Conheci recentemente um programa de promoção humana e enfrentamento à pobreza que me chamou a atenção não só pela eficiência e alcance mundial (conta com 400 organizações parceiras, distribuídas em 50 países, que vão dos ricos Estados Unidos e Canadá até os pobres Mali e Nigéria), mas também por sua evidente afinidade com a doutrina social da Igreja. Chama-se “Semáforo de Eliminação da Pobreza” e foi criado pela Fundação Paraguaya, uma organização originada, como o nome já diz, no Paraguai.
O programa chama-se “semáforo” porque utiliza uma metodologia de fácil execução, na qual as famílias avaliam 50 indicadores de sua vida usando as três cores do semáforo (vermelho, para a situação mais crítica, amarelo e verde). Feita a avaliação, são identificados objetivos que as famílias podem buscar alcançar, naquelas dimensões em que se sentem mais fragilizadas, e estratégias de apoio que podem ser adotadas por empresas, associações e governos para apoiar essas famílias na consecução desses objetivos.
A ampla difusão do programa é um atestado indireto de sua eficácia, mas gostaria de sublinhar alguns aspectos da doutrina social da Igreja que ficam evidenciados por uma proposta como essa. Talvez não tenhamos condições ou interesse de aderir a esse programa, mas não podemos deixar de considerar esses aspectos listados a seguir em qualquer situação que nos defrontemos com os desafios da promoção humana.
1. A promoção humana é um processo integral e que deve ser escolhido pela pessoa e não imposto a ela
A doutrina social da Igreja consagrou a expressão da Populorum progressio (PP 14, 42) “todos os homens e o homem todo”, para caracterizar o desenvolvimento humano como processo integral. Os 50 indicadores estão agrupados em seis dimensões (renda e emprego; saúde e meio ambiente; habitação e infraestrutura; educação e cultura; organização e participação; interioridade e motivação) que permitem uma visão integral da situação das famílias. Programas de promoção muitas vezes se focam numa única dimensão (renda, educação, habitação, etc.) e com isso tem uma eficiência menor do que aquela que se pode alcançar com uma visão integral.
As dimensões podem parecer divididas em nossos modelos conceituais, mas estão sempre integradas na realidade. Melhorar a educação é importante, mas será muito mais eficiente se o jovem encontrar emprego adequado depois de completar seus estudos. Se existem problemas de infraestrutura urbana que afetam a saúde e a habitação das pessoas, a sua participação política será fundamental para que o poder público cumpra com suas obrigações. A interioridade e a motivação vão ser fundamentais em qualquer esforço que a família faça para alcançar seus objetivos.
Além disso, quando uma visão integral da realidade é apresentada, as pessoas podem escolher quais desafios desejam enfrentar primeiro, segundo suas prioridades e suas aptidões – desafios que podem não ser aqueles que o poder público ou as organizações sociais espontaneamente priorizariam.
2. A responsabilidade pessoal deve ser acionada num processo de promoção humana
A pessoa humana é protagonista de sua vida (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, CDSI 105-107), o que implica em liberdade, responsabilidade e motivação. É verdade que a pobreza é um problema estrutural das sociedades e que as pessoas, com raras exceções, são mais vítimas do que artífices de sua pobreza. Contudo, sem esforço e motivação, uma pessoa dificilmente conseguirá superar os obstáculos a seu desenvolvimento – e quanto maiores os obstáculos, mais esforço e motivação serão necessários. Por isso, uma consideração apenas estrutural, por mais correta que seja, não é eficiente num programa de promoção humana.
A motivação sempre se origina na vida interior da pessoa. Não se trata de querer que as pessoas tenham a nossa fé ou mesmo uma religião – ainda que tenhamos de reconhecer que, quando se trata de interioridade, ninguém tem a expertise acumulada ao longo dos séculos pelas grandes religiões. Os indicadores tomados no programa são bastante pragmáticos, associados á autoconfiança, ao empreendedorismo e ao equilíbrio afetivo-emocional, mas permitem que o sujeito tome consciência de sua responsabilidade pessoal e se motive para vencer os desafios que tem a frente.
3. A família é a primeira, mais fundamental e eficiente agente da promoção humana
A proposta do “Semáforo de eliminação a Pobreza” avalia e compromete a família e não apenas o indivíduo. Isso é fundamental tanto por razões existências e afetivas quanto por aspectos operacionais. Não à toa, a doutrina social da Igreja considera a família como “célula vital da sociedade” (cf. CDSI 209ss).
Do ponto de vista existencial e afetivo, é na família que a pessoa toma consciência de si mesmo, descobre quem é, exercita seus primeiros relacionamentos com os demais. Por outro lado, os mais fortes vínculos afetivos e espirituais se consolidam na constituição de uma família. Em nenhuma outra dimensão da existência o ser humano faz um investimento afetivo tão grande quanto na família. Naturalmente, é nela que iremos encontrar as motivações e as recompensas pelo esforço realizado na superação dos desafios que o mundo nos impõe.
Por outro lado, tanto pela força quanto pela efetividade e permanência de seus vínculos, a família é o apoio mais próximo e concreto com o qual cada pessoa conta para vencer os desafios da vida. Desde educar uma criança até cuidar de um ancião moribundo, toda a atividade de cuidado ou de promoção da pessoa será realizada com mais facilidade dentro de uma família do que fora dela.
4. Uma proposta de solidariedade e subsidiariedade
Bento XVI, na Caritas in veritate, lembra que “a subsidiariedade sem a solidariedade decai no particularismo social, a solidariedade sem a subsidiariedade decai no assistencialismo que humilha o sujeito necessitado” (CV 58). A importância da solidariedade na promoção humana é evidente e está naturalmente implicada no programa do “Semáforo”, na medida que empresas, associações e governos se organizam para dar o apoio necessário às famílias.
O conceito de subsidiariedade é menos conhecido e não tão intuitivo. Propõem justamente que as instâncias com mais poder e recursos devem subsidiar (isso é, ajudar) e não dirigir a promoção humana e o desenvolvimento tanto das pessoas quanto dos grupos sociais. Por tudo o que foi dito acima, fica claro, portanto, que o “Semáforo de Eliminação da Pobreza” é tanto solidário quanto subsidiário.
No Brasil
Entre nós, o “Semáforo” já está sendo aplicado no sul do Brasil (com o nome de Programa “Despertar”) pelo Banco da Família, e agora passará também a ser desenvolvido pelo Instituto Polaris (com o nome de Programa “Empresa sem pobreza”) no Sudeste do Brasil.