpados – voltamo-nos contra inocentes.

O clima político brasileiro não ajuda em nada: são anos de escândalos de corrupção, sinais de irresponsabilidade, desinteresse pelo bem comum, desrespeito à vida e à dignidade da pessoa que tornam ainda mais dolorosos os problemas do momento.

Esse contexto alimenta e é alimentado por partidarismos extremados, numa espécie de grande bola de neve. A esquerda acusa a direita, a direita acusa a esquerda, Com certeza, os dois lados têm acertos e erros, pessoas bem e mal intencionadas – pois assim somos nós, seres humanos, sempre falíveis e contraditórios, por mais que procuremos o bem.

Em tempos de medo e ressentimento, o mundo nos parece ainda mais ameaçador. Os valores em que acreditamos, nossas famílias, a felicidade de nossos filhos, nosso direito de dizer o que pensamos, nossa liberdade individual e nossa própria vida… Tudo parece estar em risco. Não só por causa do coronavírus, mas também pelas maquinações dos poderosos, sejam eles grandes capitalistas ou políticos populistas, globalistas ou nacionalistas, grandes jornais ou disseminadores de fake news. Ironicamente, aqueles que um lado considera os defensores do povo, o outro acusa de manipulações e desrespeitos à dignidade da pessoa e ao bem comum.

A falta de fé e a pretensão neopelagiana

Para o cristianismo, um momento como esse, seja ou não mais difícil que tantos outros da história, carrega dois perigos. O primeiro, mais evidente, é a falta de fé e de esperança, sobre a qual já refletimos em outro artigo. O segundo, mais sutil, mas não menos perigoso, é – com o desespero e a desilusão – confiarmos apenas na força e na coerência (nossa ou de algum líder poderosos) para nos salvar – uma velha heresia à qual o Papa Francisco se refere ao falar do neopelagianismo, na Evangelii Gaudium (EG 93ss).

Deus quer nossa colaboração para salvar tanto o gênero humano quanto cada um de nós pessoalmente. Contudo, quer que trabalhemos sempre à luz da Sua graça. Como dizia Santo Inácio de Loyola, lembrado por Bento XVI: “Age como se tudo dependesse de ti, mas consciente de que na realidade tudo depende de Deus”. Mesmo na hora mais escura, mais cheia de incertezas, Ele pode nos salvar. Mesmo quando temos o poder e o mundo parece seguir nossos valores e desígnios, acabamos por servir ao Mal, se não é Ele quem edifica (cf.  Sl 127).

A assiduidade a uma vida espiritual humilde, que busca sempre a comunhão com Cristo e sua Igreja, é sempre a melhor resposta ao neopelagianismo. Mas o lobo muitas vezes se veste de cordeiro e nós também nos enganamos mesmo que com boas intenções. No Evangelho, Jesus nos exorta a sermos “”prudentes como as serpentes, mas simples como as pombas” (Mt 10, 16), mas – quando somos consumidos por essa pretensão de salvar, com nossas próprias forças, a nós mesmos, a Igreja e o mundo – agimos como serpentes, tendo a inteligência de pombas…

Três sinais a evitar

O sinal mais inequívoco da tentação neopelagiana é acreditar que ter o poder é a condição para salvarmos o mundo. Se as coisas vão mal, é porque os nossos adversários têm o poder, se nós ou nossos amigos estão no poder, tudo automaticamente nos parece bom. Como diz o Papa Francisco, na Laudato si’: “Tende-se a crer que toda a aquisição de poder seja simplesmente progresso, aumento de segurança, de utilidade, de bem-estar, de força vital, de plenitude de valores, como se a realidade, o bem e a verdade desabrochassem espontaneamente do próprio poder […] A verdade é que o homem moderno não foi educado para o reto uso do poder […] A liberdade [do ser humano] adoece, quando se entrega às forças cegas do inconsciente, das necessidades imediatas, do egoísmo, da violência brutal” (LS 105).

Um segundo sinal é a raiva e a violência. O poder, por si só, faz muitas coisas, mas não consegue nos conduzir ao caminho do bem e da verdadeira realização pessoal. Assim, ficamos cada vez mais frustrados e tendemos a culpar cada vez mais os outros pelos nossos infortúnios. Gente que não tem nada a ver com nossa vida passa a ser culpada pelos nosso problemas e frustrações. Em tudo vemos ideologias nefastas (que podem até estar presentes, mas não podem ser a única coisa para as quais olhamos) e só em nós mesmos e em nossos amigos vemos a bondade e a beleza (que cada vez são mais uma falsa bondade e uma falsa beleza, construída a nossa imagem, e menos aquelas nascidas do coração de Deus). 

E, por último, perdemos a capacidade de construir, pois não agimos mais segundo a lógica da caridade. Não paramos de denunciar o mal, mas não conseguimos edificar o bem. É a tragédia de tantos que denunciam, com toda a justiça, os males do mundo, mas não apontam um caminho novo de construção do bem.

Nesses tempos de medo e raiva, que nossa vida seja definida pelo Amor que constrói um mundo melhor e não pela violência que só denuncia o mal, impotente para construir o bem.

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