"A testemunha da cruz não recorda as injustiças do passado nem se lamenta do presente"
O Papa Francisco alertou hoje sobre a tentação de querer um “cristianismo de vencedores”.
Segundo o Papa – que presidia à Divina Liturgia Bizantina de São João Crisóstomo, em Bratislava (Eslováquia) –, é preciso aceitar a “lógica da cruz”.
Aos olhos do mundo, a cruz é um fracasso. E também nós corremos o risco de nos deter neste primeiro olhar superficial, de não aceitar a lógica da cruz; não aceitar que Deus nos salve, deixando que se desencadeie sobre Ele o mal do mundo. Não aceitar senão em palavras o Deus frágil e crucificado, para depois sonhar com um deus forte e triunfante. É uma grande tentação. Quantas vezes aspiramos a um cristianismo de vencedores, a um cristianismo triunfalista, que tenha relevância e importância, receba glória e honra. Mas um cristianismo sem cruz é mundano, e torna-se estéril.
Mas como podemos aprender a ver a glória na cruz? – questionou o Papa.
Alguns santos ensinaram que a cruz é como um livro que, para o conhecer, é preciso abri-lo e ler. Não basta comprar um livro, dar-lhe uma vista de olhos e expô-lo em casa. O mesmo vale para a cruz: está pintada ou esculpida em cada canto das nossas igrejas. Incontáveis são os crucifixos: ao pescoço, em casa, no carro, no bolso. Mas isso de nada nos aproveita, se não nos detivermos a olhar o Crucificado e não Lhe abrirmos o coração, se não nos deixarmos impressionar pelas suas chagas abertas por nós, se o coração não se comover e chorarmos diante de Deus ferido de amor por nós. Se não fizermos assim, a cruz permanece um livro não lido, cujo título e autor são bem conhecidos, mas que não influencia a vida. Não reduzamos a cruz a um objeto de devoção, e menos ainda a um símbolo político, a um sinal de relevância religiosa e social.
Dar testemunho
Em seguida, o Papa Francisco explicou que, quando mergulhamos o olhar em Jesus, o seu rosto começa a refletir-se no nosso: “os seus traços tornam-se os nossos, o amor de Cristo conquista-nos e transforma-nos”.
Penso também nos nossos tempos, em que não faltam ocasiões para dar testemunho. Graças a Deus, aqui não há quem persiga os cristãos como em tantas outras partes do mundo. Mas o testemunho pode ser contaminado pelo mundanismo e a mediocridade; ao passo que a cruz exige um testemunho claro. Pois a cruz não quer ser uma bandeira elevada ao alto, mas a fonte pura duma maneira nova de viver. Qual? A do Evangelho, a das Bem-aventuranças. A testemunha que tem a cruz no coração, e não apenas ao pescoço, não vê ninguém como inimigo, mas vê a todos como irmãos e irmãs por quem Jesus deu a vida. A testemunha da cruz não recorda as injustiças do passado nem se lamenta do presente. A testemunha da cruz não usa as vias do engano e do poder mundano: não quer impor-se a si mesmo e os seus, mas dar a sua vida pelos outros. Não busca o próprio proveito, e logo se mostra piedoso: seria uma religião da duplicidade, não o testemunho do Deus crucificado. A testemunha da cruz segue uma única estratégia que é a do Mestre: o amor humilde. Não espera triunfos aqui na terra, porque sabe que o amor de Cristo é fecundo na vida quotidiana, fazendo novas todas as coisas a partir de dentro, como uma semente caída na terra, que morre e dá fruto.
Segundo o Papa, as testemunhas geram outras testemunhas, porque são dadoras de vida.
É assim que a fé se espalha: com a sabedoria da cruz e não com o poder do mundo; com o testemunho e não com as estruturas. E hoje, a partir do silêncio vibrante da cruz, o Senhor pergunta a todos nós, pergunta também a ti, a cada um de vós e a mim: «Queres ser minha testemunha?»