Repercutiram mundialmente nesta semana os reiterados pedidos de desculpas apresentados pessoalmente pelo Papa Francisco às populações nativas do Canadá, em nome da Igreja Católica, pelas "formas em que muitos cristãos, infelizmente, apoiaram a mentalidade colonizadora das potências que oprimiram os povos indígenas". Estas palavras foram do próprio Papa Francisco.
Em 2021, uma grande farsa sobre supostas "fossas comuns", supostos "restos mortais" e supostas "crianças assassinadas em internatos católicos para indígenas" havia dado a volta ao mundo até ser desmascarada, em janeiro de 2022, pelas pesquisas do historiador Jacques Rouillard, professor emérito na Faculdade de História da Universidade de Montreal.
Saiba mais sobre a farsa no seguinte artigo:
Se, portanto, a história das valas comuns e seus apêndices narrativos não passava de uma grande farsa, por que o Papa Francisco está agora pedindo desculpas no Canadá?
A responsabilidade de membros da Igreja
O pedido de perdão do Papa não se refere às inexistentes “valas comuns” nem às fantasiosas “centenas de crianças assassinadas”, já que nada disso é verdade.
O pedido de perdão se refere à parte que cabe a membros da Igreja Católica na responsabilidade pela má gestão de internatos para crianças indígenas, bem como pelos abusos cometidos contra os povos nativos durante o processo de colonização desses territórios.
E a responsabilidade dos outros envolvidos?
Deveria ser de honestidade intelectual básica observar que o Papa se refere, corretamente, à parte que cabe a membros da Igreja - e não à totalidade do cenário de erros, omissões, abusos e até crimes que foram perpetrados nos casos em questão, uma vez que, para começo de conversa, o próprio governo canadense era o primeiro e principal responsável por todos os internatos e por todas as políticas de suposta "integração cultural" que culminaram nos abusos agora execrados.
Cabe então questionar: por que somente o Papa está pedindo desculpas?
O governo canadense tem muito de que pedir perdão - não somente no tocante aos seus crimes durante a colonização, mas também a respeito da sua própria leviandade durante a campanha de acusações falsas contra a Igreja Católica em 2021. À época das alegadas “descobertas” relativas aos internatos, o primeiro-ministro Justin Trudeau declarou categoricamente que “restos mortais foram achados na antiga escola residencial Kamloops”, o que é uma patente mentira. Ele acrescentou, hipocritamente, que tal "achado", embora inexistente, “partia o seu coração”, porque, segundo ele, “é uma dolorosa lembrança daquele capítulo escuro e vergonhoso da história do nosso país”.
Os jornalistas tendenciosos que optaram pela narrativa não verificada em vez de priorizarem a investigação responsável daquilo que "noticiavam" também têm a sua parcela de perdão a ser rogado. Mas estão em silêncio.
Os alegados "investigadores" que pressupuseram grosseirissimamente que anomalias do solo eram "crianças mortas" também devem a milhões de pessoas um sério pedido de desculpas. Mas também estão em silêncio.
E, a propósito dos "capítulos escuros e vergonhosos" que o primeiro-ministro canadense diz lamentar na história do país, não deveria ser omitida a parcela de crimes de nenhuma das partes envolvidas: nem das potências colonizadoras, nem do governo do Canadá, nem de membros da Igreja, nem dos próprios indígenas.
Mártires cristãos nas mãos de povos indígenas do Canadá
Em outra célebre visita pontifícia ao Canadá, essa protagonizada em setembro de 1984 pelo Papa São João Paulo II, a liturgia da palavra celebrada com os povos indígenas no Santuário dos Mártires, com 75 mil pessoas presentes, recordou o brutal martírio de padres jesuítas franceses assassinados no país entre 1642 e 1649. Trata-se dos padres missionários mártires Jean de Brébeuf, Isaac Jogues, Gabriel Lalemant, Antoine Daniel, Charles Garnier e Noël Chabanel, além dos irmãos leigos René Goupil e Jean de la Lande.
São Jean de Brébeuf, por exemplo, se dedicou à catequese e à formação dos huronianos. O estilo desse trabalho recorda o que era feito no Brasil colonial com as reduções jesuíticas, nas quais os missionários contribuíam imensamente para o progresso e a qualidade de vida de povos indígenas, particularmente no Sul do país. Os padres interagiam com os nativos e aprendiam a sua língua a tal ponto que chegaram a compor gramáticas de referência - no caso brasileiro, o legado dos jesuítas na codificação do tupi antigo é reconhecido até hoje como essencial. Não era diferente no Canadá: São Jean de Brébeuf chegou a compor, em 1642, a canção de Natal mais antiga da história do Canadá - e não era em francês, mas no idioma huroniano.
O esforço do missionário por aprender e respeitar as línguas nativas lhe permitiu conhecer melhor a cultura e a espiritualidade dos povos originários do Canadá. Graças à ótima relação que estabeleceu com os huronianos, vários deles começaram a abraçar o cristianismo. Não houve conversões forçadas, tanto que o processo começou lentíssimo. Em 1635 ele conseguiu batizar os primeiros huronianos, batizando mais algumas dezenas ao longo do ano seguinte. Passaram-se mais de dez anos até que, em 1647, as conversões dos huronianos à fé católica passaram a contar-se aos milhares.
Foi uma tribo rival que se encarregou de ensanguentar esse "capítulo escuro" da história do Canadá. Os iroqueses destruíram a Missão Saint-Louis, capturaram o pe. Jean e o pe. Gabriel Laleman e torturaram não só os missionários, mas também os nativos que tinham se convertido.
Antes de assassinar São Jean de Brébeuf, os iroqueses derramaram água fervente em sua cabeça para zombar do batismo, além de lhe imporem outras torturas. Depois de matá-lo, beberam seu sangue porque, ao fazê-lo, esperavam "herdar" a bravura com que o sacerdote mártir tinha enfrentado as suas torturas.
Outra tribo, a dos mohawk, martirizou os padres Antoine Daniel, Carlos Garnier e Noël Chabanel, entre 1642 e 1646, na cidade de Ossernenon.
Os mártires do Canadá foram canonizados pelo Papa Pio XI em 1930 e sua festa litúrgica é celebrada em 19 de outubro. Todos eles foram assassinados única e exclusivamente por causa da fé.