A carne que me molda me faz e desfaz o tempo todo. Um corpo continente, sem mapa e sem um GPS que me ensine a andar e a morar em mim. O processo de "cre/Ser" traz um rio que corre e, às vezes, seca. Me faz afogar e, em outros momentos, me faz aprender todo dia a nadar.
A vida adulta tem me colocado nesse lugar de ver que nem tudo é sobre ser adulto. Que dentro de mim ainda existe uma criança que necessita também de cuidado. É como se eu fosse o tio da escola que precisa ensinar a alguém uma tarefa nova. Mas eu também sou a criança que precisa de instruções.
Eu sou a minha própria embarcação, já diria Luedji Luna. Mas, às vezes, ela fura e dos furos, jorra água, tomando conta de tudo, fazendo a gente se afogar.
Os furos são os traumas que construímos enquanto crianças, adolescentes ou adultos: eles não têm hora certa pra chegar e, tal qual nós mesmos, nunca param de crescer. Porém, em algum momento, a gente anseia atropelar tudo pra ser gente grande. Quando conseguimos, queremos voltar a ser criança.
A gente se atropela no processo e esquece que tudo precisa de cuidado. Inclusive aquela criança que você deixou de cuidar por achar que era “somente aquilo.”
É como se naquela história dos três porquinhos a nossa casa fosse feita de alfinete: tão frágil e sensível que em algum momento um lobo mal vai assoprar e ela vai se desfazer no ar, caindo sobre as nossas cabeças, perfurando a nossa pele, causando dor. E lá vai a gente se refazer e construir tudo de novo.
O que é crescer
Crescer demanda da gente andar lado a lado com a nossa própria criança ferida, erguida, nova ou velha. Viver demanda atrelar as linhas do novo ao que se manteve do que já era, para que a caminhada seja de autocuidado.
Na nossa frente tem um espelho, e tudo que já fizeram de nós, em algum momento, ele reflete na forma que nos estabelecemos enquanto adultos. Existe um lugar para tudo, inclusive pra observar as nossas próprias vulnerabilidades.
O processo de existência: nasce, cresce e morre. Espero que você se mantenha de pé pra poder sentir a delicia e também o gosto amargo que é abraçar a si, dedicando-se a si mesmo tanto quanto você se dedica ao outro.
