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Você sabe perdoar?

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Shutterstock I bluedog studio

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Julia A. Borges - publicado em 02/07/23

É interessante perceber que há uma diferença entre desculpar e perdoar. Apesar de muitas vezes serem usados como sinônimos, são termos possuidores de cargas semânticas bem distintas

O perdão é um dos atos mais cristãos que existe, e tamanha é a sua importância que o próprio Jesus proíbe aos homens de apresentarem uma oferta diante do Senhor sem antes realizar tal ato, como consta em Mateus 5, 23-24: “Quando estiveres levando a tua oferenda ao altar e ali te lembrares que teu irmão tem algo contra ti, deixa a oferenda diante do altar e vai primeiro reconciliar-te ele”. Fica claro, portanto, que a decisão de perdoar verdadeiramente é condição fundamental para não viver um cristianismo de aparências, um cristianismo no qual a sua própria soberba seja o centro da sua crença.

Mas antes de observar o ato do perdão em si, é imprescindível entender o que faz com que o indivíduo fique coma a irascibilidade tão aflorada que o leva a ignorar qualquer tentativa de aplacar tamanha cólera perante o outro ou perante um determinado cenário, já que é manifesto de que ao postular o perdão, tem-se a noção de que ali fora cometido um ato que provocou tamanha raiva com a qual o indivíduo não consegue abrandar os sentimentos nocivos que a situação gera. Para tanto, a articulação dos processos mentais ajuda substancialmente a frear a difusão dessa fúria que nos torna cegos.

A autoanálise é um processo ininterrupto e inacabado, mas, sobretudo, doloroso, porque passa-se uma vida com máscaras para os outros e muitas vezes esquece-se de tirá-las para si. Deparar-se com seu verdadeiro eu é condição essencial para entender o poder da autêntica caridade, afinal, se realmente compreendemos a nossa perfeita miséria, saberemos que a Deus não nos cabe pedir justiça, mas a Sua misericórdia.

E é daí que se depreende o real remédio para a ira que se encontra na caridade. O padre Paulo Ricardo em um de seus livros sobre as doenças espirituais, reforça tal questão: “Lembrando que a ira produz um certo tipo de ilusão em quem dá vazão a ela. A pessoa irada sente-se como uma “vítima”, enquanto o outro é o culpado pelo seu infortúnio. Por isso o remédio é a caridade, lembrando sempre que Deus amou por primeiro e que, sob essa ótica, ninguém é tão vítima assim. A ofensa sofrida é menos grave do que a ofensa a Deus que cada um fez, faz e fará. Importa, pois, olhar para o Cristo na Cruz que ama e perdoa, colocar-se debaixo desse olhar, lembrando que quando foi traído, Nosso Senhor, de coração ‘manso e humilde’, não reagiu com ira.”

Entender-se como possuidor do amor maior e reconhecer-se miserável perante tamanha dádiva, coloca-nos em um estado de legítima graça, tornando mais fácil o ato do perdão. Contudo, é interessante perceber que há uma diferença entre desculpar e perdoar. Apesar de muitas vezes serem usados como sinônimos, são termos possuidores de cargas semânticas bem distintas.

Desculpar está inserido no âmbito legal, ou seja, na esfera jurídica. Se o indivíduo comete algum deslize e pede desculpas, cabe, portanto, à justiça tirar a sua culpa, ou seja, des-culpar. Já sobre o perdão, há o reconhecimento da culpa e que o ato foi injusto ou inadequado, mas, ainda assim, a pessoa escolhe se doar intensamente ao outro, ou seja, ela escolhe per-doar e é aí que reside o ato da caridade.

Muitas vezes, tomamos a posição de juízes legítimos e queremos qualificar os pecados como sendo piores ou melhores, e a verdade é que se o outro pecou de um modo diferente do nosso próprio ato de pecar, não quer dizer que o feito dele tenha sido pior do que o nosso, apenas diferente. Querer estar na posição de Deus como árbitros de conduta é um erro que nos cega e compromete por completo a busca pela grande fonte que é o Espírito Santo.

E é exatamente esse defensor e auxiliador que nos socorre e ajuda na disposição ao perdão. É pela intercessão do Paráclito que a cegueira e rigidez se desfazem e a mansidão encontra abrigo no coração daquele que se deixa invadir pela Sua presença. Reflitam que a maior das injustiças ocorreu há mais de dois mil anos, mas através daquela cruz é possível relembrar a todo instante a doação, o sacrifício de Cristo por nós. Transforme a dor causada por outrem em combustível para a busca do verdadeiro amor porque é justamente na completa doação que recebemos ainda mais.   

Referências

João Cassiano, Instituições Cenobíticas, VIII, 13: PL 49, 343.

Ricardo, Pe. Paulo. Um olhar que cura: terapia das doenças espirituais. São Paulo: Canção Nova, 2019.

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