Há quem cite o termo “primogênito” (Lc 2,7), como se Jesus fosse o primeiro de outros filhos de Maria e José. Como entender, pois, “primogênito” na Bíblia?
Respondemos: em Lc 2,7 se lê: “e ela [Maria – nota nossa] deu à luz seu filho primogênito, envolveu-o com faixas e reclinou-o numa manjedoura, porque não havia um lugar para eles na sala”. Diz, então, a nota a da Bíblia de Jerusalém que estamos seguindo: “No grego bíblico, o termo [primogênito – nota nossa] não implica necessariamente a existência de irmãos mais novos, mas sublinha a dignidade e os direitos da criança”.
Mais: a palavra bekor (= primogênito), no hebraico, podia designar somente o “bem-amado” ou aquele filho no qual, durante certo tempo, os pais concentram todo o seu amor sem, com isso, afirmar que aquele mesmo casal teve outros filhos. Também o primogênito devia ser, desde os primeiros dias, consagrado ao Senhor de um modo especial (cf. Lc 2,22; Ex 13,2; 34,19). Ainda: a própria Bíblia tem como sinônimo os termos primogênito e unigênito ou “filho único”, como se vê em Zc 12,10-11: “Derramarei sobre a casa de Davi e sobre todo habitante de Jerusalém um espírito de graça e de súplica, e eles olharão para mim a respeito daquele que eles traspassaram, eles o lamentarão como se fosse a lamentação por um filho único; eles o chorarão como se chora sobre o primogênito”.
Fora das terras de Israel também era chamado de “primogênito” o menino que não tinha irmão ou irmã mais novos. Isso nos é confirmado por uma inscrição datada do ano 5 a.C., em Tell-el-Yedouhieh (Egito), descoberta em 1922, na qual se lê que Arsinoé, uma jovem mulher, morreu “nas dores do parto do seu filho primogênito”.
Ora, isso quer dizer que primogênito é o filho antes do qual não houve outro, mas não deseja, de modo algum, afirmar que depois dele nasceu outro. Afinal, se a mulher morreu nas dores do parto, como ela poderia ter tido, depois de morta, outros filhos?
Eis como se entende o termo “primogênito” na Bíblia.
Os contestadores da virgindade perpétua de Nossa Senhora se valem também da passagem que traz a expressão “até que...” (Mt 1,25), pois ela dá a seguinte impressão: “até que” Jesus nasceu, José e Maria não tiveram relações conjugais, mas depois do seu nascimento sim. Pois bem, em Mt 1,25, lemos que José “não a conheceu [Maria – nota nossa] até o dia em que ela deu à luz um filho. E ele o chamou com o nome de Jesus”.
Ora, conhecer, no sentido bíblico dessa passagem, significa ter relações conjugais. Daí alguns interpretam, contra a Tradição da Igreja, que, depois do nascimento do Senhor Jesus, Maria e José tiveram outros filhos.
Em resposta, notamos que a expressão “até que” corresponde ao grego heos hou e ao hebraico ad ki, termo que designa apenas o que aconteceu (ou não aconteceu), no passado, sem se preocupar com o que acontecerá no futuro. Assim, em Gn 8,7, vemos que o corvo solto por Noé, após o dilúvio, não voltou à arca “até que as águas secassem”. Ora, isso não significa que, o corvo tenha voltado após o dilúvio. Ver ainda: Sl 110,1; 2Sm 6,23; Gn 28,15 e Mt 28,20.
Na linguagem do dia a dia, também usamos a mesma expressão bíblica, talvez, sem nos darmos conta, quando dizemos, por exemplo, que “João morreu antes de terminar sua nova casa” ou que “Joaquina se casou, mas faleceu antes de ter filhos” etc. Ora, ninguém entende a expressão “antes que” como referente ao futuro, mas tão somente ao passado; caso contrário, precisar-se-ia dizer: “João morreu antes de terminar a casa, mas, depois da morte, voltou concluí-la” ou “Joaquina se casou, mas faleceu antes de ter filhos, por isso os teve depois do falecimento”, o que é absurdo.
Propõe-se, portanto, para Mt 1,25 a seguinte tradução: “Sem que ele (José) tivesse tido relações com Maria, ela deu à luz um filho...” (cf. Diálogo Ecumênico, p. 93-94).
Eis como explicar passagens bíblicas aparentemente controversas que poderiam depor contra a virgindade perpétua de Nossa Senhora.