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Os desafios da empatia e o reconhecimento dos direitos das minorias

BRAZIL

Joao Paulo Guimaraes / AFP

Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 12/12/21

Na medida que reconhecemos as dificuldades e os sofrimentos de nossos irmãos, compreendemos melhor os erros, as injustiças e as possibilidades de construção de sociedades melhores

Ações afirmativas pró-minorias – como quotas para acesso a universidades e empregos, uso de termos neutros em relação ao gênero (a substituição do “o” ou “a” finais por “x”) – vem se tornando cada vez mais difundidas no mundo todo, inclusive no Brasil. Essa tendência, além de provocar a ira de muitos, lança um curioso problema para as ciências sociais. As análises críticas mostram que a defesa do bem não costuma se manter, enquanto posição dominante num grupo social, quando traz prejuízos aos seus proponentes. Discursos bondosos costumam esconder interesses egoístas ou trazer algum tipo de vantagem pouco evidenciada para seus defensores. Não se trata de uma visão maliciosa dos cientistas, mas de uma constatação recorrente nos estudos.

Ora, seguindo esse raciocínio, pode-se perguntar: o que leva grande parte dos homens brancos, heterossexuais, de classe média ou alta, particularmente os mais jovens, a defenderem ações que não os representam e até os prejudicam? Aqueles que se identificam com essas posições dirão que se trata do reconhecimento dos direitos de todos os seres humanos, a indignação diante de injustiças sofridas pelas minorias ao longo dos séculos. Os contrários a elas dirão que se trata da influência de ideologias que manipulam a consciência das pessoas, visando sua dominação política. Como em tudo na vida, as duas posições têm sua razão de ser e seus pontos discutíveis. Mas ambas são frágeis quando se trata de explicar a adesão a posições que aparentemente se opõem aos interesses mais evidentes de muitos de seus defensores.

Nos Estados Unidos, alguns autores identificam, nessa tendência, uma estratégia de grandes corporações de desviarem a atenção de outros focos sensíveis de sua atuação. Defendendo as minorias e a diversidade, minimizariam as críticas sobre suas práticas monopolistas, seus lucros exorbitantes, sua influência política crescente. Para as populações jovens, essa defesa das minorias representa, segundo parte desses estudos, uma reação contra as gerações mais velhas, que ocupam cargos de mando e impedem a ascensão das novas gerações. Condenar o racismo, o machismo e o preconceito seria uma forma de desqualificar as antigas lideranças e abrir espaço para as novas.

A empatia com os que sofrem

Ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, o desenvolvimento da noção de direitos humanos no Ocidente foi marcado por uma percepção crescente da igualdade entre os seres humanos e da empatia para com o sofrimento do outro. Como movimento cultural, esse processo está vinculado à reflexão cristã e ao aprofundamento da compreensão das implicações sociais da filiação a um mesmo Pai e a obras de arte que apresentavam os sofrimentos e as injustiças sofridas pelos personagens principais, fazendo com que o público se identificasse com suas dores e compreendesse que ninguém deveria sofrer.

Algo semelhante vem acontecendo em nosso tempo. Tanto o desenvolvimento científico quanto a reflexão filosófica e religiosa têm mostrado a artificialidade de grande parte dos argumentos que legitimavam a diferenciação e a exclusão das minorias. Além disso, o progresso material, a melhoria das condições de vida e a autonomia crescente do indivíduo não trouxeram a felicidade almejada pelo ser humano. As promessas da modernidade, ainda que realizadas em grande parte, coexistem com um indisfarçável “mal-estar existencial”, que aflige inclusive os que parecem ter uma vida mais afortunada. Esse mal-estar generalizado encontra, nos padecimentos das minorias, um modelo ao qual se identificar, fortalecendo os vínculos de empatia.

Sem essa percepção empática dos sofrimentos e das injustiças a que estão sujeitas as minorias, tanto o juízo racional sobre seus direitos quanto a influência das ideologias não teriam tido o sucesso que tiveram. Entender o fator empatia é, portanto, fundamental para quem quer ter uma posição justa e não polarizada sobre os direitos das minorias e os valores universais que devem nos orientar.

A confusão ideológica

Ações afirmativas em defesa de minorias, grupos sub-representados ou vítimas de violências arraigadas na sociedade vieram para ficar. São um justo aprofundamento da compreensão da dignidade inalienável do ser humano, da universalidade de seus direitos, da solidariedade que deve animar as relações humanas. Correspondem a ideais de organização da vida social já presentes nas origens do cristianismo. Além disso, estudos comparativos, em diversos países e situações, mostram que essas ações – quando bem planejadas e executadas – são eficientes na defesa e na promoção humana de populações vulneráveis, ajudando a construir o bem comum para toda a sociedade.

Contudo, também é fato que concepções deturpadas da liberdade individual e das relações afetivo-sexuais, bem como a instrumentalização ideológico-partidária de certas questões podem levar a propostas mal direcionadas, que trazem confusão e não resolvem adequadamente os problemas. Vivemos um tempo em que a consciência do que seja a essência do ser humano não está clara, onde o individualismo leva à defesa de direitos sem responsabilidades.

Os debates sociais, nesse campo, costumam oscilar entre dois extremos falaciosos. Uns acreditam que a autonomia individual e a exaltação do particular são sempre boas, enquanto toda norma social e toda compreensão universalista do que seja o ser humano são opressoras. Outros supõem que a pessoa, entregue a si mesma, sempre fará escolhas más e que as normas sociais e uma certa visão de mundo são a única possibilidade de garantir o bem e a verdade. Mas tanto o ser humano quanto a sociedade são contraditórios, capazes tanto de coisas boas quanto de coisas más.

O justo discernimento

Um juízo adequado sobre esses temas implica em sempre crescermos na empatia para com o outro. Na medida que reconhecemos as dificuldades e os sofrimentos de nossos irmãos, compreendemos melhor os erros, as injustiças e as possibilidades de construção de sociedades melhores. Por outro lado, temos que reencontrar a razão de ser mais profunda das normas e valores sociais. Não basta dizer que certas coisas são óbvias ou “naturais”, temos que saber por que certos comportamentos nos ajudam a sermos mais felizes e outros não, temos que estar dispostos a reafirmar certos valores, mesmo que pouco aceitos pela maioria, e descartar outros, aos quais estávamos apegados apenas por tradição, pois não constroem realmente nem a nossa humanidade, nem a dos demais.

Sem trilharmos esse caminho de empatia e do discernimento sobre os justos valores humanos, acabaremos sempre sendo manipulados por uma posição ou outra e teremos mais dificuldade em contribuir para a felicidade das novas gerações e para o bem comum.

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