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Papa adverte do risco que sobrevém “quando a situação se normaliza”

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Tiziana FABI / AFP

Reportagem local - publicado em 12/09/21

"A liberdade do irmão e da irmã é também a nossa liberdade, porque, sem a dele e a dela, não será plena a nossa liberdade"

O Papa Francisco alertou hoje sobre um “risco que sobrevém quando a situação se normaliza, quando nos estabelecemos e acomodamos desejando levar uma vida tranquila”.

Trata-se, segundo o Papa, da “armadilha de nos contentarmos com pão e pouco mais”.

Esse foi o tema do primeiro discurso de Francisco na Eslováquia, no Encontro Ecumênico realizado hoje na Nunciatura Apostólica de Bratislava.

Liberdade

Dirigindo-se aos membros do Conselho Ecumênico das Igrejas, o Papa recordou que o caminho das comunidades cristãs na Eslováquia “pôde ser retomado após os anos da perseguição ateia em que a liberdade religiosa esteve impedida ou sujeita a dura prova”.

Depois, finalmente, aquela chegou. E agora tendes em comum uma parte do caminho, experimentando como é belo, mas ao mesmo tempo difícil, viver a fé em liberdade. De fato, existe a tentação de voltar a ser escravos, não certamente dum regime, mas duma escravidão ainda pior: a interior.

Em seguida, o Santo Padre citou Dostoiévski, que, em Os Irmãos Karamázov, questiona: “porque é que nada foi nunca tão insuportável para o homem e para a sociedade humana como a liberdade?”.

E [Dostoiévski] insiste, acrescentando que os homens estão dispostos a trocar, de boa vontade, a sua liberdade por uma escravidão mais cómoda – a de sujeitar-se a quem decida por eles –, contanto que tenham pão e segurança. Chega assim ao ponto de censurar Jesus por não ter querido tornar-Se César para dominar a consciência dos homens e estabelecer a paz pela força. Em vez disso, continuou a preferir a liberdade para o homem, enquanto a humanidade reivindica apenas «pão e pouco mais».

Tarefa dos cristãos

O Papa pediu então que os cristãos ajudem uns aos outros a “não cair na armadilha de nos contentarmos com pão e pouco mais”.

Pois este risco sobrevém quando a situação se normaliza, quando nos estabelecemos e acomodamos desejando levar uma vida tranquila. Assim, o objetivo em vista deixa de ser a liberdade «que temos em Cristo Jesus» (Gal 2, 4), a sua verdade que nos faz livres (cf. Jo 8, 32), e passa a ser a obtenção de espaços e privilégios, que, segundo o Evangelho, são «pão e pouco mais».

Do “coração da Europa”, o Papa Francisco propôs a reflexão sobre algumas perguntas:

Será que nós, cristãos, perdemos um pouco o ardor do anúncio e a profecia do testemunho? É a verdade do Evangelho que nos faz livres, ou então sentimo-nos livres quando alcançamos zonas de conforto que nos permitem gerir a vida e avançar tranquilos sem particulares contratempos? Mais ainda: contentando-nos com pão e segurança, será que não perdemos o ímpeto na busca da unidade que Jesus implorou, uma unidade que certamente requer a liberdade madura de opções fortes, renúncias e sacrifícios, mas é a premissa para que o mundo creia (cf. Jo 17, 21)?

O Santo Padre pediu para que “não nos preocupemos apenas com o que possa ser útil às nossas próprias comunidades; a liberdade do irmão e da irmã é também a nossa liberdade, porque, sem a dele e a dela, não será plena a nossa liberdade”.

Evangelização

O Papa recordou que, nesta região, a evangelização nasceu de modo fraterno, trazendo impresso o selo dos santos irmãos de Tessalónica, Cirilo e Metódio.

Que eles, testemunhas dum cristianismo ainda unido e inflamado pelo ardor do anúncio, nos ajudem a continuar o caminho, cultivando entre nós a comunhão fraterna no nome de Jesus. Caso contrário, como podemos desejar uma Europa que reencontre as suas raízes cristãs, se somos nós os primeiros desarraigados da plena comunhão? Como podemos sonhar com uma Europa livre de ideologias, se não temos a coragem de antepor a liberdade de Jesus às necessidades dos grupos particulares de crentes?

Segundo Francisco, é difícil “exigir uma Europa mais fecundada pelo Evangelho sem se preocupar com o fato de ainda não estarmos plenamente unidos entre nós no continente e sem cuidarmos uns dos outros”.

Cálculos de conveniência, razões históricas e laços políticos não podem ser obstáculos irremovíveis no nosso caminho. Que os Santos Cirilo e Metódio, «precursores do ecumenismo» (São João Paulo II, Carta enc. Slavorum Apostoli, 14), nos ajudem a trabalhar pela reconciliação das diferenças no Espírito Santo; por uma unidade que, sem ser uniformidade, se revele sinal e testemunho da liberdade de Cristo, o Senhor que desata as amarras do passado e nos cura dos medos e da timidez.

Contemplação e ação

O Papa partilhou então duas sugestões, “conselhos fraternos para a difusão do Evangelho da liberdade e da unidade no tempo atual”.

O primeiro conselho, a primeira sugestão diz respeito à contemplação. Um traço distintivo dos povos eslavos, que cabe a vós unidos conservar, é a dimensão contemplativa, que ultrapassa as conceptualizações filosóficas e mesmo teológicas a partir duma fé vivida que sabe acolher o mistério. Ajudai-vos mutuamente a cultivar esta tradição espiritual de que a Europa tanto necessita: particularmente tem sede dela o Ocidente eclesial para redescobrir a beleza da adoração de Deus e a importância de não conceber a comunidade de fé primariamente segundo uma eficiência programática e funcional.

O segundo conselho, por sua vez, diz respeito à ação.

A unidade não se alcança tanto com os bons propósitos e a adesão a qualquer valor comum, como sobretudo fazendo algo em conjunto por aqueles que mais nos aproximam do Senhor. Quem são? Os pobres, porque neles está presente Jesus (cf. Mt 25, 40). A partilha da caridade abre horizontes mais amplos e ajuda a caminhar mais rápido, superando preconceitos e equívocos. Trata-se de um traço que encontra também genuína aceitação neste país, como demonstra esta estupenda passagem dum poema que se aprende de cor na escola: «Quando uma mão estrangeira bate à nossa porta com sincera confiança: seja quem for, venha de perto ou de longe, chegue de dia ou de noite, aguarda-o sobre a nossa mesa o dom de Deus» (Samo Chalupka, Mor ho!, 1864). Que o dom de Deus esteja presente sobre a mesa de todos, pois, embora ainda não possamos partilhar a mesma Mesa Eucarística, podemos hospedar juntos Jesus, servindo-O nos pobres. Será um sinal mais sugestivo do que muitas palavras, que ajudará a sociedade civil a compreender, especialmente neste período doloroso, que só estando do lado dos mais fracos poderemos sair verdadeiramente todos juntos da pandemia.

O Papa terminou seu discurso agradecendo pela “vossa presença e o vosso caminho”.

O caráter sereno e acolhedor, típico do povo eslovaco, a tradicional convivência pacífica entre vós, e a vossa colaboração em prol do bem do país são elementos preciosos para o crescimento do Evangelho. Encorajo-vos a prosseguir no caminho ecuménico, tesouro irrenunciável e valioso.

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