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Moçambique: “Rogamos a Deus que nos salve”, clama bispo após ciclone

CUBA
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Reportagem local - publicado em 19/03/23
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A província da Zambézia foi muito afetada pela passagem, nos últimos dias, do ciclone Freddy, com particular incidência na Diocese de Quelimane. O Bispo local, D. Hilário Massinga, descreveu a noite de terror vivida na madrugada de segunda-feira

A passagem do ciclone Freddy deixou um rasto de destruição e morte pela zona central de Moçambique ao longo dos últimos dias. Dados preliminares das autoridades apontam para pelo menos oito mortos na província de Zambézia, sendo que sete ocorreram na cidade de Quelimane, uma das zonas mais atingidas. A noite de domingo e a madrugada de segunda-feira, dia 13, foram particularmente severas.

D. Hilário Massinga enviou diversas mensagens para a Fundação AIS, descrevendo uma situação de caos e de terror, e toda a impotência de quem nada pode fazer face à violência das chuvas e a força do vento. “Foi uma noite horrível! Ouvir a casa a cair em pedaços sem poder fazer nada. Perdemos o tecto da casa episcopal. As paróquias e as igrejas da cidade de Quelimane também perderam os tectos. Não há energia...”, escreveu o Bispo de Quelimane, quase telegraficamente, numa das várias mensagens trocadas com Ulrich Kny, responsável de projectos da Fundação AIS para esta região de África.

“Ninguém consegue estar fora de casa por causa das rajadas de vento”, disse também o prelado noutra mensagem enviada já ao final de segunda-feira. “Ouvem-se as chapas a levantar mas ninguém arrisca a vida para ir ver”, acrescentou o prelado, relatando um ambiente de desolação e destruição na própria casa episcopal. “As árvores do quintal já estão sem folhas, aliás estão a partir-se todos os ramos daquelas que não caíram. Rogamos a Deus que nos salve, pois não há coisa nenhuma que podemos fazer.”

Situação crítica

As palavras de D. Hilário Massinga são corroboradas por Manuel Araújo presidente da edilidade de Quelimane que foi publicando diversos relatórios sobre a evolução da passagem do ciclone ao longo dos últimos dias. Ainda no domingo, este responsável referia como “crítica” a situação no município de Quelimane, com cerca de “100 mil pessoas com necessidade de apoio”, das quais mais de 5 mil já se encontravam em centros de acomodação. Mas deixava o alerta de que com o passar das horas, o número de pessoas afectadas “poderá duplicar”.

Os primeiros relatórios da passagem do ciclone Freddy revelam estragos profundos em edifícios vitais de Quelimane como o Hospital Provincial, que ficou “com várias enfermarias inundadas e com infiltrações de água nas paredes e no tecto, doentes com lençóis e camas molhadas, incluindo na Pediatria, Cuidados Intensivos a até na Sala de Operações/Cirurgia”, forçando à evacuação de doentes, mas também em inúmeras escolas que ficaram destelhadas, pontes intransitáveis, postes de energia eléctrica e de telecomunicações derrubados, e igualmente grandes danos em Igrejas. Os dados fornecidos pelo responsável do município referiam, por exemplo, “instituições religiosas sem tecto e ou portas e janelas, incluindo o tecto da Igreja dos Santos Anjos de Coalane”.

“Destruição muito grande”

D. Diamantino Antunes, Bispo de Tete, embora ausente do país por motivos de saúde, está também a acompanhar a par e passo a evolução do ciclone, até porque a sua diocese também foi atingida. Ao telefone, explicou à Fundação AIS que, no entanto, que “o mais dramático” ocorreu em Quelimane, na província da Zambézia. Apesar da dificuldade das ligações telefónicas, conseguiu falar com D Hilário na manhã de ontem, terça-feira.

“Ele disse-me que a destruição na cidade de Quelimane é muito grande. A residência episcopal ficou sem tecto”, relatou à Fundação AIS, acrescentando que as populações locais estavam a viver uma situação muito delicada. “Há falta de comida e de água potável, para além da escassez de abrigos, na sequência da destruição de casas ou de tectos. Permaneçamos unidos com os nossos irmãos da Zambézia, sem excluirmos a possibilidade de levar-lhes algum apoio material”, acrescentou D. Diamantino Antunes.

Um país de rastos

A passagem por Moçambique de fenómenos meteorológicos extremos, que ocorriam normalmente com seis ou sete anos de intervalo, são agora cada vez mais frequentes dadas as mudanças climáticas que se estão a verificar um pouco por todo o planeta. Em Moçambique, estas ocorrências vêm acentuar ainda mais a já profunda pobreza em que se encontra o país. “Uma tempestade tropical como esta e sobretudo as enxurradas, coloca o país de rastos”, explicou D. Diamantino. “São as infraestruturas, pontes, estradas cortadas, o sistema da rede eléctrica e telefónica é muito frágil, não aguentam, e depois não há alternativas, porque as estradas são aquelas e o país fica dividido em dois, basta uma ponte desabar numa estrada nacional que liga o sul ao norte, para o país ficar partido em dois.”

A chaga do terrorismo

De facto, para um país tão pobre como Moçambique, e também assolado pela violência do terrorismo, especialmente na região norte, na província de Cabo Delgado, a frequência com que estão a verificar-se estes fenómenos climatéricos extremos é muito preocupante. Ainda em Janeiro do ano passado, a tempestade tropical Ana atingiu o centro e norte de Moçambique causando cerca de duas dezenas de mortos e afectando milhares de pessoas.

Há dois anos, foi a vez do ciclone Eloise e anteriormente, entre 2018 e 2019, dois poderosos ciclones, Idaí e Kenneth, deixaram também profundos rastos de morte e destruição. A tudo isto, soma-se a tragédia do terrorismo que tem afectado essencialmente o norte do Moçambique, onde grupos armados, que reivindicam pertencer aos jihadistas do ‘Estado Islâmico’, têm lançado, desde Outubro de 2017, sistemáticos ataques que já provocaram cerca de 4 mil mortos e quase 1 milhão de deslocados internos.

Toda esta situação tornou Moçambique num país prioritário para a Fundação AIS no continente africano, especialmente no que diz respeito ao apoio às vítimas do terrorismo. A ajuda da Fundação AIS tem-se materializado nomeadamente em projectos de assistência pastoral e apoio psicossocial, mas também no fornecimento de materiais para a construção de dezenas de casas, centros comunitários e ainda a aquisição de veículos para os missionários que trabalham junto dos centros de reassentamento que abrigam as famílias fugidas da guerra.

(Com AIS)