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“Não discutir com idiotas”: uma armadilha para nos tornar idiotas…

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Mangostar | Shutterstock

Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 06/02/22

Estejamos sempre abertos a buscar a verdade com todos. A ninguém desqualifiquemos como idiotas

“Não discutir com idiotas”, a frase – dita com essas palavras ou com outras semelhantes – foi invocada nos últimos tempos em artigos e livros. Diante de eleições muito polarizadas e com posições extremistas em jogo, que dividem famílias e grupos sociais, parece uma ideia muito sensata. Mas oculta um problema: como saber quem é o idiota com o qual não discutir?

Aqueles que rotulam facilmente os outros como idiotas estão mais interessados em se autoafirmar e conseguir seguidores nos debates sociais do que realmente interessados na verdade. A estratégia corresponde a dizer “eu digo quem são os idiotas, então se me seguir você será inteligente”. Quem está interessado realmente na verdade, discute ideias sem rotular pessoas. Além disso, o primeiro sinal de idiotice é justamente acusar os outros de serem idiotas e assim nos furtarmos da necessidade de analisar seriamente os argumentos que apresentam, contrários a nossas posições.

O bom cristão, habituado a um exame de consciência sério, sabe que deve se perguntar sobre os seus pecados antes de acusar os pecados dos outros (quem tem dúvidas, leia Mt 7, 3-5). Antes de acusar o outro de idiota, temos que conhecer suas ideias e motivações e buscar entendê-lo. Antes de dizer que uma ideia é idiota, temos que analisar nossas próprias convicções sobre aquele tema, para ver se nós também não estamos pensando idiotices.

Dialogar, não discutir

Na Fratelli tutti (FT 215), Papa Francisco faz uma proposta radical: “Uma sociedade onde as diferenças convivem integrando-se, enriquecendo-se e iluminando-se reciprocamente, embora isso envolva discussões e desconfianças. Na realidade, de todos se pode aprender alguma coisa, ninguém é inútil, ninguém é supérfluo”. De todos se pode aprender alguma coisa! Portanto é necessário dialogar com todos. Pouco antes, o Papa afirma que “O diálogo social autêntico pressupõe a capacidade de respeitar o ponto de vista do outro, aceitando como possível que contenha convicções ou interesses legítimos. A partir da própria identidade, o outro tem algo para dar, e é desejável que aprofunde e exponha a sua posição para que o debate público seja ainda mais completo” (FT 203). Não é uma posição relativista ou medrosa, pois “num verdadeiro espírito de diálogo, nutre-se a capacidade de entender o sentido daquilo que o outro diz e faz, embora não se possa assumi-lo como uma convicção própria. Deste modo torna-se possível ser sincero, sem dissimular o que acreditamos, nem deixar de dialogar, procurar pontos de contacto e sobretudo trabalhar e lutar juntos” (Querida Amazonia, QA 108).

O diálogo, praticado num clima de abertura e amizade, deve evoluir para o debate construtivo, onde dados e argumentos racionais são expostos por ambas as partes. Desse debate surgem as soluções consensuais e os acordos realmente comprometidos com o bem comum. Muitas vezes, nossos interlocutores não estão interessados nesse debate e se tornam mais agressivos e irracionais à medida que perdem seus argumentos e sua lógica. Nesse momento, apelam e nos acusam de idiotas. Temos que tomar muito cuidado, porém, para que nós mesmos não nos tornemos esse tipo de pessoa. Muitas vezes, sem nos darmos conta, esquecemos as razões de nossos posicionamentos (que consideramos óbvios demais) ou não percebemos aspectos problemáticos de nossas propostas (que só iremos compreender se ouvimos os argumentos do outro).

Em ano eleitoral…

Posições ideológicas, baseadas em argumentos de autoridade ou no apelo fácil a nossa instintividade, serão cada vez mais comuns nesse ano eleitoral. Também aparecerão cada vez mais ideólogos, em ambos os lados do espectro partidário, usando citações incompletas ou descontextualizadas da doutrina social da Igreja para nos convencer a segui-los. É um tempo em que teremos de dialogar muito, entre nós e com os que pensam diferente, para conseguirmos o justo discernimento cristão.

Estejamos sempre abertos a buscar a verdade com todos. A ninguém desqualifiquemos como idiotas. É difícil ir contra os erros do pensamento hegemônico, ainda que necessário. Contudo, é mais difícil e mais necessário não só ir contra os erros do pensamento hegemônico, mas buscar a verdade – esteja onde estiver – juntamente com os que pensam e com os que não pensam como nós.

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