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A chegada das relíquias de Santa Teresinha, uma “fonte de consolo espiritual”

Freira segura livro de Santa Teresinha

Antoine Mekary | ALETEIA

I. Media - publicado em 08/06/23

Teresa foi a santa da fragilidade. Hoje, com as guerras, as pandemias e os desastres naturais, temos um senso crescente da fragilidade da vida humana. Essa fragilidade, que espontaneamente nos assusta, torna-se, com Teresa, a graça das graças

As relíquias de Santa Teresa de Lisieux, cuja peregrinação ao redor do mundo tem despertado grande interesse desde a década de 1990, estão fazendo uma escala em Roma de 6 a 16 de junho. Sediado no Russicum, o Colégio Jesuíta Eslavo, que inclui religiosos russos e ucranianos, o relicário da santa normanda, depois de ser apresentado nas Filipinas e na Alemanha, foi exibido na Praça de São Pedro durante a audiência geral dessa quarta-feira com o Papa Francisco. O relicário já havia sido exibido em uma audiência geral com Bento XVI em 14 de novembro de 2007.

O padre François-Marie Léthel, religioso da Ordem dos Carmelitas Descalços, é professor de teologia dogmática e espiritual no Teresianum, a universidade de sua família espiritual em Roma. Esse especialista em espiritualidade teresiana foi convidado por Bento XVI para pregar o retiro de Quaresma para a Cúria Romana em 2011. Ele fala a I.MEDIA sobre a chegada das relíquias de Teresa de Lisieux a Roma em 2023, o 150º aniversário de seu nascimento e o centenário de sua beatificação.

Qual é o significado do retorno dessas relíquias de Teresa a Roma?

A peregrinação das relíquias foi iniciada na década de 1990. Temos muitos testemunhos do efeito que ela teve sobre os fiéis: essas relíquias são como um “ímã” que atrai as pessoas. Podemos ver que, nessas ocasiões, muitas pessoas vêm, se confessam, se aproximam da Igreja…

Para essa etapa em Roma, as relíquias ficam na igreja de Sant’Antonio abate, que é a igreja do Russicum. Elas viajam de lá, notadamente para o Santo Padre para a audiência geral, para Saint-Louis-des-Français, para o Teresianum… É um momento alegre, um momento de evangelização, em um momento em que a Igreja está passando por um período difícil, particularmente aqui em Roma. Eu realmente acredito que Teresa é uma das santas mais amadas do mundo, além de todas as fronteiras. Portanto, este é um momento importante e, para o Papa Francisco, um momento de consolo espiritual. Ele gosta muito de “la petite Thérèse” (a pequena Teresa)!

Qual é a ligação do Papa Francisco com Santa Teresinha? Ele se inspira no “jeitinho” dela para exercer seu ministério?

O Papa está profundamente enraizado na devoção popular latino-americana e está particularmente familiarizado com a tradição da “novena das rosas” ligada à espiritualidade de Teresa.

Precisamos reler um dos mais belos textos do Papa Francisco, sua exortação apostólica Gaudete et exsultate, sobre o chamado à santidade no mundo de hoje. Teresa é citada várias vezes, em particular com seu conceito de santidade acessível a todos, o famoso “pequeno caminho”! O Papa reage fortemente contra o “pelagianismo”, uma visão de santidade baseada no esforço heroico, enquanto a santidade exige, antes de tudo, deixar espaço para a primazia da graça.

Portanto, Teresa ensinou um caminho para a santidade que era acessível a todos, nas pequenas coisas, aceitando as próprias fraquezas. O ensinamento de Teresa está maravilhosamente em sintonia com os ensinamentos do Concílio Vaticano II. Os dois capítulos mais importantes da Lumen Gentium, o capítulo 5, sobre a vocação universal à santidade em todos os estados de vida, e o capítulo 8, sobre a santidade plenamente realizada em Maria, ecoam as intuições de Teresa sobre uma santidade que é acessível a todos, seja uma mãe, uma freira ou um padre.

Com a espiritualidade de Teresa, até mesmo os maiores pecadores podem ter acesso à santidade: pense em Jacques Fesch, condenado à morte e executado, mas que poderia se tornar um santo, como o Bom Ladrão.

Neste período do processo sinodal, que está causando certa agitação dentro da Igreja, a herança espiritual de Teresa pode ajudar a reorientar nossa atenção para Jesus?

Acho que podemos de fato considerar Teresa como uma “santa padroeira da sinodalidade”. A ideia do Papa Francisco é abrir o diálogo, liberar a palavra para que todos possam se expressar. Mas, atenção, seu objetivo é voltar a se concentrar em Jesus: a questão central não é a reforma das estruturas.

O Concílio disse isso: a Igreja é santa e sempre chamada a se purificar. Sobre esse tema da Igreja em peregrinação, em movimento, Teresa tem algumas páginas magníficas em História de uma alma, onde ela comenta as palavras do Cântico dos Cânticos, quando a noiva diz: “Atrai-me! Nós correremos para sentir o cheiro de seus perfumes”. Portanto, essa é a oração dela, em referência à Igreja, a noiva de Cristo. Esse “correremos” abrange toda a Igreja, toda a humanidade, e corresponde ao que o Papa Francisco diz quando explica que a evangelização não é alcançada pelo proselitismo, mas pela atração, atraindo as pessoas para Jesus.

Santa Teresinha atraiu milhares de pessoas em seu rastro e, como os participantes do Sínodo a conhecem, ela ajudará a reorientar tudo para Jesus.

Sua espiritualidade é “desarmante” para os mais intelectuais?

Sim, sua espiritualidade pode ajudar os mais intelectuais a encontrar o caminho para Jesus. O Papa Bento XVI, um teólogo, gostava muito da Pequena Teresa e frequentemente a dava como exemplo para os teólogos. Em sua catequese de 6 de abril de 2011, alguns dias após o retiro que preguei para a Cúria Romana, ele nos convidou a tomar a humildade dela como nosso modelo. Ele mostrou que o conhecimento amoroso que ela tinha do mistério de Jesus não entrava em conflito com um conhecimento científico de Jesus, porque Teresa era muito focada na Sagrada Escritura.

Bento XVI era um grande intelectual, mas também um grande homem espiritual que apreciava a humildade de Teresa. Ele viu grande valor teológico em seu livro História de uma alma, que é uma verdadeira maravilha que a Igreja sempre recomendou.

A família dela foi destacada na canonização de seus pais. Isso é um incentivo para as famílias de hoje?

Seus pais, Louis e Zélie, foram canonizados pelo Papa Francisco durante o Sínodo sobre a Família. E sua irmã Léonie, que era a mais simples e mais pobre da família, com dificuldades de caráter e problemas psicológicos, também está a caminho da santidade. As outras irmãs eram boas freiras carmelitas, mas não têm reputação de santidade, e não haverá processo de beatificação para elas.

O relato de Teresa sobre sua infância é muito interessante para os dias de hoje: ela fala em particular sobre o amor de seus pais, a importância para uma criança de ser amada por um pai e uma mãe, e sua ferida com a morte de sua mãe quando ela tinha quatro anos de idade.

Aos 10 anos de idade, ela desenvolveu uma doença psicológica causada pela entrada de sua irmã Pauline na Ordem Carmelita, que ela considerava sua segunda mãe. Isso a fez desmoronar, uma doença muito grave. Ela foi curada pelo sorriso de Maria, e foi somente com a graça do Natal de 1886 que ela se libertou de sua hipersensibilidade e começou o que ela chamou de sua “corrida de gigantes”, até o fim de sua vida: uma progressão vertiginosa rumo à santidade.

Teresa foi a santa da fragilidade. Hoje, com as guerras, as pandemias e os desastres naturais, temos um senso crescente da fragilidade da vida humana. Essa fragilidade, que espontaneamente nos assusta, torna-se, com Teresa, a graça das graças. Aceitar nossa própria fragilidade abre o caminho para a santidade e, por fim, para a verdadeira alegria.

100 anos após sua beatificação, será que novos aspectos de sua espiritualidade ainda estão sendo descobertos?

Teresa é incansavelmente lida e estudada, e é reconhecida além das fronteiras da Igreja. Tive a oportunidade de visitar o Egito, no Cairo, onde temos uma basílica dedicada a Santa Teresa, que é visitada principalmente por coptas ortodoxos e muçulmanos. Ela também faz milagres para os muçulmanos! Portanto, ela é amada muito além do mundo católico.

Sua humildade e seu testemunho de amor levaram a UNESCO a reconhecê-la como uma figura importante para toda a humanidade. Portanto, há abordagens históricas e literárias, mas os teólogos também precisam levá-la a sério! Em 1997, a pedido de João Paulo II, trabalhei na Positio para o doutoramento de Teresa. Era um documento de quase 1.000 páginas para mostrar a toda a Igreja que Teresa merecia se tornar Doutora da Igreja.

Ela é um gênio intuitivo: não entra em longos desenvolvimentos à maneira de São Tomás de Aquino, mas oferece percepções espirituais, sempre baseadas na Palavra de Deus e na Eucaristia. Ela oferece novas percepções sobre a misericórdia, particularmente em sua oração aos 14 anos de idade por seu “primeiro filho”, o criminoso Henri Pranzini. Diante da situação mais desesperadora, a de um homem condenado à morte que não se arrepende, ela reza para salvá-lo a todo custo de ir para o inferno…

Ela desenvolve uma nova experiência de misericórdia, com a descoberta desse pequeno caminho, o caminho da santidade para todos, uma percepção positiva da fragilidade. É impressionante ver que uma primeira edição de História de uma alma foi publicada já em 1898, mas somente em 1956 foi publicada uma edição autêntica, baseada nos manuscritos. E foi somente em 1992 que suas Obras Coletadas foram publicadas. O livro teve um impacto extraordinário sobre o povo de Deus.

Aqui em Roma, recebi estudantes de todo o mundo e vi que, com Teresa, não há problema de inculturação: ela está em todos os lugares, em todas as culturas, na Europa, na África, na Ásia, na América Latina… Como São Francisco de Assis, ela toca algo essencial no coração humano.

Sua influência missionária também ecoa os convites do Papa Francisco para olharmos para fora e não nos voltarmos para dentro?

Sim, o Papa Francisco se manifesta regularmente contra o que ele chama de “Igreja autorreferencial”. Pelo contrário, ele quer promover uma Igreja cristocêntrica: o centro é Jesus, não nós mesmos.

Teresa foi escolhida como padroeira das missões. Precisamos nos lembrar do contexto histórico do século XIX, que foi a era de ouro do ateísmo, que então se estruturava como um sistema filosófico, com Marx e Nietzsche. A própria Teresa passou por uma crise terrível, uma prova “contra a fé”, sem perdê-la: “Jesus permitiu que minha alma fosse invadida pela mais densa escuridão”, escreveu ela em um manuscrito profundamente comovente. Assim, ela se sentia como uma irmã dos incrédulos, a quem chamava de “meus irmãos”. Ela orava por eles com total confiança.

Mas o século XIX também foi o maior século missionário, com muitos mártires. Somente no Vietnã, acredita-se que tenha havido 150.000 mártires. O convento carmelita de Lisieux era muito missionário, com fundações em Hanói e Saigon. Teresa estava pronta para ir para o convento carmelita de Hanói, mas foi impedida por uma doença. Ela era apaixonada pelas missões, nas quais a França desempenhava um papel essencial, fornecendo três quartos dos missionários do mundo: a Igreja havia recuperado uma vitalidade extraordinária após a Revolução Francesa.

No final de sua vida, ela recebeu dois irmãos espirituais: um seminarista que estava se preparando para se juntar aos Padres Brancos, os Missionários da África, e um jovem sacerdote das Missões Estrangeiras de Paris, um missionário no Extremo Oriente, uma região do mundo que tinha visto muitos mártires. Ela lhes escreveu cartas magníficas, mostrando toda a sua espiritualidade missionária.

Entre os muitos exemplos está Monsenhor Charlebois, bispo missionário no extremo norte do Canadá, que testemunhou milagres ligados à intercessão de Teresa na evangelização dos esquimós. Ele foi um dos bispos missionários que, na década de 1920, pediu ao Papa que proclamasse Teresa padroeira das missões, porque viram que ela trouxe resultados extraordinários.

Como sua espiritualidade se espalhou gradualmente para além dos muros do Carmelo?

A Ordem Carmelita tem três grandes doutores: Teresa d’Ávila, João da Cruz e Teresa de Lisieux, que traduziram sua mensagem sem traí-la. A Beata Marie-Eugène de l’Enfant-Jésus, religiosa carmelita, ajudou a tornar mais conhecida a espiritualidade de Teresa de Lisieux. O Papa Francisco gosta muito de sua obra-prima, Je veux voir Dieu (Quero ver Deus), que ele leu várias vezes e apresentou aos chefes da Cúria durante suas saudações de Natal em 2017.

Ele fundou o Institut Notre-Dame-de-Vie, que é uma bela realidade de pessoas consagradas que vivem no mundo leigo, ao mesmo tempo em que assumem plenamente a vida espiritual do Carmelo, com duas horas de oração por dia. O padre Marie-Eugène via Teresa como uma gigante, enquanto as próprias freiras carmelitas não a viam como uma mística extraordinária, nem percebiam sua profundidade. Mesmo antes de sua beatificação, o Padre Marie-Eugène viu o gênio de Teresa, uma doutora da vida mística, de uma vida de fé, esperança e caridade “em alta tensão”.

A espiritualidade teresiana pode oferecer oportunidades de recuperação e significado em um mundo marcado por uma crise vocacional e pela dificuldade que os jovens têm de se orientar?

Vivo em Roma há mais de 40 anos e trabalho aqui há 25 anos na formação de jovens, e diria que 90% de nossos alunos devem sua vocação a Teresa de Lisieux. Vemos isso em toda parte, na América Latina, na Índia… Ela é extremamente atraente para os religiosos, mas também pode inspirar os leigos, especialmente os jovens casais. Neste mundo de barulho e superficialidade, há um desejo de interioridade, um desejo de amor verdadeiro. Ela pode ajudar todos a encontrar um pouco de espaço para o silêncio e o recolhimento.

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