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Peregrinação: uma jornada sagrada da alma

Peregrinação
Bret Thoman, OFS - publicado em 27/07/23
Os cristãos empreendem peregrinações desde que o imperador romano Constantino construiu as grandes basílicas em Roma sobre os túmulos de Pedro e Paulo

A vida é uma peregrinação. A palavra deriva do latim peregrinare, que, literalmente, significa "vagar pelos campos de grãos". A peregrinação parece ser quase instintiva para a humanidade: ao longo dos séculos, pessoas de todas as fés e tradições partiram em jornadas ou buscas sagradas.

A peregrinação na Bíblia

A Bíblia está repleta de narrativas em que Deus convida uma pessoa ou um povo inteiro a partir. A primeira "peregrinação" bíblica é relatada em Gênesis 12, 1-4, quando Abrão foi chamado por Deus para deixar o seu passado pagão e a casa de seu pai e migrar para a terra escolhida por Deus, onde receberia as bênçãos divinas. No livro do Êxodo, Deus pede a Moisés que conduza o seu povo para fora da escravidão no Egito e rumo à Terra Prometida (cf. 12,37-19,8).

êxodo do povo hebreu
Representação do êxodo do povo hebreu do Egito rumo à Terra Prometida

No Novo Testamento, Deus continua a chamar as pessoas para partirem, mas o chamado é amplamente centrado em Jesus Cristo. Como no caso dos profetas do Antigo Testamento, Jesus, cujo "reino não é deste mundo", ouviu a voz de seu Pai, obedeceu e deixou a sua "casa" celestial para se encarnar como homem e habitar entre nós, retornando à casa do Pai depois da sua ressurreição.

O surgimento das peregrinações cristãs

Com o tempo, os cristãos começaram a olhar para a vida espiritual através das lentes da peregrinação. No século IV, em grande parte como resultado da legalização do cristianismo e do fim das perseguições, as peregrinações ganharam muita força.

O imperador romano cristão Constantino construiu grandes basílicas em Roma sobre os túmulos de Pedro e Paulo, bem como outras basílicas em homenagem a Jesus, Maria e João. Enquanto isso, sua mãe, Helena, ergueu igrejas e santuários na Palestina para relembrar os acontecimentos dos Evangelhos.

Esses grandes edifícios abriram o caminho para os cristãos poderem visitá-los e neles adorarem a Deus. Ao mesmo tempo, Helena levou relíquias de Jerusalém para a Europa, despertando ainda mais interesse pelos lugares sagrados ligados à vida terrena de Jesus. Assim, cristãos de todo o mundo começaram, pouco a pouco, a viajar para visitar os túmulos dos apóstolos mártires a fim de honrá-los, conectar-se com os eventos da sua vida e fazer penitência.

Inspiração nos cruzados

No século XI, a peregrinação entrou em cheio na prática devocional cristã. As histórias contadas pelos cruzados depois de voltarem para casa despertavam a curiosidade e aumentavam o desejo das pessoas de conhecerem elas mesmas os lugares sagrados da vida de Jesus.

Um grande número de cristãos de todas as classes e condições partia para essa jornada. Enquanto muitos iam para a Terra Santa, outros tantos iam para lugares como Roma, a fim de visitar os túmulos e basílicas de Pedro e Paulo, ou Compostela, na Espanha, para visitar o túmulo de São Tiago Apóstolo, assim como Loreto, na Itália, para ver a Santa Casa de Nossa Senhora, ou o Monte Sant'Angelo, também na Itália, para conhecer a gruta de São Miguel Arcanjo. Poderíamos citar uma infinidade de outras metas de peregrinação semelhantes a essas.

Santuário da Santa Casa de Loreto
Santuário da Santa Casa de Loreto

Os peregrinos enfrentavam doenças, violência, naufrágios e conflitos. Muitos nunca voltaram para casa, em decorrência de tantos perigos. Antes de partir, aliás, o peregrino preparava um testamento, doava ou vendia os seus bens e celebrava um rito litúrgico de despedida, semelhante ao de um funeral.

Depois de vestir a túnica de peregrinação, o cajado e a bolsa de couro, o peregrino partia. Usava-se um chapéu de abas largas com um pano longo envolvendo o corpo das costas até a cintura. O símbolo da concha de vieira era usado por quem se dirigia ao túmulo de São Tiago em Compostela, enquanto as chaves eram usadas por quem ia a Roma. Os que iam para a Terra Santa carregavam a cruz de Jerusalém. A vestimenta distintiva caracterizava os peregrinos e os identificava como tais, para a sua proteção.

Peregrinos no Caminho de Santiago de Compostela
Peregrinos no Caminho de Santiago de Compostela

Os peregrinos também se dirigiam a locais menos conhecidos, por especial devoção a um determinado santo, por exemplo. Também eram construídos santuários em lugares associados à vida de santos de particular popularidade, como o seu local de nascimento, o do seu martírio ou morte, ou onde ele tivesse vivenciado alguma experiência sobrenatural.

Peregrinações interiores

Nesse tempo, os monges que nunca viajaram para além dos confins do claustro começaram a usar a peregrinação como metáfora da viagem interna do coração e da alma. Associando a peregrinação exterior com a interior, procuravam "viajar" espiritualmente rumo ao céu.

A peregrinação geográfica entrou em declínio após a Reforma Protestante, que desafiou a teologia das indulgências e as devoções medievais. O Iluminismo dos séculos XVIII e XIX praticamente eliminou a peregrinação devocional, que muitas pessoas passaram a desprezar como superstição medieval.

Peregrinações modernas

Ao longo das últimas décadas, porém, as peregrinações foram voltando com força. Os peregrinos modernos redescobriram a poderosa espiritualidade do caminho da fé. Certamente, aviões, ônibus confortáveis e hotéis tornaram as viagens mais seguras e menos penitenciais. No entanto, também os desembolsos e desconfortos das viagens atuais, os pés doloridos e a ausência do aconchego do lar podem exigir a sua dose de sacrifício a ser oferecido a Deus como penitência.

Os peregrinos de hoje anseiam, no fim das contas, por um afastamento da própria rotina com o intuito de experimentar a Deus mais intensamente. Eles esperam testemunhar algum sinal, milagre ou verdade da fé. Eles almejam alguma resposta para as suas sinceras orações.

A peregrinação, em suma, é uma resposta da alma ao anseio por mais proximidade de Deus, por uma pausa no comum a fim de abraçar o desconhecido no contexto da fé. A peregrinação tem um objetivo: encontrar o Deus vivo. Ao longo do caminho, o peregrino recebe graças especiais por intermédio da espiritualidade ou da sacralidade de um lugar, que, por sua vez, tem origem na teologia da criação e da Encarnação. As peregrinações são únicas porque revelam um Deus encarnado: um Deus que vem habitar entre nós. As pessoas são tocadas por Deus em lugares reais.

Ao visitar os lugares onde os nossos predecessores experimentaram a Deus, podemos conectar-nos mais facilmente com os acontecimentos e abrir-nos ainda mais para receber as graças divinas. Os lugares sagrados nos ajudam, assim, a intensificar o nosso contato com o Deus vivo, o Deus que se fez carne e habitou entre nós.