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Após promessa de churrasco, argentinos vasculham lixões para sobreviver

ARGENTINA

Marko Vombergar | Aleteia

Francisco Vêneto - publicado em 25/10/22

A inflação anual se aproxima de 100% enquanto o consumo de carne bovina é o menor em 101 anos na Argentina

Apesar de promessas eleitoreiras de churrasco acessível para todos, o que de fato vem aumentando na Argentina é o número de cidadãos que vasculham lixões para sobreviver.

Churrasco à vista

O ano é 2019: a campanha de Alberto Fernández, então candidato à presidência da Argentina, recorre ao churrasco para prometer que “tudo vai melhorar”. Um vídeo da campanha traz um ator olhando entristecido para uma churrasqueira empoeirada, dentro da qual se veem folhas de árvore e latas de tinta. Um narrador dramatiza:

“Olha, a gente tem milhares de problemas, todo dia, mas chegava o final de semana e alguém dizia: ‘Opa, que tal um churrasco?’. Na verdade, começar a perder essas coisas… E não estou falando de comida. Fazer churrasco era mais que isso, era convidar as pessoas à sua casa, receber os amigos, rir um pouco. Estamos trabalhando para quê se não for para isso? O bom é que daqui a pouco tudo isso vai melhorar. Há esperança!”

E eis que aparecem no vídeo, estrategicamente associados à “esperança”, os nomes de Alberto Fernández e Cristina Kirchner.

Churrasco em queda

O ano é 2022: um relatório da Bolsa de Comércio de Rosário (BCR) aponta que o consumo de carne bovina em 2021 na Argentina foi de 47,8 quilos por habitante, o menor desde 1920, ou seja, dos últimos 101 anos.

Não é que seja pouco em termos absolutos: ainda é o maior consumo per capita do mundo. Esta curiosa contradição acontece porque, diferentemente de países ricos como os Estados Unidos, o Japão e a maior parte da Europa Ocidental, os argentinos tradicionalmente não consomem muito peixe, frango e carne suína. O churrasco argentino é questão de orgulho nacional e comer carne bovina é um hábito cultural profundamente arraigado.

Por isso mesmo, ver este hábito ameaçado aciona uma luz vermelha particularmente alarmante para a população local, que já foi uma das dez mais ricas do planeta e agora exporta emigrantes em ritmo crescente.

De fato, mesmo durante crises anteriores – e elas têm sido contínuas -, a demanda por carne bovina entre os argentinos sempre havia mantido baixa elasticidade em relação às oscilações na renda. Ou seja, a população reduzia muito pouco o seu consumo de carne quando a renda caía, preferindo reduzir outros itens, como lácteos. No entanto, esse malabarismo com a renda para preservar o hábito da carne não está mais sendo viável nos últimos anos e, de acordo com o relatório do BCR, o consumo de carne bovina está caindo junto com o poder real de compra dos argentinos.

E a queda é acentuada. Em 2000, o consumo médio de carne bovina era de 64,9 quilos por argentino, com o boi representando 65% do total de tipos de carne consumidos no país. O frango vinha num distantíssimo segundo lugar, com 27%. Em 2022, o consumo per capita de carne bovina caiu para 47,8 quilos, com o boi representando agora 44% dos tipos de carne consumidos, “tecnicamente empatado” com o frango, que subiu de 27% para 41%.

Na tendência contrária, o Brasil tem subido na lista de países que mais consomem carne bovina no mundo, ocupando o 3º lugar, logo abaixo dos Estados Unidos. O levantamento é da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

100% de inflação

A crise do churrasco argentino com a queda do consumo de carne para o menor patamar dos últimos 101 anos no país não é o único número a bater a barreira da centena.

Mais sombrio ainda é o cenário da inflação na Argentina: neste ano, o acumulado do aumento de preços se aproxima de 100% – e uma pesquisa de analistas publicada pelo próprio Banco Central do país, no começo deste mês, estimou que fechará 2022 com 100,3%, um salto de 5,3 pontos percentuais em relação à estimativa anterior.

Este cenário de empobrecimento acelerado está levando cada vez mais argentinos a revirar lixões em busca de papelão, plástico e metal para vender.

É o caso de Sergio Omar, de 41 anos, que, segundo o portal Infomoney, passa 12 horas por dia vasculhando um aterro sanitário em Luján, a 65 quilômetros de Buenos Aires. Ele tem 5 filhos e afirma que o custo dos alimentos subiu tanto que não consegue mais alimentar a família.

“A minha renda não é mais suficiente. O dobro de pessoas está vindo aqui [ao lixão], porque a crise está muito grande”

36% da população na pobreza e 8,8% na pobreza extrema

Embora o Banco Central argentino tenha elevado a taxa de juros para 75%, e com perspectiva de mais altas, a inflação continua descontrolada. Juntamente com estes números assustadores, a taxa de pobreza no primeiro semestre de 2022 superou 36% da população da Argentina, com a pobreza extrema subindo para 8,8%, o que representa 2,6 milhões de pessoas.

Em 2001, durante uma das (até então) piores crises econômicas da Argentina, o país vivenciou um “boom” dos clubes de escambo, aos quais os moradores recorriam, por exemplo, para trocar roupas velhas por bens como pacotes de macarrão ou farinha. O fenômeno do escambo volta agora a ganhar força. Diante de um deles, o Luján Barter Club, há pessoas começando a fazer fila duas horas antes da abertura. Sua criadora, Sandra Contreras, resumiu a situação:

“As pessoas chegam muito desesperadas. Seus salários não são suficientes. As coisas estão piorando a cada dia”.

“Não sai churrasco”

Enquanto isso, o vídeo da campanha de 2019 que prometia churrasco argentino para todos virou motivo de indignação e piadas sarcásticas no país. Ainda em fevereiro deste ano, o apresentador Eduardo Feinmann, do canal LN+, recordou a promessa eleitoreira logo após o analista econômico Willy Laborda informar que o preço do churrasco já tinha subido mais de 200% desde o início da administração Fernández.

“Coitado daquele cara! Ele ainda tem as mesmas latas e as mesmas folhas dentro da churrasqueira. E não sai churrasco”.

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