Um fenômeno paradoxal acontece com as nações, quando começam a melhorar: o povo, frequentemente, tem a impressão de que as coisas estão piorando! É fácil de entender o que acontece. Em situações muito corruptas e iníquas, as pessoas nem se dão conta das injustiças que estão ocorrendo. Saber que as coisas estão erradas já é um sinal de que elas estão melhorando. Nunca melhoram com a velocidade que gostaríamos, é verdade. Mas, estão melhorando – e isso já é muito importante. Mais assustadora é a crença acomodada que tudo vai bem, sinal de que o esforço pela construção do bem comum está adormecido em nós ou foi entregue a algum demagogo que diz resolver tudo sozinho – quando a verdade é que os problemas nunca são resolvidos sem o esforço e a luta de muitos.
O bem comum nunca é o resultado de um caminho curto. As sociedades humanas se esforçam para consegui-lo desde sempre – muitas vezes avançando, em outras retrocedendo. É natural que desejemos trilhar caminhos mais curtos e rápidos, mas os atalhos frequentemente são enganosos.
Ao longo da história, a Igreja tendeu a olhar com desconfiança a revoluções e golpes justamente por isso. Independentemente da índole e das convicções ideológicas das lideranças – que podiam ser mais honestas ou mais corruptas, mais idealistas ou mais interessadas no próprio poder – as rupturas históricas frequentemente geraram, no curto e médio prazo, violência e opressão. Os vencedores se autoproclamam justos e condenam os vencidos, vitimando multidões de inocentes e retardando, ao invés de acelerar, a construção coletiva do bem comum.
Pode haver rupturas necessárias ou desejáveis? Sim, mas as condições para que sejam úteis são muito exigentes. Têm que ser o resultado de processos construídos ao longo dos anos, que garantam ganhos reais à população e não apenas promessas demagógicas ou falas prepotentes. Não podem ser baseadas em lideranças discutíveis, que denunciam a corrupção quando praticada pelos adversários e a escondem quando praticada por aliados e familiares... E aqui a história recente do Brasil não perdoa a nenhum dos lados – em ambos temos exemplos de supostos defensores da integridade pública que obstruem o combate à corrupção quando eles e seus companheiros são denunciados. Por fim, as rupturas não podem se basear em discursos de ódio e violência, pois esse tipo de postura gera espirais de conflito intermináveis.
Por todos esses aspectos, parece difícil esperar um Brasil melhor a partir de rupturas institucionais...
A genialidade da democracia é permitir que rupturas aconteçam mantendo-se a continuidade da ordem. Cada vez que a oposição ganha as eleições, acontece uma ruptura, sem que a ordem institucional e a harmonia da vida social sejam quebradas. Nessas condições, a ruptura permite um verdadeiro aperfeiçoamento, e não o caos ou a supremacia do arbítrio, como costuma acontecer em golpes e revoluções.
Nesse caminho, a chave do sucesso é o aperfeiçoamento das instituições. A alternância de pessoas e partidos no poder é salutar, mas não significa que os vencedores são melhores que os perdedores. Contudo, cada grupo tende a mostrar e tentar corrigir os erros do adversário. Com isso, pouco a pouco as instituições vão se aprimorando.
Um dos maiores obstáculos nesse caminho, é justamente a permanência de políticos fisiológicos e corporativistas que não seguem nenhum programa político, apenas se deixam cooptar pelos vitoriosos, na condição de não perderem seus privilégios. Boa parte dos políticos brasileiros estão nesse grupo. É espantoso como líderes que apoiavam a esquerda se tornam a base política da direita quando mudam os ventos políticos – e vice-versa! O triste é que nossos governantes, estejam de um lado ou do outro no espectro ideológico, acabam se apoiando nesses políticos fisiológicos e repetindo os erros do passado.
A única forma de superar essa situação é com o voto, com uma crescente consciência política e participação do povo. O eleitor tem que ter tanto a informação necessária para escolher seu candidato, quanto as condições sociais e políticas para exercer seu direito de escolha. O mecanismo da urna, eletrônica, manual ou impressa, pode ajudar, mas o diferencial real está na participação cotidiana, na construção de espaços de mudança social e política, onde todos podem exercer sua dignidade. Um trabalho que só é dificultado pelo ressentimento e pela violência.
Aos olhos da doutrina social da Igreja, em todos os tempos, o compromisso ético das personalidades públicas e de todos nós é uma das bases para uma política melhor. Contudo, a sabedoria cristã nunca deixou de denunciar as limitações e os pecados de todos os seres humanos. Por isso, sabe que pessoas justas não se propõem a construir o bem comum só com base em seu poder individual. O bom político está sempre procurando construir instituições mais justas, que representam uma limitação ao despotismo de qualquer um – inclusive das tendencias autoritárias que ele mesmo pode ter.
A “fulanização”, supondo que o bem comum será construído com a destituição desse ou daquele “Fulano”, e não com o aperfeiçoamento das instituições, não constrói um país melhor. As polêmicas em torno dos atuais ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) são um bom exemplo dos limites e dos retrocessos que podem acontecer com essa “fulanização”.
Todos temos visto os muitos problemas que cercam a atuação do STF no Brasil. Em certos momentos, os ministros parecem conviventes com os poderosos, em outros momentos parecem perseguir os políticos com os quais não simpatizam. São acusados de ativismo judiciário (interpretarem a Constituição com critérios ideológicos e particulares) ou de garantismo (invocarem direitos reconhecidos constitucionalmente mas que acabam impedindo a condenação dos culpados). Os mecanismos de decisão são frequentemente autocráticos, de modo que a decisão de um ministro pode ser totalmente oposta à de seu colega para uma situação equivalente. Esse conjunto de problemas têm levado a uma desconfiança crescente da população e uma insegurança jurídica trágica para o País.
Existem muitas propostas circulando nos meios jurídicos e políticos para superar ou minimizar esses problemas. Sem entrar no mérito de quais propostas seriam melhores, quais seriam piores, podemos listar algumas. Por exemplo, democratizar a escolha dos ministros, que hoje depende apenas do presidente e do Senado, incluindo a participação de associações de magistrados, Ordem dos Advogados do Brasil e outras instâncias. Hoje, os ministros são praticamente vitalícios, poderiam ter mandatos, mesmo que longos, como os dos senadores. Reduzir as situações em que os políticos têm fórum privilegiado, de modo que o STF não seja a única instância de julgamento dos eleitos. Obrigar os magistrados a tomarem decisões compartilhadas em situações que envolvem a política e o bem comum, reduzindo o risco de decisões autocráticas...
O importante aqui não é dizer o que fazer em relação ao STF, mas sim mostrar que, quando pensamos em rupturas ou decisões personalistas, apoiando ou condenando essa ou aquela personalidade pública, nos afastamos de um caminho de real melhoria da vida institucional e da política brasileira.