Nos últimos meses, o Papa Francisco nos brindou com três documentos importantes: a Carta Apostólica Sublimitas et miseria hominis, dedicada a Blaise Pascal (19 de junho de 2023), a Exortação Apostólica Laudate Deum, sobre a crise climática (4 de outubro de 2023) e a Exortação Apostólica C’est la confiance, por ocasião do 150° aniversário do nascimento de Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face (15 de outubro de 2023). Sob esse ponto de vista, um período realmente muito fecundo para o Papa.
No conjunto, os três documentos atestam a pluralidade de temas que recebem a atenção do pontífice. Quem se dedicar à leitura de todos eles verá, contudo, não apenas essa diversidade, mas também algumas linhas mestras que orientam a reflexão desse papa e tendem a transparecer em todas as suas colocações. São aspectos que nos revelam um pouco do coração e da identidade do próprio Francisco. Para quem quer entender esse pontífice, que sem dúvida será conhecido como um dos mais revolucionários da história da Igreja, é fundamental compreender como esses aspectos se interligam nesses textos.
Como a questão é vasta, vejamos hoje o mais conhecido desses aspectos, que é a pobreza. Num próximo artigo, veremos os demais aspectos: o fascínio e o amor misericordioso.
As muitas facetas da pobreza
Todos sabemos que a opção pelos pobres é marcante no pontificado de Francisco. Contudo, é interessante observar a riqueza de aspectos que o tema da pobreza aparece nesses três documentos recentes, pois mostram que a atenção ao problema social não se reduz a uma dimensão sociologizante.
Comecemos pelo último, C’est la confiance. Em Santa Teresinha a pobreza se manifesta sobretudo como humilde consciência da própria pequenez e entrega de si ao amor misericordioso de Deus. Escreve Francisco: “Teresa vive a caridade na pequenez, nas coisas mais simples da existência de cada dia, e fá-lo em companhia da Virgem Maria [...] Teresinha mostra, a partir do Evangelho, que Maria é a maior do Reino dos Céus porque é a mais pequena (cf. Mt 18, 4), a mais próxima de Jesus na sua humilhação. Observa que, se as narrações apócrifas estão cheias de fatos atraentes e maravilhosos, os Evangelhos mostram-nos uma vida humilde e pobre, passada na simplicidade da fé [...] por isso, Teresa não hesita em escrever: Sei que em Nazaré, Mãe cheia de graça / Viveste pobremente, não querendo nada mais [...]” (CC 36).
Até mesmo a opção pelo pobre e o compromisso social podem se manifestar de forma arrogante e pretensiosa – aliás, é muito frequentemente encontrarmos essa posição em muitos militantes. Mas Francisco, em Santa Teresinha, descobre uma pobreza humilde, a consciência do próprio pecado e da desproporção do que somos com aquilo que Deus nos dá. A humildade é a pobreza de coração, de quem se sabe indigno diante da grandeza do amor de Deus. Essa, porém, não é uma indignidade que nos oprime, mas pelo contrário, ela nos abre para a gratidão e para a beleza do amor.
Pascal mostra, com seu testemunho de vida, que o amor e a opção pelos pobres é o mais importante numa vida tocada por Deus. Em Sublimitas et miseria hominis, o Papa comenta: “Para ele [Pascal], a abertura à realidade significava não se fechar aos outros, nem mesmo na hora da sua última doença [...] ‘Se os médicos falam verdade (e Deus permita que eu recupere desta doença), estou decidido para o resto da minha vida a não ter outro emprego nem outra ocupação além do serviço aos pobres’. É comovente constatar que, nos últimos dias da sua vida, um pensador tão genial como Blaise Pascal não via urgência mais sublime para investir as suas energias do que as obras de misericórdia”.
Francisco insiste nessa absoluta concordância entre a opção pelos pobres e o caminho rumo a Cristo: “O amor apaixonado por Cristo e o serviço dos pobres, que mencionei no início, não foram tanto o sinal duma fratura no espírito deste discípulo corajoso, como sobretudo um aprofundamento rumo à radicalidade evangélica, o avançar para a verdade viva do Senhor com a ajuda da graça”. O papa deixa clara sua admiração por esse homem que, tendo uma das inteligências mais brilhantes e ecléticas da história do pensamento ocidental, reconhece no amor a Cristo e na entrega de si aos pobres o valor maior da vida.
Os pobres e a natureza
Ao abordar o tema ambiental, na Laudato si’ (LS), Francisco já havia explicitado que “entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada” (LS 2) e considerava que “a relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta” era um dos eixos da encíclica (LS 16). Lembrava que “a exposição aos poluentes atmosféricos produz uma vasta gama de efeitos sobre a saúde, particularmente dos mais pobres, e provocam milhões de mortes prematuras” (LS 20) e que o aquecimento global frequentemente afeta as condições de sobrevivência dos pobres, que mais dependem da utilização dos recursos naturais (LS 25). No final da encíclica, o papa escreveu: “A vida eterna será uma maravilha compartilhada, onde cada criatura, esplendorosamente transformada, ocupará o seu lugar e terá algo para oferecer aos pobres definitivamente libertados” (LS 243).
Essa mesma postura permanece na Laudate Deum (LD), onde Francisco comenta principalmente as disparidades entre o uso dos recursos naturais de ricos e pobres... “A realidade é que uma reduzida percentagem mais rica do planeta polui mais do que o 50% mais pobre de toda a população mundial e que a emissão pro capite dos países mais ricos é muitas vezes superior à dos mais pobres. Como esquecer que a África, que alberga mais de metade das pessoas mais pobres do mundo, é responsável apenas por uma mínima parte das emissões no passado?” (LD 9).
O tema da pobreza, para Francisco, é cheio de aspectos relevantes. Começa com uma postura interior, a humildade plena de confiança na misericórdia, magnificamente exemplificada em Santa Teresinha, se desenvolve como compromisso de amor para com os mais pobres, tal como o de pascal no final de sua vida, e vai atingir todos os aspectos da realidade, até a questão ambiental.