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Como entender e praticar a oração contínua?

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Vanderlei de Lima - publicado em 13/09/21
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"Devemos nos esforçar para ter, em nós, a alma da oração, que é o amor de Deus"

Três passagens do Novo Testamento falam da chamada “oração contínua” ou sem interrupção, Lucas 18,1; 21,36 e 1 Tessalonicenses 5,17.

Daí a questão: como entender e praticar a oração contínua, uma vez que todos temos atividades e descansos, incluindo, é óbvio, o sono, a nos impedirem de rezar dia e noite sem cessar? – São quatro as respostas oferecidas, sendo a última a mais próxima da realidade (cf. Dom Estêvão Bettencourt, OSB, no Curso de Espiritualidade. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2006, p. 81-86).

A primeira afirma o que segue: “Toda alma em estado de graça tem, por consequência, em si, o dom da caridade e está, portanto, em oração contínua”. Daí veio a ideia de que basta trabalhar pelo bem do próximo, sem cometer imperfeições por vontade própria, para estar unido a Deus em oração.

Em resposta a esta colocação, tem-se afirmado que ela contém uma lacuna, pois se podemos dizer – e podemos – que a fé sem as obras é morta (cf. Tg 2,18-20) e a caridade em tudo se faz importante (cf. 1Cor 13,1-13), não se pode abolir da vida cristã a oração propriamente dita, entendida como “elevação da alma a Deus”. O próprio Senhor Jesus dá exemplo da importância desse colóquio íntimo com o Pai: cf. Mc 6,5-6; Lc 6,12; Mc 1,35-37 e Mt 6,6. Ninguém está, portanto, isento de rezar.

A segunda ensina que o ser humano deve ter a atenção voltada para Deus em um estado contínuo de contemplação a incluir o louvor, a adoração, a expiação e os muitos pedidos, seus e de outros.

Para contradizer a essa tendência, nota-se que tal estado de contemplação é algo para poucos e vai muito além de algum método (jaculatórias multiplicadas, postura corporal, mente dirigida a determinada coisa etc.), pois requer uma graça divina especial. Afinal, nesta vida nenhuma união com Deus é permanente, mas, sim, transitória ou sujeita a falhas. Não é, portanto, a via mais correta de oração contínua.

A terceira propõe jaculatórias multiplicadas, ou seja, repetir muitas vezes orações curtas como “Senhor, Filho de Davi, tem piedade de mim pecador”, “Jesus, eu vos amo”, “Jesus e Maria eu vos amo, salvai almas” etc. Tal prática era muito usual entre os antigos monges, mas também este modo de oração contínua parece insuficiente aos teólogos, pois é interrompido pelo sono e pelos demais afazeres diários.

Dada a ineficácia dos métodos anteriores para estar continuamente em oração, Santo Agostinho de Hipona († 430) e São Tomás de Aquino († 1274), grandes teólogos e doutores da Igreja, propuseram a quarta formulação aceita e, por conseguinte, colocada em prática. Consiste, em resumo, no seguinte: antes de toda oração, existe o anseio de orar. Tal anseio é motivado ou tem a sua causa no amor a Deus a Quem devemos desejar antes de tudo o mais.

Portanto, como é humanamente impossível manter, na mente e nos lábios, alguma oração, devemos nos esforçar para ter, em nós, a alma da oração, que é o amor de Deus. De modo que “aquele que age sempre – no aqui e agora (intenção atual), em vista de (intenção virtual) e não apenas por hábito de (intenção habitual) – com amor ao Senhor está em contínua oração”.

Pergunta-se, porém: que significa, na prática, a definição dada? – Significa que em todos os atos da vida tem de haver a intenção atual (a produção de um ato de amor a Deus) ou virtual (fazer qualquer coisa lícita não por amor a essa coisa em si, mas a Deus), e não somente habitual (feito apenas por bom hábito, sem influência nos atos concretos) para que a oração seja contínua.

Importa, pois, que a cada hora do dia, ofereçamos, de modo consciente e com amor, todas as nossas atividades a Deus. Tal amor oferecido tornará o dia inteiro (preces vocais, trabalhos, recreações, sono, refeições etc.) do fiel um ininterrupto ato de amor, portanto, uma contínua oração como recomendou o Senhor Jesus em Lc 18,1.