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Por que é importante ser culto?

Maestro dirigindo orquestra sinfônica com artistas no fundo, mãos close-up.

Stokkete | Shutterstock

Alexandre Ribeiro - publicado em 26/07/22

Uma breve reflexão sobre como a música pode trazer um pouco de beleza para o seu dia

Na semana passada eu presenciei algo surpreende. Um amigo que eu não via há muitos anos veio nos visitar, e eu, por acaso, estava ouvindo música clássica. Na verdade, eu tinha colocado uma playlist sugerida pelo aplicativo, dessas que supostamente acalmam as crianças. 

Assim que entrou em casa, meu amigo virou para mim e disse: “ah, vocês estão ouvindo a Sinfonia n. 3 do Beethoven, a Eroica”, e abriu um largo sorriso. “É maravilhosa”, ele completou.

Eu rapidamente puxei meu smartphone, como quem fosse checar a hora, e já na tela pude conferir que realmente estávamos ouvindo a Sinfonia n. 3 de Beethoven, a Eroica.

Naquela altura, já estava surpreso com a erudição do meu amigo. Pois ele não é músico nem nada parecido. Na verdade, ele trabalha com tecnologia da informação.

Culto

Mas o mais surpreendente ainda estava por vir.

Um tanto sem jeito, ele prosseguiu: “Se não me engano, essa gravação é a do Leonard Bernstein, com a Filarmônica de Nova York, de 1964”.

O quê? Não era possível. Meu amigo não só identificara a sinfonia que estava tocando, como também a gravação, o maestro, a orquestra… enfim, tudo! Simplesmente não era possível.

Puxei o smartphone pela segunda vez, sem tentar disfarçar coisa nenhuma. Agora tínhamos ido longe demais. Abri o aplicativo de streaming, acessei a música que estava tocando, cliquei para abrir o álbum, fui até as informações específicas.

Estava lá: “Este disco é parte da série contínua de atuações editadas pela Sony nos anos em que o maestro Leonard Bernstein esteve à frente da Filarmônica de Nova Iorque. O grandioso poder de comunicação de Bernstein como maestro e professor permeia esta apresentação da Sinfonia n. 3, a Eroica, gravada em 1964″.

Não restava nenhuma dúvida. O meu amigo era uma pessoa culta. Sim, um verdadeiro erudito. 

Como?

Imediatamente, expressei-lhe a minha admiração e o parabenizei. Para mim, era notável que alguém comum, ou seja, que não é músico nem trabalha com música, soubesse tanto.

Em seguida, perguntei-lhe como ele havia alcançado tal erudição, ou seja, como se tornara uma pessoa culta.

Na verdade – ele me disse –, “você sabe que eu fico muitas horas na frente do computador, então acabei desenvolvendo o hábito de ouvir música clássica”.

Tudo bem – eu lhe disse –, “mas entre ouvir música clássica e saber todos esses detalhes que você sabe tem uma grande diferença”.

Então ele prosseguiu: “é que, quando eu gosto de uma sinfonia, eu pesquiso para saber qual é a melhor gravação, pois tem umas que são muito antigas e vêm cheias de ruído. Mas sempre tem alguma excelente. E essa que você está ouvindo é uma delas”.

De fato, ele se animou e prosseguiu: “E tem alguns outros detalhes também, que são sempre muito curiosos. Você pode comparar essa gravação com a do Karajan ou a do Barbirolli, por exemplo, e verá que ela tem uma energia diferente”.

“Tudo bem, tudo bem” – eu lhe disse –, “já entendi”.

Meu amigo era realmente uma pessoa culta.

Por quê?

Então, criei mais um pouco de coragem e lhe fiz uma última pergunta: “E para que serve saber tudo isso?”

“Bom, na verdade, servir mesmo não serve para nada. Mas acaba sendo muito bonito, você não acha?” – ele me respondeu, com uma simplicidade cristalina. 

E prosseguiu com uma sutil provocação: “afinal, em meio a tantos problemas que estamos vivendo, ouvir uma boa música acaba sendo uma forma de resistência”.

“Mas resistência a quê?” – eu ainda lhe perguntei, um tanto atônito.

“Uma resistência à feiura, oras.”

Desde então, há alguns dias, eu venho ouvindo a Eroica do Bernstein. E cada vez que a escuto, algo novo muda no meu olhar sobre o mundo.

E já começo a desconfiar que o mundo esteja de fato ficando um pouco mais bonito. Na verdade, talvez não seja isso. O mundo permanece o mesmo. Mas algo no meu equipamento de sobrevivência melhorou.

Nos últimos dias, sempre que começo as minhas atividades, eu abro o aplicativo e busco entre os favoritos a Eroica do Bernstein. Clico para iniciar a reprodução. Então, como em um movimento da natureza, um exército de músicos ergue seus arcos e metais. O maestro se apruma. E começa a resistência.

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