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A morte de um padre

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© Pascal Deloche / Godong

Louis Daufresne - publicado em 11/07/22

O suicídio de um padre entristece o coração e obriga-nos a fazer certas perguntas... Como poderia ter chegado a isto?

Um suicídio envia sempre uma mensagem. Mas decifrá-lo é complicado. Só se pode especular, discernir um grito de ajuda, comparar este ato a uma vingança pessoal. Quando o ato fatal não é acompanhado por uma carta, as pessoas em redor ficam com um terrível sentimento de culpa. Quando o suicídio se repete, o fenômeno torna-se o barómetro de uma grande depressão coletiva. A Igreja não é exceção, mesmo que poucos padres tirem as suas próprias vidas.

O recente suicídio do padre François de Foucauld, da diocese de Versalhes, entristece o coração e força a mente a questionar-se a si própria. Como poderia ele ter chegado a isto? Um padre dá a sua vida pela “boa notícia”. Ele instrui e nutre almas para ajudá-las a crescer rumo ao Céu. Nas nossas mentes, o abismo não tem qualquer influência sobre ele. Um padre que comete suicídio é como um salva-vidas abandonando um banhista em apuros para se afogar diante dos seus olhos. Assim, quando a tragédia ocorre, a emoção é enorme.

Uma forma de repúdio

No entanto, os meios de comunicação social falharam em grande parte sobre o evento. Relegaram-no à página de notícias. É uma notícia. Mas esta história trágica é reforçada pelos seus próprios ingredientes. Primeiro, havia o nome, conhecido e prestigioso, ao qual remetia o nome do sacerdote: o grande Charles de Foucauld tinha acabado de ser declarado santo em Roma, em meados de Maio. O padre François tinha a marca desse sobrenome, é claro. A sua morte voluntária foi um sinal de repúdio a esta herança, como se o seu antepassado não o tivesse podido ajudar de cima. Podemos imaginar que ele não o implorou na sua angústia? Depois havia o lugar: Versalhes, a “reserva” onde persiste uma sociologia familiar católica militante, com tudo o que os códigos de boa educação exigem em termos de contenção e respeitabilidade. O padre François de Foucauld parecia corresponder a este tipo ideal.

A sua idade também era digna de nota, muito jovem por padrões clericais: teria feito 50 anos no dia do seu funeral. O seu perfil também era intrigante: um homem de carácter, representava esta geração de párocos de choque enviados para a frente de uma paróquia em desordem. Não havia razão para suspeitar de um erro de discernimento. O padre François tinha estado a oficializar durante 18 anos no mesmo território. No final, ainda não é claro o que o poderia ter levado a tirar a sua própria vida. Havia os sinais: tanto quanto pude perceber, o nível de alerta tinha sido atingido desde a greve de fome que ele infligiu a si próprio durante vinte dias num apartamento em Levallois, fora da vista dos seus paroquianos. Depois houve o seu artigo no La Croix em que apelava à “liberdade de expressão” e à “consideração das testemunhas de abusos de poder” a fim de “discernir gradualmente em conjunto as regras claras e pacíficas de governança no seio da Igreja”.

Quem é o responsável?

Por um lado, os “amigos” do padre François de Foucauld apontam para disfunções institucionais cristalizadas num relatório de auditoria e numa mediação exclusivamente incriminatória, como se a Igreja se isentasse das regras do direito nos seus procedimentos litigiosos, em particular do debate contraditório entre o padre e os leigos que recriminam contra ele. Por outro lado, a diocese afirma ter esgotado todos os meios à sua disposição. Diz-se que o padre de Foucauld havia se fechado numa forma de incomunicação, tendo a sua atitude perante a hierarquia conduzido a uma situação insolúvel.

A instituição é responsável? Ninguém se pergunta se os pais se sentiriam alienados pelo suicídio dos seus filhos. O mesmo se aplica aos dirigentes de empresas ou instituições afetadas por epidemias de suicídio. No entanto, são considerados responsáveis, pelo menos moralmente, pelas más condições de trabalho que levaram alguns a cometer suicídio. “Ficarei marcado para sempre”, disse o antigo chefe da empresa France Telecom, Didier Lombard, soluçando ao ouvir os testemunhos de partes civis no julgamento de recurso da empresa na semana passada por assédio moral, após 19 suicídios e 12 tentativas de suicídio. O seu braço direito Louis-Pierre Wénès “sempre considerou que não havia mal-estar generalizado na empresa, mas sim, sem dúvida, situações individuais delicadas”. Esta é a questão. Trata-se de um fenômeno sistêmico ou de um caso isolado?

Algumas pessoas gostariam de fazer com que a Igreja parecesse uma zona sem lei, uma espécie de território perdido da República. A controvérsia é um mau conselheiro. O que é evidente é que o sofrimento no trabalho é um tabu. Aprendemos que a Igreja está no mundo mas não é do mundo. Este adágio, se mal interpretado, pode levar os homens com cargos de responsabilidade a não prestarem contas a ninguém. As guerras do ego não encontram assim uma forma de se abrir e resolver. Tanto mais que as relações entre as pessoas consagradas são difíceis de compreender. O conceito de obediência parece nebuloso. Um bispo não tem autoridade civil sobre o seu padre, o que coloca a questão do abuso de poder em perspectiva.

Três lições

Uma primeira lição desta tragédia seria, de acordo com uma fórmula já difundida, permitir que o sofrimento seja exprimido. Nicolas Jourdier, um diretor de empresa, acaba de criar o grupo Saint-Michel-Saint-François no Facebook. Amigo muito próximo do padre François de Foucauld, ele pretende trabalhar para libertar as palavras de clérigos, leigos e voluntários que não encontram ninguém com quem falar. Em 24 horas, quase 450 pessoas já se apresentaram, para sua surpresa, com a benevolência de dois arcebispos. A segunda lição seria respeitar os procedimentos de auditoria interna decididos nas dioceses para resolver conflitos entre pessoas, tais como o que foi lançado em Versalhes. Recordemos as condições: independência, uma vez que o auditor não deve estar envolvido nas operações analisadas ou nas partes envolvidas. Integridade – o que significa verificação cruzada de fontes para melhor determinar a verdade. Objetividade, o que significa confrontar as conclusões com os responsáveis pelas operações a serem auditadas. Se houver uma discrepância entre a análise do auditor e o ponto de vista do auditado, ambos são citados, para evitar qualquer risco de uma “auditoria de acusação”.

Uma terceira lição, provavelmente a mais importante, seria a de educar os leigos, que são demasiado rápidos para “acreditar” em tudo que se comenta. Algumas pessoas querem brilhar na sua própria luz, como se o Concílio Vaticano II lhes oferecesse um passe para o excesso de zelo. Será que o padre François de Foucauld teria encontrado no mesmo estado psíquico que o professor que está sujeito a uma trama de pais e cujo diretor o deixa cair? Normalmente, na escola, aqueles que denunciam são repreendidos. Isso acontece na Igreja? Afinal, se todos ficassem no seu lugar, a sociedade ficaria “melhor”. O desrespeito em todos os níveis também não poupa as paróquias. Nesta história, como em tantas outras, coloca-se a questão da devida compreensão da autoridade.

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