Com grande alarde, estreou Netflix na semana passada o documentário Schumacher, que narra a ascensão do maior campeão da história da Fórmula 1, vencedor de sete temporadas. A primeira metade do longa – dirigido pelo trio Hans-Bruno Kammertöns, Vanessa Nöcker, Michael Welch – foca na chegada do futuro heptacampeão à categoria, vindo da Fórmula 3, pela equipe Benetton. E inclui imagens de arquivo do alemão fazendo as primeiras curvas em um kart.
Misto de registro documental e homenagem, o filme não entra em detalhes sobre o trágico acidente de esqui sofrido pelo piloto nos Alpes Franceses em 2013, que o deixou em coma até a metade do ano seguinte. O processo de reabilitação e o estado de saúde de Michael Schumacher desde então são mantidos sob sigilo.
Competitividade
O documentário faz um bom trabalho ao retratar o piloto como um atleta obstinado, um visionário sempre em busca do auge da perfeição. E também expõe seu lado mais competitivo, o que gerou atrito com outros competidores. Quando Schumi, como é carinhosamente chamado, chegou à Fórmula 1, em 1991, a categoria estava dominada por alguns dos maiores pilotos da história, como Ayrton Senna, Alain Prost, Nigel Mansell e Nelson Piquet. E foi justamente com Senna, outro atleta extremamente competitivo, que Schumacher viveu seu primeiro atrito.
No GP de Magny-Cours, na França, em 1992, Schumacher bateu na traseira do brasileiro, tirando-o da prova. O filme traz imagens de Senna dando uma tremenda bronca no alemão após a prova. “Senna percebeu que ele era alguém. Quando você é um leão, todos os leões percebem quando o jovem leão chega e querem marcar território”, diz Flavio Briatore, à época, diretor da Benetton.
Sem fazer julgamento, o filme repassa momentos controversos na carreira de Schumi, como quando bateu propositalmente em Damon Hill (que dá depoimentos no documentário) no GP da Austrália de 1994, o que lhe garantiu o primeiro título na Fórmula 1. E o GP da Europa de 1997, quando colidiu com Jacques Villeneuve e teve toda a temporada desqualificada pela FIA.
Fortes emoções
Schumacher mostra a difícil migração do então bicampeão para a Ferrari, em 1996. Devido a dificuldades técnicas com o carro, o piloto só conquistou seu terceiro título no ano 2000, então se manteve invicto em todas as temporadas até 2004. O filme, no entanto, revela que a Ferrari cogitou demitir o alemão durante o período de hiato.
De maneira talvez não-intencional, o filme mostra como Schumacher era viciado em adrenalina. Quando abandonou o automobilismo em 2006, pois sentia falta de motivação para continuar competindo, como aparece falando no documentário, o piloto passou a ocupar seu tempo saltando de paraquedas ou praticando o esporte na neve que anos depois o deixaria em coma. Fica subentendido como Schumi retornou às pistas em 2010, para disputar mais três temporadas na Fórmula 1 na Mercedes, pelo mais puro tédio.
Homem de família
De perfil reservado, Schumacher não costumava revelar muita coisa sobre sua vida pessoal. "O que é privado deve se manter privativo", costumava dizer à sua esposa, Corinna Betsch, com quem se casou em 1995 – imagens da cerimônia e da festa foram incluídas no filme. Além de diversos registros amadores de momentos íntimos em que o alemão se mostra um marido leal e um pai dedicado.
Seus dois filhos, Gina Schumacher, hoje com 24 anos, e Mick Schumacher, 22, que estreou este ano na F1, dão depoimentos no documentário. Que chega a comover em seus momentos finais, quando Mick fala da falta que sente do pai. “Acho que meu pai e eu nos entenderíamos de uma forma diferente agora, simplesmente porque falamos uma linguagem semelhante, a linguagem do automobilismo, e sobre o que teríamos muito mais o que conversar. E é aí que minha cabeça fica na maior parte do tempo, pensando que seria muito legal. Eu desistiria de tudo só por isso."