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A sabedoria cristã diante das enchentes e dos desastres naturais

DISASTER, EARTHQUAKE

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Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 09/01/22

Diante da aflição das vítimas e das perdas humanas e materiais provocadas pelas enchentes, é impossível não se perguntar: por que Deus permite tais tragédias?

O tempo do Natal e do Ano Novo é frequentemente marcado por desastres naturais, como as enchentes que, neste ano, ocorreram na Bahia e em Minas Gerais. Para nossa pobre compreensão da realidade, é um paradoxo que as comemorações do nascimento do Menino Deus sejam marcadas por tanto sofrimento e tanta dor. A reflexão e a racionalização sobre esses acontecimentos não trarão conforto aos que estão sofrendo, a esses só podemos dar nossas orações e nossa solidariedade material. Nos ajudam, porém, a entrar mais no mistério de Deus, que faz chover sobre bons e maus (cf. Mt 5, 45-46).

Diante da aflição das vítimas e das perdas humanas e materiais provocadas pelas enchentes, é impossível não se perguntar: por que Deus permite tais tragédias? Bento XVI, numa visita ao Campo de Concentração de Auschwitz-Birkenau, onde milhares de judeus foram mortos pelos nazistas, se perguntava: “Onde estava Deus naqueles dias? Por que Ele silenciou?”. Mais adiante respondia: “Nós não podemos perscrutar o segredo de Deus, vemos apenas fragmentos e enganamo-nos se pretendemos eleger-nos a juízes de Deus e da história […] devemos elevar um grito humilde, mas insistente a Deus: Desperta! Não te esqueças da tua criatura, o homem! E o nosso grito a Deus deve ao mesmo tempo ser um grito que penetra o nosso próprio coração, para que desperte em nós a presença escondida de Deus, para que aquele poder que Ele depositou nos nossos corações não seja coberto e sufocado em nós pela lama do egoísmo, do medo dos homens, da indiferença e do oportunismo”.

Solidariedade e perseverança

Falando às vítimas do tríplice desastre (terremoto, maremoto e acidente nuclear) de Fukushima, no Japão, Papa Francisco observou: “Ninguém se ‘reconstrói’ sozinho, ninguém pode começar de novo sozinho. É essencial encontrar uma mão amiga, uma mão irmã, capaz de ajudar a erguer não só a cidade, mas também o olhar e a esperança […] Por isso, convido-vos a avançar um pouco cada dia na construção do futuro, baseado na solidariedade e empenho recíproco”.

A força da solidariedade é necessária não só para responder às necessidades materiais imediatas, mas para dar esperança e coragem para reconstruir a terra e a vida devastadas pela catástrofe. Todos nós fazemos, em algum momento da vida, a experiência de como uma companhia amiga nos ajuda a enfrentar as adversidades. O que vale para nós, talvez numa pequena relação pessoal, vale para toda a sociedade num momento de dificuldade. 

Juntas, a perseverança e a solidariedade se tornam um sinal de esperança para o mundo. Francisco prossegue: “No trabalho contínuo de recuperação e reconstrução […] muitas mãos se devem juntar e muitos corações se devem unir como se fossem um só. Desta forma, as pessoas que sofreram receberão apoio e saberão que não foram esquecidas. Saberão que muitas pessoas compartilham, ativa e eficazmente, o seu sofrimento e continuarão a estender uma mão fraterna para ajudar. Mais uma vez, louvemos e demos graças por todos aqueles que procuraram, com simplicidade, aliviar o peso das vítimas. Que esta compaixão seja o caminho que permita a todos encontrar esperança, estabilidade e segurança para o futuro”.

Além disso, a empatia e o compromisso com os que sofrem nos ajudam a sair de nosso individualismo, a viver o encontro com nossos irmãos que sofrem e com o próprio Cristo. “A fé diz-nos que se faz a Cristo quanto se realiza em favor de quem se encontra na necessidade e no sofrimento (cf. Mt 25, 40)”, lembrou São João Paulo II numa visita a Assis, após o terremoto que destruiu a região no Ano Novo de 1998.

O papel do Estado

As ponderações da Igreja sobre os desastres naturais referem-se também a questões muito práticas. Numa intervenção comentando as consequências do “tsunami” que se abateu sobre o sudeste asiático em 2004, Dom Celestino Migliore, na época delegado da Santa Sé junto à ONU, lembrou a importância das ações humanitárias e da cooperação internacional em situações de desastre natural. Os recursos recebidos são sempre importantes, mas necessitam de estruturas capazes de recebê-los e dar-lhes rapidamente a melhor destinação. Além dos auxílios emergenciais que se seguem ao momento do desastre, observou que também são necessários apoios a médio e longo prazo, para o processo de reconstrução, sempre demorado e difícil.

Desastres ambientais, à primeira vista, parecem atingir a todos igualmente. Contudo, como notou Francisco na Laudato si’ (LS 25, 29, 48ss), os mais pobres são quase sempre os mais atingidos, pois moram em áreas de maior risco – tanto é que os jornais noticiam, como algo inesperado, quando um condomínio de luxo é afetado pelas inundações na Bahia ou pelos incêndios na Califórnia. Daí a atenção do delegado da Santa Sé, nesta intervenção, em sublinhar a importância da ação dos governos e da cooperação entre as nações para minimizar o sofrimento de todos, mas em particular desses mais vulneráveis.

Dom Celestino observou ainda: “A primeira e mais importante lição a tirar é o fato de que entre as pessoas simples existe uma enorme boa vontade, que muitas vezes permanece escondida. A solidariedade natural e sincera das populações do mundo saltou aos olhos de todos com evidência e, numa época em que os meios de comunicação internacionais contribuem para tornar o mundo cada vez mais semelhante a uma aldeia global, é consolador saber que um profundo sentido da nossa humanidade comum se manifestou rápida e positivamente em benefício dos sobreviventes desta tragédia. Enquanto a comunidade internacional ajudava pessoas reais em verdadeiras situações de necessidade, manifestava-se com clareza uma espontânea compreensão da centralidade da pessoa humana”.

A esperança que não é uma ilusão

Em sua intervenção, o delegado da Santa Sé salientou a importância da assistência religiosa e espiritual nesses contextos. Diante do sofrimento, da dor e da morte, todo ser humano sente a necessidade do consolo e da esperança que só a misericórdia de Deus pode proporcionar. Mas não seria essa uma ilusão piedosa, como acusam aqueles que não têm fé? Na verdade, só a experiência de ter a vida transformada pelo encontro com Cristo nos leva a uma fé realista na ação de Deus em momentos dramáticos. Bento XVI, na Spes salvi (SS 7), lembra que a fé não pode ser compreendida apenas como “acreditar em algo que não se vê”, ela é mais bem definida como o reconhecimento de uma novidade que já aconteceu, que nos faz ter esperança em coisas que ainda não estão dadas.

Nessa perspectiva, renovamos nossas orações para que cada vítima das enchentes desse final de ano possa, a seu modo, fazer a experiência dessa consolação e dessa esperança que desde já pode renovar a vida em cada um de nós.

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