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Chocado com “Round 6”? Seu filho de 7 anos já viu violências piores

SQUID GAME

Everett Collection/East News

Francisco Vêneto - publicado em 03/11/21

Não há nada de violento em "Round 6" que o seu filho menor de 7 anos provavelmente já não tenha visto

Se você está chocado com a brutal violência dos jogos de vida ou morte na série “Round 6” (ou “O Jogo da Lula“, pelo nome adotado em quase todo o resto do planeta, exceto no Brasil por razões, digamos, diplomáticas), então que bom. É esperançador saber que as pessoas se chocam com a violência.

Se você está mais chocado ainda com o fato de que crianças de quase todo o planeta não apenas viram a série (embora classificada para maiores de 18 anos) como ainda puseram em prática vários arremedos sangrentos daqueles jogos em pleno corredor da escola, no quintal de casa ou no meio da rua, então que bom também. É moralmente imperativo que as pessoas se choquem mais ainda com a violência de crianças por influência de adultos.

Agora, se todo este choque não servir para nós cairmos de uma vez por todas na real sobre a violência a que nossos filhos e filhas podem ter acesso facilmente, fora e dentro de casa, então o sangue abundante daqueles quase 500 miseráveis exterminados na série jorrou em vão pelos pudicos píxeis da nossa Smart TV de marca sul-coreana.

Não há absolutamente nada de violento em “Round 6” que o seu filho menor de 7 anos de idade provavelmente já não tenha visto.

Sim, senhor. E ele não apenas já viu saraivadas de tiros, espancamentos e corpos arremessados do alto, como viu tudo isso em vídeo-games, em desenhos animados e em joguinhos de celular.

Mas o mais gritante é que ele veja e ouça tudo isso e mais um pouco, regularmente, em plena vida real, sem que mal paire sobre este fato um resquício do choque e da afetação provocados pela crueza de “Round 6“.

É muito possível que, graças a Deus, o seu filho nunca tenha visto miolos espatifados presencialmente, e Deus permita que nunca os veja, mas raia o impossível que ele não tenha visto nada equivalente em nenhum programa “jornalístico” da TV aberta, seja às 5 da tarde, seja durante o “jantar em família”. Ou essa violência banalizada não merece o mesmo choque?

Então, peguemos nossa indignação de rede social e, encorajados por ela, perguntemos aos nossos filhos se a lembrança mais recente e viva na mente deles é a do último festival de tiros que eles viram no vídeo-game. Ou se é a lembrança do abraço carinhoso e apertado que você deu nele na manhã de hoje, enquanto lhe perguntava se ele dormiu bem, o incentivava a pensar no que pretendia fazer de mais legal durante a jornada e lhe anunciava que você chegaria em casa mais cedo para estar com ele um pouco mais de tempo antes do jantar – um verdadeiro jantar em família, sem a TV sentada à mesa.

E, antes ou depois do jantar (mas não durante), sabe sobre o que vocês poderiam conversar?

Sobre “Round 6” – caso ele tenha demonstrado interesse.

Se (e somente se) ele tiver mostrado interesse, cogite ver com ele alguma cena da série e perguntar o que ele achou. Ela não é recomendada para menores, mas também não é proibida por lei (nem humana, nem divina). Afinal, se ele estiver demonstrando muito interesse, você esteja certo de que ele vai dar um jeito de vê-la escondido – exatamente como você fazia quando tinha a idade dele.

Considere que a violência em “Round 6” é inegavelmente crua, mas não é justo tachá-la de gratuita – como é, veja só, em muitos blockbusters que, provavelmente, muitas crianças viram na TV ou no cinema. A questão é que uma criança menor de idade não tem ainda nem a bagagem nem o discernimento para perceber sozinha a extraordinária e certeira alegoria proposta pela trama sul-coreana – nem para captar os insights morais, bastante significativos, que o drama dos jogadores pode ativar na consciência.

Como quer que seja, se você optar por ver alguma cena com o seu filho, pergunte se ele quer continuar vendo e por qual motivo. Pergunte se ele acha que essa violência envolve algo que faça sentido. Entenda o que ele pensa e que tipo de influências ele demonstra estar sofrendo para pensar assim. Pergunte se ele acha que essa violência pode induzir pessoas a agirem assim na vida real. Comente sobre massacres em escolas e lugares públicos. Recorde que as investigações apontaram que muitos criminosos por trás desses massacres sofreram influência da violência da ficção. Esclareça que a ficção não vai necessariamente gerar psicopatas, mas que é importante saber separá-la e rejeitá-la na própria vida. Pergunte quais outros temas ou séries também lhe interessam. Recorde-lhe que “Round 6” dura 9 preciosas horas que, na idade dele, podem ser mais aproveitadas com outra série que ele já consiga interpretar com mais critério.

O seu filho não vai ser poupado de ver a violência nas telas e na vida, com ou sem a sua companhia, com ou sem o PIN de segurança na Netflix – e nem mesmo com ou sem o seu abraço diário.

Mas se você ainda não está profundamente convencido de que o seu abraço apertado e atencioso de todas as manhãs vai fazer muito mais diferença do que a sua indignação de rede social pela violência de uma série de TV que viciou meio mundo em poucos dias, então quem sabe está na hora de refletir um pouco mais sobre isso.

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EducaçãoFamíliatelevisaoViolência
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