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A perseguição aos cristãos e o amor

liberdade
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Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 04/12/22
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O cancelamento cultural (“perseguição educada”, nas palavras do Papa Francisco) ao qual os cristãos de hoje frequentemente estão sujeitos, nas democracias ocidentais, nos revolta e escandaliza

Perseguidos, mas não esquecidos: o título da série de relatórios bianuais produzidos pela Ajuda à Igreja que Sofre (ACN), reportando a perseguição aos cristãos no mundo não poderia ser mais adequado. Desde sempre os cristãos estão sendo perseguidos em algum lugar do mundo, mas a estabilidade e a relativa segurança que o cristianismo desfruta nas democracias ocidentais frequentemente nos faz esquecer dessa dura realidade de nossos irmãos cristãos que vivem em países onde são minoria. Mas não podemos nos esquecer deles...

Todos nós, cristãos, no horizonte místico da comunhão dos santos, somos devedores de nossos irmãos que viveram e vivem o martírio. Qual país teria conhecido a Cristo sem a dedicação dos missionários? Pois não existe missão sem histórias de martírio. Ainda hoje, os sacrifícios dos mártires nos ajudam – de forma tão invisível quanto a da oração – a manter nossa fé e nos encontrarmos com Cristo. O mártir, em sua entrega, se torna particularmente semelhante a Cristo e, com Ele, se torna instrumento privilegiado para a salvação do mundo. Não se esquecer de nossos irmãos que sofrem perseguição é gesto de gratidão, mas também exercício para o fortalecimento de nossa fé, caminho para nos descobrirmos mais mergulhados na comunhão dos santos.

Certa vez, perguntaram ao já idoso Dom Estanislao Karlic, bispo e teólogo argentino, o que pensava da possibilidade de grandes nações atuais, cada vez mais ateias, serem “recristianizadas”. Ele respondeu que já havia pensado nessa hipótese, e essa ideia fazia com que se entristecesse e rezasse. Ficava triste, dizia ele, porque nenhuma nação se converteria sem o testemunho de mártires, e ele sofria ao pensar em todos esses cristãos que ainda deveriam sofrer para que o mundo se convertesse. Os católicos há muito descobriram que a verdadeira conversão não é fruto do poder ou das estratégias de convencimento, mas da ação misteriosa de Deus, que toca os corações... E o martírio revela uma abundância de vida e de amor, capaz de superar o sofrimento e a morte – uma força, ainda maior e mais verdadeira que a do poder humano, que toca o coração de quem se depara com tal testemunho.

A perseguição física e a “perseguição educada”

Quando lemos o relatório Perseguidos, mas não esquecidos recém-lançado pela ACN nos damos conta de quão pequenas são nossas dificuldades para praticar os preceitos de nossa fé. De fato é muito ruim não poder ir à missa ou encontrar nossos amigos e partilhar em comunidade nossa fé por conta de uma pandemia, como aconteceu no auge da pandemia de Covid. Mas percebemos que é muito pouco diante da possibilidade de ter sua família metralhada em meio de uma celebração litúrgica, ter sua filha raptada para ser forçada a se casar com um homem de outra religião ou precisar fugir de sua casa, deixando todos os seus bens e história para trás.

O cancelamento cultural (“perseguição educada”, nas palavras do Papa Francisco) ao qual os cristãos de hoje frequentemente estão sujeitos, nas democracias ocidentais, nos revolta e escandaliza. Mas sem dúvida ainda é pouco comparado com a perseguição física, que pode chegar até à morte, experimentada por nossos irmãos em vários países do mundo. Não se trata de minimizar o que sofremos, mas apenas de dar aos problemas sua verdadeira dimensão – e reconhecer os méritos de uma história que pode ter muitos erros, mas transmitiu a nossos povos a noção de respeito à integridade física e à liberdade de cada cidadão. Aliás, minorias religiosas muitas vezes são vítimas de intolerância e perseguição religiosa entre nós, e também nos cabe lutar para que seus praticantes tenham os mesmos direitos que temos.

Um cuidado necessário

O Relatório da ACN mostra que as maiores ameaças aos cristãos no mundo atual vêm de grupos extremistas islâmicos e das ditaduras comunistas que ainda restam no mundo. Geograficamente, a Ásia e a África são os dois continentes onde os cristãos são mais ameaçados. Esses dados levam a algumas conclusões, mas, ao mesmo tempo, implicam em alguns cuidados.

Sem dúvida, o extremismo islâmico e o autoritarismo comunista devem ser combatidos no mundo todo, se queremos sociedades mais livres e direitos humanos mais respeitados. Contudo, um perigo sempre presente é aquele de, ao combater um adversário, usarmos as mesmas estratégias e armas que ele usa. Quando agimos assim, acabamos nos tornando iguais àqueles que desejamos combater. Podemos nos tornar tão agressivos e irracionais quanto os extremistas islâmicos dos quais queríamos nos proteger. Podemos apoiar um líder tão ou mais despóticos do que os líderes das ditaduras comunistas em nosso medo de vivermos num Estado totalitário. Com isso, acabamos perdendo o amor cristão que, inicialmente, nos movia. Enganados, servimos ao demônio em nosso afã de seguir a Deus.

Responder ao mal com o bem

Mas, então, como devemos agir? Bento XVI, numa passagem curta, mas iluminada, comentando a passagem em que Cristo diz para “dar a outra face” (Mt 5, 38-42 e Lc 6, 27-31), explica que não se trata de deixar-se dominar pelos maus, deixar que os perseguidores nos façam mal, mas sim em responder ao mal com o bem (Ro 12, 21), num “modo de ser pessoa” baseado no amor. Mostrar-se capaz de amar, de fazer o bem, mostrar que o amor de Deus realmente nos faz mais felizes, é uma forma eficiente de lutarmos contra muitas formas de perseguição religiosa.

Isso não elimina, evidentemente, o fato de não nos esquecermos das vítimas de perseguição e de alguns gestos, até pequenos, mas que estão ao nosso alcance. O primeiro, mais fundamental e sabermos de suas histórias (não nos esquecermos deles) e rezarmos por eles, que Deus os conforte e os proteja em suas tribulações.  Para isso, vale a pena conhecer este relatório que estou comentando. Depois, existem uma série de ações de solidariedade aos refugiados e recuperação econômica das comunidades que podem ser apoiadas por nós. Por último, cobrar que nosso governo tenha uma posição proativa, no cenário internacional, de combate aos grupos extremistas e às políticas persecutórias em todos os países.