Alguns grupos católicos nos EUA reagiram mal a uma foto em que Carlo Acutis (o jovem italiano recentemente beatificado) aparece de calção de banho durante as férias em família. Algumas pessoas questionaram se essa seria “a roupa de um santo”. A questão seria risível se não fosse o sintoma de algo mais grave. Ficar escandalizado com um menino aproveitando suas férias é simplesmente absurdo, mas o comentário revela uma concepção distorcida sobre a santidade.
Santa Teresa e a humildade
No sexto livro de O Castelo Interior, Teresa d'Ávila definiu a humildade como andar en verdad, “caminhar na verdade”. Nesse sentido, andar (caminhar) refere-se a uma disposição geral do ser. Uma tradução alternativa (e talvez mais abrangente) da definição de Teresa d'Ávila pode ser “humildade é estar na verdade”, ou talvez até mesmo “ser verdadeiro”, reconhecendo suas próprias falhas e virtudes, esquivando-se dos excessos de orgulho e vergonha, vaidade e auto-aversão, descuido e escrúpulos.
Mas esse ser na verdade tem implicações mais amplas. Assim como a definição de Teresa é (em primeiro lugar) um convite para enfrentar, aceitar e trabalhar os aspectos muitas vezes contraditórios da existência pessoal, ela também pode ser lido como uma exortação a aceitar a realidade.
Não importa o quanto queiramos, um cachorro não é um pássaro — tanto quanto um ser humano não é apenas uma engrenagem em uma máquina. Claramente, essa humilde aceitação da realidade não é puro conformismo com o status quo. É, pelo contrário, um desafio que exige um treinamento interminável na arte de ser capaz de distinguir o certo do errado, o verdadeiro do falso. A diferença entre um e outro, a história (infelizmente) provou uma e outra vez, nem sempre é clara. Afinal, essa foi a pergunta de Pilatos: “o que é a verdade?” (Cf. Jo 18, 38).
Francisco de Assis e a arte medieval
A vida contemporânea é assombrada pelo fantasma de uma sensibilidade hiperbólica, muito facilmente chocada ou ofendida, que tende a ver razões para se escandalizar onde muitas vezes não há. O puritanismo contraria a humildade quando faz do próprio eu ofendido o critério por meio do qual tudo deve ser medido, muitas vezes fazendo muito barulho por nada. Não é preciso dizer que nossa sensibilidade pessoal nem sempre está necessariamente alinhada com a verdade.
Esse tipo de puritanismo não é incomum. Inúmeros santos sofreram com isso. Todos se referem a essa tendência como uma doença da alma. Como qualquer doença, escrúpulos puritanos podem ser bastante contagiosos. Os excessos da cultura do cancelamento são apenas uma manifestação coletiva disso. Obras clássicas que antes eram consideradas canônicas (incluindo a Odisseia, de Homero) foram removidas dos currículos em várias universidades dos EUA por todos os tipos de razões (irracionais).
Em seu (já clássico) The Sexuality of Christ in Renaissance Art and in Modern Oblivion, o notável historiador da arte Leo Steinberg argumenta que, como resultado da ascensão da Ordem Franciscana na segunda metade do século XIII, uma ênfase na nudez de Cristo e, portanto, em sua humanidade, desenvolveu-se na teologia, filosofia e arte, que passaram a ser mais centradas no ser humano.
Na verdade, um lema bem conhecido da Ordem Franciscana era nudus nudum Christum sequi (“seguir nu ao Cristo nu”). Como Lee Siegel explica, esse foi “um apelo radical para deixar de lado riquezas e pertences mundanos e reconhecer a natureza frágil e decaída de todos os homens e mulheres”. Enquanto os artistas bizantinos não destacaram a imagem do corpo desnudo de Cristo (ocupados em provar a divindade de Cristo, diante de cismas e iconoclastias), os artistas católicos do final da Idade Média e do Renascimento tinham espaço para se concentrar em sua humanidade.
Artistas medievais e renascentistas representavam livremente a nudez de Cristo, nem mesmo coberto com um lenço, para destacar a Encarnação. Representações de Maria amamentando também seriam usadas com a mesma intenção teológica. A revelação da nudez, explica Steinberg, mostraria a radicalidade da Encarnação de Cristo e, consequentemente, seu amor pela humanidade.
Na verdade, o Cristo nu não tão conhecido de Michaelangelo pretende retratá-lo como um descendente de Davi conforme a carne; a pose de Cristo, claramente semelhante à de Davi, aponta para sua pertença mútua à Árvore de Jessé. Até mesmo as representações medievais populares da circuncisão do menino Jesus foram lidas como predizendo a crucificação — como se o primeiro sangue derramado pelo Menino nu fosse mais tarde cumprido no sangue derramado das chagas do Cristo nu na Cruz. As relíquias supostamente pertencentes à circuncisão de Jesus eram de fato tão populares quanto as de sua Paixão (e muitas vezes desfilaram em 1o de janeiro, na Festa da Circuncisão).
Steinberg explica como as chagas da Paixão também eram comumente pensadas do ponto de vista relacionado à maternidade. Através delas, os crentes nascem em uma vida nova e eterna. Até mesmo o sangue e a água derramados da ferida lateral de Cristo foram comparados ao leite de Maria, sustentando e alimentando os fiéis à medida que eles cresciam na fé. Todas essas reflexões teológicas e sacramentais teriam sido impossíveis se não fosse por um profundo respeito pelo corpo nu, despojado e torturado de Cristo.
Considerando tudo isso, pode-se argumentar com segurança que os corpos (e os corpos nus e despojados em particular) não eram necessariamente motivo de escândalo para nossos antepassados na fé, mas sim um locus fundamental da vida espiritual. É possível que nossa época, obcecada com realidades virtuais e metaversos, tenha esquecido disso. Mas também, uma compreensão excessivamente espiritualizada da vida religiosa apoia há muito tempo um pseudoesquecimento pouco ortodoxo da Encarnação de Cristo, apesar do lembrete cerimonial semanal: "isto é o meu Corpo".