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O amor à verdade e o medo do relativismo

Bento XVI fazendo leitura

Alberto PIZZOLI / AFP

Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 19/02/23

Bento XVI amou profundamente a verdade. Denunciou algumas vezes o relativismo, mas dedicou muito mais ocasiões a explicitar a verdade. Se procurarmos seguir seus ensinamentos, o que aprendemos?

Recentemente, ajudei na edição do Caderno Fé e Cultura, do jornal “O São Paulo”, dedicado ao pensamento de Bento XVI. Vendo o muito que se escreveu sobre ele, fiquei impressionado com um certo “desvio” na interpretação de suas ideias. Ele ficou muito conhecido por sua condenação à “ditadura do relativismo”, mas seu amor à Verdade é bem menos reconhecido. Trata-se de um erro comum entre os cristãos bem-intencionados. O diabo, no livro de C.S. Lewis, Cartas de Um Diabo a Seu Aprendiz (Thomas Nelson Brasil, 2017), ensina seu discípulo a não se preocupar quando as pessoas concentrarem todas as suas energias em combatê-lo – basta que elas olhem mais para ele do que para Deus, para se deixarem levar pelo mal. É uma antiga sabedoria cristã: se nos detemos muito na maldade, deixamos de perceber onde e como a bondade se manifesta. Ao lutar contra a maldade, nos tornamos maus por perdermos a noção de como ser bom. Condenando o relativismo, perdemos a intimidade com a verdade.

Neste tempo de fake news

Infelizmente, a reação de certos bons cristãos à disseminação de fake news se tornou emblemática desse problema. Estão mais preocupados em saber de onde saiu a notícia supostamente falsa e quem está denunciando sua falsidade e/ou seu autor. Se é de autoria de um adversário político, o caso é tratado como exemplo da falsidade ideológica do outro – sem maiores escrúpulos em saber se era verdade ou não. Se é de autoria de um correligionário, invoca-se a liberdade de expressão e não se adentra nos aspectos verídicos ou falsos da notícia. Tanto num caso quanto no outro, o amor à própria se impõe ao amor para com a verdade.

É fato que, após um longo tempo de hegemonia de uma ideologia relativista, criadora das chamadas “pós-verdades”, que imagina que não existem fatos, apenas narrativas, o mundo começou a se dar conta de que a fidelidade à verdade, mesmo que nas mínimas coisas, é indispensável tanto para a vida social quanto para a liberdade pessoal. Numa sociedade que não faça a mínima referência à verdade, o poder se torna o único critério de decisão. Quem tem poder, não apenas diz o que deve ser feito, mas diz como as coisas devem ser conhecidas e entendidas. Trata-se da maior das dominações, pois nem mesmo se tem a liberdade de saber que as coisas poderiam ser diferentes.

Nesta situação atual, a tragédia, para muitas pessoas bem-intencionadas, é que ao invés de aderirem mais à verdade, passaram a buscar com mais afinco ao poder. Alguns influenciadores parecem ter uma ideia de “dobrar a aposta”, deturpando a realidade para que ela pareça ainda mais assustadora, buscando as situações mais escabrosas, referindo-se às narrativas mais absurdas. Ao invés de mirarem a verdade, com a intensão de combaterem a falsidade acabam por difundi-la!

Seguir o exemplo de um homem que amou profundamente a verdade

Bento XVI amou profundamente a verdade. Denunciou algumas vezes o relativismo, mas dedicou muito mais ocasiões a explicitar a verdade. Se procurarmos seguir seus ensinamentos, o que aprendemos?

Em primeiro lugar, a verdade é indissociável do amor. Deus é amor; o amor verdadeiro é o propulsor de todo desenvolvimento humano. Essas duas ideias, presentes em títulos de suas encíclicas (Deus cartas est e Caritas in veritate) deveriam orientar todo discernimento cristão. O amor frequentemente está ausente ou adulterado no mundo, mas nosso olhar para a realidade ainda não é o de Cristo se não formos capazes de descobrir o amor que se esconde no real e/ou que pode iluminar o real. Os profetas da raiva e do ressentimento propagam a si próprios, mas não a Cristo.

Além disso, Bento XVI sempre associa a fidelidade à verdade com humildade. Ele nos lembra que não somos “donos da verdade”, somos “servidores da verdade” e que não precisamos temer os acertos dos demais justamente porque se sabe possuído por essa verdade. Por isso, ser fiel à verdade implica também em saber reconhecer os acertos dos outros e nos deixarmos corrigir por eles. Combater o relativismo implica em aceitar a relatividade de nossas posições humanas para aderir sempre mais ao único absoluto que reside em Deus.

O amor humilde de Bento XVI à verdade e ao outro chega a ser vertiginoso. Para ele, o único lugar a partir do qual o cristão pode dialogar com as outras religiões, sendo respeitoso para com elas, mas sem renunciar à verdade, é o da kenosis de Cristo na cruz – o esvaziamento radical de sua divindade, culminando na morte como homem, que Ele faz por amor a nós. Lutamos tanto para não sermos cancelados, para que nossas posições sejam respeitadas… Mas será nosso amor, que até mesmo se humilha para buscar o bem do outro, que comunica a verdade!

Que possamos viver o amor de Deus por nós com tal intensidade que tenhamos a humildade e a liberdade que Bento XVI nos propôs. O mundo precisa da verdade, mas ela será comunicada pela beleza de rostos humanos transfigurados pelo amor.

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