A verdade de fé a respeito do purgatório nos é exposta com as seguintes palavras: “Existe o purgatório, isto é, um estado de purificação moral, em que as almas não ainda completamente puras são purificadas mediante penas, tornando-se dignas do céu” (Bernardo Bartmann. Teologia dogmática. vol. 3. São Paulo: Paulinas, 1962, p. 448).
Frisemos, logo, que a palavra purgatório, se observada a partir de sua raiz latina, pode se prestar a confusão, pois, ao pé da letra, seria entendida como o “lugar onde se purga”. Ora, ele é, na realidade, um estado no qual a pessoa morta no amor de Deus, portanto certa da sua salvação eterna, mas não inteiramente limpa dos resquícios dos pecados leves cometidos, se purifica por inteira a fim de poder ver, face a face (cf. 1Cor 13,12), a Beleza Infinita (cf. Catecismo da Igreja Católica n. 1030). Sim, nada de impuro entra na Jerusalém celeste (cf. Sb 7,25; Is 35,8), mas Deus, em sua misericórdia, dá a essa alma a chance da purificação póstuma (cf. 2Mc 12,39-45; 1Cor 3,10-16; Mt 5,25-26).
Aqui, já se toca num ponto fundamental: se o purgatório é uma concessão da Divina Misericórdia, nada tem a ver com os castigos do inferno (cf. Catecismo da Igreja Católica n. 1031). Dito isso, surgem três questões, a nosso ver, entrelaçadas: Qual é a essência do purgatório? Que pena sofrem as almas nesse estado? Como explicar o chamado “fogo do purgatório”? – Respondemos que a essência do purgatório consiste numa purificação total capaz de apagar “até a menor imperfeição que se interponha entre a alma e Deus” (Leo Trese. A fé explicada. 3ª ed. São Paulo: Quadrante, 1981, p. 140). A maior pena sofrida pelas almas nesse estado é a de terem o seu imenso desejo de encontro com Deus adiado. Sim, é o próprio Leo Trese quem escreve que “o sofrimento essencial do purgatório será a penosíssima agonia que a alma tem que sofrer por ver adiada, mesmo por um instante, a sua união com Deus” (idem). Quanto ao dito fogo do purgatório – que não é doutrina de fé (cf. Schmaus, Bartmann, Garrigou-Lagrange, Royo Marín; Otto, Bettencourt etc.) – pode ser entendido como um símbolo ou metáfora para designar o sofrimento decorrente do adiamento do encontro com Deus face a face (cf. Dom Estêvão Bettencourt, OSB. Curso de Escatologia. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 1993, p. 57).
Se o purgatório é um estado no qual a alma tem a certeza de que – tão logo esteja livre dos resquícios dos pecados leves – verá a Deus face a face no céu, só pode sentir paz e alegria (cf. Santa Catarina de Genova. O Tratado do purgatório in F. Aquino. O purgatório: o que a Igreja ensina. Lorena: Cléofas, 2006, p. 74). Ainda: perguntam alguns: quanto “tempo” – usando uma categoria deste mundo – dura o purgatório? – A Igreja nos responde que o purgatório em si durará até o fim dos tempos. No entanto, a cada alma em particular “deve dizer-se que a pena será tanto mais longa e mais intensa quanto maior expiação exigir” (Reginald Garrigou-Lagrange. O homem e a eternidade. São Paulo: Flamboyant, 1959, p. 206). Afinal, a purificação ou o desapego das tendências pecaminosas é a grande razão de ser deste estado de purgação no além.
Depois de tudo que foi exposto, fica a grande questão: que devemos fazer ante a realidade do purgatório? – A resposta parece comportar duas partes. A primeira diz respeito a nós mesmos: viver afastados do pecado por meio da vida santa à luz dos ensinamentos da Mãe Igreja. Mãe que, sabendo sermos pecadores, nos oferece o remédio salutar no sacramento da Confissão. Além disso, é muito importante que nos dediquemos ao amor ao próximo (cf. 1Pd 4,8) e à ascese (cf. 1Cor 9,24-27) a fim de realizarmos o nosso “purgatório” neste mundo. A segunda se refere aos irmãos e irmãs já falecidos. Devemos rezar por todos eles para que adentrem, o quanto antes, na Cidade Santa onde o arquiteto e construtor é o próprio Deus (cf. Hb 11,9-10).
Ainda: é impróprio rezar “pelas almas mais abandonadas ou esquecidas do purgatório”, pois a Igreja, como mãe carinhosa que é, não se esquece, em suas preces, de nenhum dos seus filhos e filhas falecidos(as).
Louvemos e agradeçamos, pois, a Deus por possibilitar-nos o purgatório como uma concessão da Divina Misericórdia no além!