Ensinou-se, desde o século XI, que as crianças mortas sem Batismo não eram merecedoras do céu nem do inferno, mas, sim, do limbo das crianças (assim chamado, a partir do século XIII, para distinguir do limbo dos pais, estado transitório no qual todos justos do Antigo Testamento aguardavam a redenção de Cristo). Essa sentença – que é teológica, mas não de fé – tem sido repensada nos nossos dias. Detalhemos a temática.
Deus criou o homem e a mulher e elevou-os à condição sobrenatural de filhos com os dons que acompanhavam tal condição: a imortalidade, a impassibilidade, a integridade e a ciência moral infusa (cf. Gn 1,27-31; 2,4-25). Entretanto, com o pecado original originante, o primeiro casal perdeu a filiação divina e os dons que a acompanhavam (cf. Gn 3,1-24). Deus, porém, não se deixou vencer pelo mal; prometeu que a descendência da mulher (Cristo) esmagaria a cabeça da serpente, símbolo do mal (cf. Gn 3,15). Diante dessa ocorrência, todos os seres humanos nascemos com o pecado original originado. Ele não é uma culpa pessoal, mas a carência da graça santificante e dos dons dela decorrentes. Somos, sem culpa alguma – por solidariedade –, herdeiros da desgraça dos primeiros pais. A princípio, parece difícil entender isso, mas este exemplo nos ajuda: “Imaginemos um pai de família que numa noite perde todos os seus bens numa jogatina de cassino; os filhos desse homem não têm culpa, mas hão de carregar as consequências (miséria, fome...) decorrentes do desatino de seu pai” (Dom Estêvão T. Bettencourt, OSB. Curso de Antropologia Teológica. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2017, p. 367). Contudo, pelo Batismo, somos elevados à dignidade de filhos adotivos (a de Nosso Senhor é física) de Deus (cf. Jo 3,5; Mt 28,19-20). Daí a diligência da Igreja para que os recém-nascidos sejam batizados sem demora (cf. Catecismo da Igreja Católica n. 1257).
Grande amor aos pequeninos
Certos dessa doutrina de fé, vem a questão: e as crianças mortas sem o Batismo que destino têm no além? – A resposta a esta pergunta variou ao longo do tempo. Santo Agostinho de Hipona († 430), influenciado por problemas teológicos de seu tempo, dizia que essas crianças – falecidas sem a graça santificante dada pelo Batismo – iam para o inferno (cf. Sermão 14,3; De peccatorum meritis 1,28) e lá sofriam penas muito suaves. A partir do século XI, passa-se a ensinar que as crianças mortas sem o Batismo não estariam condenadas, mas também não poderiam gozar da bem-aventurança celeste. Estariam no limbo (orla) das crianças, nome dado, no século XIII, ao estado definitivo desses pequeninos privados da graça batismal. Teriam aí uma felicidade natural e, nessa condição, veriam a Deus apenas com as forças humanas, sem o auxílio da graça divina que não receberam. Ora, desconhecendo a elevação sobrenatural, só poderiam se sentir muito venturosas nesse estado de felicidade meramente natural. Na ressurreição final, a alma de cada criança se uniria novamente ao corpo e este gozaria para sempre do mesmo destino da alma: o limbo (cf. Dom Estêvão Bettencourt, OSB. Curso de Novíssimos ou Escatologia. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 1993, p. 79-81).
O que foi exposto no parágrafo anterior é uma sentença comum entre os teólogos, mas a Igreja – ainda que algumas vezes provocada – nunca a definiu como doutrina de fé (cf. Bettencourt, Op. cit., p. 82 e 86). Daí, hoje, teólogos pensarem diferente a respeito das crianças mortas sem Batismo. Sim, se somos solidários com o primeiro Adão, o pecador, o somos também – e muito mais – com o segundo Adão, que é Cristo, o Redentor (cf. Rm 5,12-21). Disso decorre, por lógica, que Nosso Senhor, autor do Batismo, não está preso a esse sacramento apenas no que toca ao destino eterno das crianças mortas sem recebê-lo. O Senhor – em seu amplo plano de salvação (cf. 1Tm 2,4) e grande amor aos pequeninos (cf. Mt 18,14) – tem, por Seus méritos, os meios ocultos necessários para salvar essas criancinhas a Ele confiadas pela oração universal da Igreja (cf. Catecismo da Igreja Católica n. 1261; Comissão Teológica Internacional. A esperança da salvação para as crianças que morrem sem Batismo. São Paulo: Paulinas, 2008). Frise-se, no entanto, que este é um parecer teológico, não doutrina de fé; logo, não isenta ninguém da grande responsabilidade de levar, o quanto antes, os recém-nascidos às águas do Batismo.
Eis o que, de momento, podemos dizer sobre essa discutida sentença teológica.