O termo “artificial”, pelo menos no contexto da inteligência artificial (IA), é usado para distingui-la da inteligência “natural”. A inteligência natural (novamente, neste contexto) se refere às capacidades cognitivas dos seres vivos – humanos e animais, mas especialmente humanos. Já a palavra “artificial” significa que a IA não ocorre naturalmente: os sistemas de IA são projetados, desenvolvidos e programados por humanos para executar tarefas que normalmente exigiriam inteligência humana, como resolução de problemas, tomada de decisões, aprendizado e compreensão da linguagem natural.
Agora, para entendermos o que torna artificial a inteligência artificial, vale a pena explorar a perspectiva do beato Ramon Llull, um filósofo medieval, missionário, lógico, teólogo e místico que viveu no século XIII e pertenceu à Ordem Terceira Franciscana – aliás, ele está enterrado no Convento de São Francisco em sua cidade natal, Palma de Mallorca, na Espanha. Sua noção de inteligência se distingue da IA moderna de várias maneiras significativas – mas também, de certa forma, a antecede.
A compreensão de inteligência de Llull estava enraizada numa estrutura filosófica e teológica inspirada principalmente pelos franciscanos Roger Bacon e São Boaventura. Ele propôs um sistema conhecido como Ars Magna Generalis. Seu objetivo era produzir conhecimento por meio de um processo de lógica combinatória. Curiosamente, a lógica combinatória é de fato usada como um modelo simplificado de computação na teoria da computabilidade, teoria da prova e (surpreendentemente) ciência da computação – tornando Llull um cientista da computação avant la lettre. Segundo Llull, o processo envolveria a combinação de conceitos de forma estruturada para produzir novos entendimentos e descobrir a verdade. Ele acreditava que, reorganizando sistematicamente esses elementos, seria possível descobrir verdades científicas universais – e vislumbres espirituais.
Embora a abordagem de Llull para gerar conhecimento possa compartilhar algumas semelhanças com a IA moderna, é essencial observar as distinções.
Para começar, o sistema de Llull contava com o intelecto e a intuição do ser humano como a força motriz por trás do processo combinatório. A noção de inteligência de Llull estava profundamente entrelaçada com a consciência humana – mais ainda, com a sede do espírito humano por conhecimento e verdade. Era uma abordagem orgânica e centrada no ser humano para a aquisição de conhecimento e não necessariamente orientada a tarefas. Em poucas palavras, o que Llull buscava não era uma fórmula básica de solução de problemas; era algo muito mais profundo e, portanto, muito mais humano: uma necessidade básica da verdade.
Em contraste, a inteligência artificial hoje se refere ao desenvolvimento de sistemas computacionais que podem simular e automatizar alguns aspectos da inteligência humana. Ele se concentra na criação de algoritmos, modelos e arquiteturas que permitem que as máquinas executem tarefas tradicionalmente associadas ao intelecto humano – quando esse intelecto é aplicado a tarefas muito específicas. A ênfase está no desenvolvimento de algoritmos que podem processar e analisar grandes quantidades de dados, aprender com a experiência e tomar decisões ou fazer previsões com base em padrões e inferências estatísticas.
Ao contrário da noção de inteligência de Llull, a IA não pode incluir aspectos espirituais ou metafísicos em seus processos. Ele apenas enfatiza princípios matemáticos e computacionais para modelar e replicar processos cognitivos semelhantes aos humanos – mas apenas aqueles que são baseados no processamento de dados. Os sistemas de IA utilizam algoritmos, técnicas estatísticas e processos de aprendizado de máquina para reconhecer padrões, extrair informações e tomar decisões informadas. Não podem engajar a si próprios na busca muito humana e “natural” da verdade.
Em resumo, o termo “artificial”, em inteligência artificial, serve para destacar a natureza artificial dos sistemas de IA, distinguindo-os do tipo de inteligência natural exibida pelos seres vivos e, em particular, do impulso humano de buscar a verdade. Ao compará-lo com a noção de inteligência de Ramon Llull, constatamos que a abordagem filosófica centrada no ser humano para gerar conhecimento passa a voltar-se a um paradigma computacional que utiliza algoritmos e dados.