Numa altura em que o grupo terrorista Estado Islâmico, que tem reivindicado nos últimos anos ataques na região de Cabo Delgado, parece estar a reorganizar-se localmente, passando a referir-se a si próprio como “Wilayah Moçambique”, ou “Província de Moçambique”, há registo de diversos incidentes graves, com a decapitação de pessoas, casas queimadas e um rasto preocupante de destruição.
O distrito de Macomia surge como o centro das operações terroristas, com incidentes reportados nas localidades de Nkoe, Nova Zambézia, Nguia e Chicomo. Estes incidentes ocorreram entre a passada sexta-feira e sábado, dias 20 e 21 de Maio, mas há relatos de que os insurgentes – como os terroristas são também conhecidos localmente – foram avistados já na quinta-feira, 19.
Vítimas
É incerto o número de vítimas. Segundo declarações à imprensa de Vicente Chicote, comandante da polícia na província de Cabo Delgado, os incidentes ocorreram “entre as aldeias Quinto Congresso e Nova Zambézia”, e os atacantes “raptaram algumas senhoras e decapitaram três cidadãos, seguindo depois para a zona de Nguia, onde degolaram outras pessoas”. O relato do responsável da Polícia acrescenta ainda que, de seguida, os homens armados “foram para a aldeia de Chicomo, chegaram lá na noite de dia 22, onde trocaram disparos com a força local estacionada lá, conseguiram atear fogo a algumas casas e fugiram”.
Vicente Chicote, que falou à imprensa na passada quarta-feira, dia 25, explicou como está a ser o modo de actuação dos autores dos ataques. Entram nas aldeias, queimam casas, roubam comida e invadem as “machambas”, ou seja, os campos agrícolas considerados como “locais de refúgio” da população. Por vezes matam e raptam também alguns dos habitantes.
Missionários
Estas informações foram confirmadas à Fundação AIS por diversos missionários presentes na região. Pedindo anonimato, dado tratar-se de uma questão sensível, tanto sacerdotes como irmãs afirmam, no entanto, que estes ataques tiveram uma expressão maior do que as autoridades pretendem fazer crer, dando como exemplo que há vítimas entre elementos das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique.
“Não foram só civis que foram decapitados, mas também militares, mas isso o governo não permite divulgar e por isso nós temos uma dificuldade enorme em obter informações mais precisas”, diz-nos, ao telefone, um sacerdote.
De qualquer forma, os missionários da Igreja Católica asseguram que “não foram só dois ou três ataques, mas sim mais”, e que “a metodologia [usada pelos terroristas] está diferenciada”. “Não são mais grupos grandes, mas grupos menores e por isso estão a conseguir esses infiltramentos e estão a actuar mais na região entre Meluco e Macomia e Nguia e também Imbada.”
Violência
A questão da violência terrorista e as suas consequências no agravamento da profunda crise humanitária em Cabo Delgado foram destacadas por D. António Juliasse, que tomou posse como Bispo de Pemba no sábado, dia 21.
Falando em exclusivo para a Fundação AIS, o prelado sublinhou que a sombra da violência terrorista continua a fazer-se sentir, e que isso significa incerteza face a quaisquer planos para a diocese e para a região. “Em termos do futuro, ainda temos a situação de deslocados e ainda não se sente que estamos isentos do terrorismo no nosso território”, disse D. Juliasse, retomando uma expressão que começa a ser como que uma ‘imagem de marca’ do Bispo na defesa desta região de Moçambique: “alerto o mundo para que não se esqueça de Cabo Delgado”.
Já em Fevereiro desde ano, a Fundação AIS alertava para uma nova vaga de ataques terroristas no norte de Moçambique. Uma religiosa presente na região testemunhava “o rapto sistemático de pessoas que se encontram nas aldeias e nas machambas, principalmente mulheres e mães com suas próprias crianças”. A missionária explicava que a vila de Macomia, sede de distrito na Província de Cabo Delgado, se encontrava então “sob uma tensão muito forte”, e que “muitas aldeias dos arredores” haviam sido atacadas.
Os ataques armados no norte de Moçambique começaram em Outubro de 2017, e provocaram mais de três mil pessoas e cerca de 800 mil deslocados internos. Moçambique é um país prioritário para a Fundação AIS que tem em curso diversos projectos de assistência pastoral e de apoio psicossocial, além do fornecimento de material para a construção de casas, centros comunitários, e a aquisição de veículos para a Igreja Católica.