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No Mont Saint-Michel, o estilo de vida dos anjos

Mont Saint Michel

JEROME HOUYVET / Only France via AFP

Mont Saint-Michel

Patrick Sbalchiero - publicado em 22/05/23

Mil anos após a colocação de sua primeira pedra, o historiador, autor de uma "História do Mont Saint-Michel" (Perrin), se pergunta: de onde vem esse equilíbrio e perfeição universais? "No Mont Saint-Michel", escreve ele, "se as pedras falassem, ouviríamos as orações dos homens em coro junto a São Miguel"

Quantas vezes já me perguntei sobre as causas da longevidade e do sucesso do Mont Saint-Michel? Eu não sei. Cada vez que eu vinha, cada vez que lia, cada vez que trocava cartas, a mesma pergunta surgia em minha mente: “Por quê? Certamente, a localização da baía, “no ângulo formado pela Bretanha e o Cotentin”, a riqueza ecológica do lugar, a proeza arquitetônica, o patrimônio intelectual e histórico, o lugar na cultura literária etc. já respondem por si só a essa pergunta incômoda. No entanto, continuei insatisfeito. Há outros espaços e edifícios que são muito populares, e alguns atraem ainda mais peregrinos e turistas. Mas, para mim, era uma questão de saber o motivo mais profundo, a chave para essa estabilidade na história. Um dia, surgiu uma ideia…

Uma invenção dos monges

Eu a confio a vocês, em minhas próprias palavras, na esperança de que elas possam dizer, além de sua falta de jeito, algo sobre essa obra-prima aos pés da qual a França e São Miguel tanto se amaram. O Mont Saint-Michel é uma invenção dos monges… Deixe-me explicar. Em 16 de outubro de 709, um primeiro oratório foi dedicado. No ano anterior, Aubert, bispo de Avranches, havia visto o arcanjo São Miguel em um sonho. O local tem sido o lar de religiosos (inicialmente eremitas, depois agrupados em uma comunidade) desde o início do século VIII.

De forma análoga, a “rocha” é um deserto – um “thebaid”, segundo a expressão dos Padres do Deserto – no qual vivem homens que deixaram o mundo e a mundanidade para se unirem a Deus em louvor e trabalho. Essa é a primeira e permanente vocação do local. É um mosteiro, um lugar de vida oferecido a Cristo, concebido e organizado como um espaço de paz… um lugar “santo”, afastado de nossos tumultos, fechado às nossas tentações. Longe de tudo, mas perto de Deus e das pessoas, os monges são, de certa forma, a primeira corda dessa ascensão mística. Ligados a suas irmãs e irmãos em humanidade pela oração, eles oferecem a Deus o que são a fim de reunir tesouros no céu.

O estilo de vida dos anjos

Ora et labora: oração e trabalho de acordo com a Regra de São Bento, essa lei equilibrada de perfeição que serviu como a constituição monástica do Monte por mais de um milênio. Os contemplativos fizeram do trabalho uma longa oração. A riqueza excepcional do scriptorium, a constância dos irmãos copistas, a durabilidade de suas realizações, tudo aqui canta a glória de Deus. O “modo” beneditino, se é que podemos chamá-lo assim, é a estabilidade: os filhos de São Bento prometem nunca deixar seu mosteiro sem o consentimento do abade, que ocupa o lugar de Cristo na comunidade. O que poderia ser mais estável do que o Monte, o sinal material de um Deus invisível?

E depois o anjo… Desde o início do cristianismo, o monaquismo promoveu uma existência próxima àquela a que o Evangelho chama cada pessoa, uma vida colocada sob o signo do amor, uma vida espiritual… Por suas renúncias, os monges tendem a compartilhar o estilo de vida dos anjos. Como não ver nesse ideal a chave para a universalidade do Monte? Além do mosteiro, aqui, os homens lutam contra as restrições naturais, assim como os monges lutam contra as forças do mal. Todos, com um impulso comum, se ajoelharam aos pés do arcanjo por tantos séculos. No Monte, se as pedras pudessem falar, ouviríamos as orações dos homens respondendo em um coro unido à voz de São Miguel. Mas nossa cultura ignora os anjos. Na tradição judaico-cristã, eles são os mensageiros do Senhor, intervindo aqui na Terra em cada estágio essencial da história. À sua maneira, São Miguel, príncipe da milícia celestial, elo entre o céu e a terra, guia a comunidade de Montois e, em cada um de seus peregrinos, o mundo inteiro.

O sonho da pátria celestial

É claro que os monges e os habitantes da vila e da baía nunca viveram no “paraíso” e o Monte chegou a se tornar um inferno prisional no final do século XVIII. Algumas pessoas pensavam estar denunciando a “inutilidade” da Maravilha e dos beneditinos, a distância (intransponível) entre os trabalhadores do mar e os contemplativos, o enriquecimento dos últimos em detrimento dos primeiros… No entanto, o ideal medieval, que presidiu a criação e a ampliação do local, baseava-se menos em uma concepção piramidal da sociedade do que em uma ordem social fundada na primazia do espiritual, na realidade do invisível. Antes de ser feito de pedras, o Monte é um sonho: o da pátria celestial.

É dessa forma que o Monte pertence à raça humana, que, como uma imagem, além de sua materialidade, ressoa no coração dos peregrinos que todos nós somos. Em seu romance “La Fée des grèves”, Paul Féval (1816-1887), melhor do que ninguém, pintou maravilhosamente esse cenário onírico ao entardecer, como uma visão nascida do êxtase: “O Mont Saint-Michel foi o primeiro a emergir das sombras, oferecendo as asas douradas de seu arcanjo aos reflexos da aurora que despontava”.

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