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Bispo rebate político: massacre em igreja não se deve a mudanças climáticas (!)

Ataque à igreja de São Francisco, na Nigéria

AFP

O governador do estado de Ondo aponta para o sangue no chão após ataque na Igreja Católica de São Francisco

Francisco Vêneto - publicado em 15/06/22

"Se há terroristas à solta, matando, massacrando, ferindo e instalando o pânico há mais de 8 anos, não é por nenhum motivo razoável: é porque são maus"

Dom Jude Ayodeji Arogundade, bispo de Ondo, na Nigéria, rebateu a peculiar narrativa de políticos europeus, em particular do presidente da Irlanda, Michael Higgins, de que o massacre perpetrado em pleno Domingo de Pentecostes na igreja de São Francisco em Owo tenha sido causado por… mudanças climáticas.

Pelo menos 40 pessoas foram assassinadas no covarde atentado.

Mudanças climáticas?

Dom Jude escreveu:

“Gostaria de fazer um apelo àqueles que estão tentando tirar vantagem desse evento horrífico para promover alguma forma de agenda ideológica: desistam desse tipo de oportunismo”.

Michael Higgins havia lamentado o ataque mediante comunicado, mas, no mesmo texto, rejeitou as atribuições do ataque a “povos de pastores que estão entre as maiores vítimas das consequências das mudanças climáticas”.

A referência do presidente irlandês é aos pastores nômades da etnia fulani, minoria muçulmana espalhada por diversos países ao sul do deserto do Saara, incluindo a Nigéria. Com base em imagens do massacre, considera-se, ainda não comprovadamente, que os bandidos armados que invadiram a igreja e alvejaram os fiéis indefesos sejam milicianos fulani. O grupo tem histórico violento de ataques contra cristãos no país e mantém vínculos com o bando terrorista islâmico Boko Haram e com o braço do Estado Islâmico atuante no Sahel.

Políticos europeus, normalmente rápidos em deplorar ataques contra civis, têm se omitido no tocante às perseguições direcionadas especificamente contra os cristãos, além de negligenciarem sistematicamente a violência do radicalismo islâmico na Nigéria, embora ela se arraste há anos e guarde um histórico estarrecedoramente sangrento.

Traçar um suposto vínculo entre o enésimo massacre de cristãos na Nigéria e supostas “causas climáticas” que transformariam em vítimas quem é cúmplice recorrente do terrorismo parece ter ido além dos limites do tolerável para dom Jude.

A resposta de dom Jude, na íntegra

Eis a resposta completa que o bispo nigeriano escreveu:

Como muitos outros, o presidente da República da Irlanda, o ilustríssimo senhor Michael D. Higgins, divulgou um comentário na segunda-feira, 6 de junho, condenando o horrífico ataque de terroristas que ocorreu no domingo de Pentecostes na igreja de São Francisco, em Owo, no Estado de Ondo, Nigéria.

Esse ataque satânico levou ao cruel massacre de 40 pessoas, inclusive muitas crianças, homens e mulheres. Também resultou em ferimentos para mais de 126 pessoas e em feridas emocionais para muitas outras ainda. Dada a conexão histórica entre a República da Irlanda e a diocese de Ondo, os comentários do presidente foram importantes para mim como atual bispo da diocese. Os dois primeiros bispos de Ondo eram irlandeses; o edifício da igreja em que ocorreu o ataque foi construído por missionários irlandeses; algumas das pessoas mortas foram batizadas e receberam os sacramentos da confirmação ou do matrimônio das mãos de veneráveis missionários irlandeses. Foram também homens e mulheres irlandeses que estabeleceram as bases da fé para nós nesta parte do mundo. Pela eterna memória deles continuamos gratos.

Ao mesmo tempo em que agradecemos ao ilustríssimo sr. Higgins por se unir a outros na condenação ao ataque e por oferecer a sua solidariedade às vítimas, as suas razões para o cruel ataque são incorretas e rebuscadas.

No segundo parágrafo de sua declaração sobre o massacre na igreja católica de São Francisco em Owo, o sr. Higgins disse: “É fonte de particular condenação que tal ataque tenha sido cometido em um lugar de culto, assim como também o é qualquer tentativa de usar como bodes expiatórios povos de pastores que estão entre as maiores vítimas das consequências das mudanças climáticas”.

No terceiro parágrafo ele diz: “A negligência durante tanto tempo com a segurança alimentar na África nos trouxe a um ponto de crise que agora está trazendo consequências internas e regionais baseadas nas lutas, nos modos próprios de vida”. Em seu último parágrafo ele conclui que “a solidariedade de todos nós, como povos do mundo, é devida a todos os que sofrem o impacto não só desse terrível evento, mas também à luta pelos mais vulneráveis, sobre quem recaíram as consequências das mudanças climáticas”.

Sugerir ou fazer uma conexão entre as vítimas do terror e as consequências da mudança climática é não apenas enganoso: é nada menos que esfregar sal nas feridas de todos os que vêm sofrendo com o terrorismo na Nigéria. As vítimas do terrorismo compõem uma categoria com a qual não há nada que possa ser comparado! Para qualquer um que tenha acompanhado de perto os eventos na Nigéria nos últimos anos, é muito claro que não há nada em comum entre as mudanças climáticas e os ataques terroristas, o banditismo e o morticínio incontrolado, tanto na Nigéria quanto na região do Sahel. Comentários como esses, que associam banditismo, sequestro e ataques cruéis contra cidadãos inocentes e inofensivos da Nigéria com assuntos concernentes à mudança climática e à segurança alimentar são desvios da verdade.

Talvez, se mais pessoas tivessem acompanhado de perto os eventos na Nigéria, dedicando-lhes algum tempo e verdadeiro interesse, teriam percebido que aludir a políticas sobre mudanças climáticas em nossa situação atual é completamente inapropriado.

Se há terroristas à solta, matando, massacrando, ferindo e instalando o pânico em diversas partes da Nigéria há mais de oito anos, não é por nenhum motivo razoável, mas porque são maus. Ponto!

Além do horrendo acontecimento de domingo, 5 de julho de 2022, em Owo, na parte sul da Nigéria, pode ser de interesse saber que os incessantes casos de sequestros (muitos dos quais resultando em morte), ataques a várias igrejas, ataques a comunidades, ataques em transportes públicos, ataques em mercados etc., têm sido a marca registrada dos terroristas, especialmente na região norte da Nigéria. Há um medo profundo em todas as partes do país e esta situação não tem nada a ver com a ideologia do clima.

Quero deixar claro que entendemos perfeitamente a necessidade de preservação e do uso consciente dos recursos do clima, e o Santo Padre, o Papa Francisco, em sua encíclica Laudato si’, de 2015, já articulou a posição da Igreja Católica sobre este assunto. É responsabilidade de cada um de nós tomar conta da nossa morada terrestre. O dever de preservar o meio ambiente começa em primeiro lugar com o dever de proteger as vidas das crianças não-nascidas, das crianças, dos homens e das mulheres.

Enquanto ainda estamos de luto pelos nossos entes queridos depois desse ataque terrível, gostaria de fazer um apelo àqueles que estão tentando tirar vantagem desse evento horrífico para promover alguma forma de agenda ideológica: desistam desse tipo de oportunismo. Eu imploro a todos que rezem pela Nigéria e pela paz no mundo todo.

As vítimas do terrorismo e todo o povo da Nigéria ficariam agradecidos, aliás, se os líderes mundiais propusessem ideias frutíferas ao governo da Nigéria para proteger os cidadãos e fazer do país um lugar seguro para se viver. Isto sim seria um modo melhor de honrar as vítimas do ódio e de pôr fim ao morticínio incessante na Nigéria.

Tags:
IdeologiaIgrejaMuçulmanosPerseguiçãoPolíticaTerrorismo
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