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As monjas cistercienses e trapistas ontem e hoje

DIOCESAN MISSIONARY VIGIL Presided over by Cardinal Vicar Angelo De Donatis
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Dom Orani João Tempesta - publicado em 09/11/23
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As mulheres na vida monástica

Se o século XII foi a era dos maiores místicos cistercienses movidos por São Bernardo de Claraval (1090-1153), o século XIII conheceu as grandes monjas místicas cistercienses que também, de algum modo, nos deixaram amplas obras escritas. Aqui se encontram Gertrudes de Helfta, a Grande, Matilde de Hackborn, Matilde de Magdeburgo – todas com seus tratados místicos monumentais – e Beatriz de Nazaré com um escrito bem menor em tamanho, mas não em profundidade.

Cada pessoa tem seu método de leitura ou de meditação. Cremos, no entanto, ser sempre mais útil iniciar por um panorama geral e, depois, com calma e oração, passo a passo, ir mergulhando nos escritos próprios de cada mística em questão. O pano de fundo histórico e também teológico-espiritual se fazem extremamente necessários para uma inter-relação entre o geral e o particular e vice-versa. Neste ponto, partindo de bases firmes no entendimento dessas nossas místicas, tomamos significativas passagens que duas monjas – uma cisterciense e uma trapista – nos apresentam. Encontram-se na oportuna obra de vários autores com o título “A mulher, a monja e a mística cisterciense: o passado e o presente à luz de quatro importantes Conferências”, publicada por Cultor de Livros, de São Paulo.

Logo de início, brota um sério questionamento: Que se entende por mística? – O Catecismo da Igreja Católica, de modo objetivo, ensina que “o progresso espiritual tende à união sempre mais íntima com Cristo. Esta união recebe o nome de ‘mística’, pois ela participa no mistério de Cristo pelos sacramentos – ‘os santos mistérios’ – e, nele, no mistério da Santíssima Trindade, Deus nos chama a todos a essa íntima união com Ele, mesmo que graças especiais ou sinais extraordinários desta vida mística sejam concedidos apenas a alguns, em vista de manifestar o dom gratuito a todos” (n. 2014). A essência da mística é, portanto, a íntima união com Deus (cf. Gl 2,20).

Afirmamos isso, porque, de acordo com Dom Bernardo de Oliveira, OCSO, antigo abade geral trapista, é certo que “a experiência mística da vida cristã ocupa um lugar central na tradição cisterciense. Esta afirmação é tão evidente que não precisa demonstração. Os primeiros cistercienses (século XII) trataram de viver na presença de Deus e em comunhão com Ele. Esta declaração de intenções guarda, hoje, todo seu valor. Nas Constituições podemos ler: ‘Nossa Ordem é um Instituto monástico integralmente ordenado à contemplação’ (Cst. 2). Para alguns, é seguida de sinais extraordinários (êxtase, matrimônio místico, etc.) como dom gratuito de Deus. Não são incitados pela criatura, por isso os chamamos de gratia gratis data (graça dada de graça). Nossas místicas, em maior ou menor grau, os vivenciaram com a humildade própria dos santos na vida consagrada de suas respectivas comunidades.

Ir. Marina Medina, O. Cist., escreve que “O melhor modelo no qual se pode fundamentar a vida das consagradas é Maria, a mulher por excelência, que, vivendo a sua condição de mulher, se entregou por inteira ao plano de Deus a seu respeito, confiando, totalmente. A mulher que permanecendo virgem, segundo o projeto de Deus, se torna a mais fecunda de todas as mulheres. A Virgem Maria, Mãe de Deus e Mãe dos homens. Há uma fecundidade maior?”

“Toda mulher, em virtude do seu ser, tem uma missão especial; portadora de ternura, é o rosto mais humano de Deus e de Sua Presença no mundo. Quando a mulher decide se doar, sabe entregar-se plenamente a Deus e, por Ele, aos seres humanos. Portadora e transmissora de vida, a feminilidade se faz mais viva e se realiza mais plenamente na mulher consagrada que deve levar, a um mundo no qual impera a morte, a vida nova que Deus nos deu em Seu Filho Jesus Cristo. ‘A força moral da mulher, sua força espiritual se une com a consciência de que Deus lhe confia de modo especial ao homem, ao ser humano. precisamente devido à sua feminilidade. Nossos dias acolhem à manifestação da ‘genialidade’ da mulher que assegura a sensibilidade pelo humano em cada circunstância: pelo fato de que é humano” (p. 15-16).

Citando o Papa São João Paulo II, na Vita Consecrata n. 58, Ir. Marina finaliza o seu artigo assim: “Há motivos para esperar que um reconhecimento mais fundo da missão da mulher provocará cada vez mais na vida consagrada feminina uma maior consciência do próprio papel e uma crescente dedicação à causa do Reino de Deus. Isso poderá traduzir-se em numerosas atividades, como o compromisso pela evangelização, a missão educativa, a participação na formação dos futuros sacerdotes e das pessoas consagradas, à animação das comunidades cristãs, o acompanhamento espiritual e a promoção dos bens fundamentais da vida e da paz. Reitero, uma vez mais, às mulheres consagradas e à sua extraordinária capacidade de entrega, a admiração e o reconhecimento de toda a Igreja, que as sustém para que vivam em plenitude e com alegria sua vocação, e se sintam interpeladas pela insigne tarefa de ajudar a formar a mulher de hoje” (p. 22). O Papa Francisco tem levado, de modo corajoso, adiante esse santo propósito. Que no ramo feminino das grandes Ordens irmãs, cisterciense e trapista, essas palavras encontrem eco favorável. 

Outra monja, Ir. Rosária Spreafico, OCSO, nos demonstra como as duas Ordens, no âmbito feminino, têm procurado responder aos desafios próprios do nosso tempo. São suas palavras: “As abadessas têm sentido as exigências de uma verdadeira renovação espiritual que vá além da adaptação às novas estruturas. É a experiência disso que tem sido testemunhada em minha comunidade. Onde se colocava bem mais atenção era, sobretudo, nas dimensões mais profundas. Por exemplo, tratava-se de acolher e integrar as novas gerações com as exigências e os desafios que traziam consigo; isso nos levou a redescobrir a importância de escutar as pessoas, a interiorização pessoal e também as dimensões comunitárias da ascese da amizade, da colaboração, do diálogo; valorizaram-se também, de forma renovada, a tradição e a dimensão eclesial da vida monástica; concede-se mais interesse à qualidade efetiva da vida comunitária do que à adaptação das formas concretas, sem, contudo, descuidá-las. Pensemos, por exemplo, nas transformações de mentalidade que levam consigo um reequilíbrio do trabalho comunitário, transformações nos locutórios, nas saídas por exigências de trabalho, saúde ou estudo”.

“O esforço das comunidades femininas para melhorar a qualidade da formação tem sido importantíssimo. Às vezes, favorecendo certas especializações, organizando sessões de estudo para as formadoras etc.; no que diz respeito também à reforma litúrgica, todos os mosteiros femininos têm se consagrado a ela com entusiasmo e colocado a serviço da renovação seus dons de criatividade, colaborando com as comunidades masculinas. Ainda: não devemos nos esquecer do esforço feito pelas monjas para conseguir, graças a um trabalho assíduo, a autonomia econômica, em benefício do sentido da responsabilidade, da colaboração e do espírito empreendedor” (p. 57-58).

Trata-se, portanto, não de mera renovação acidental ou cosmética – por isso mesmo, estéril em frutos –, mas de algo profundo que, sem perder o contato exigido e exigente com a tradição ou com as fontes primitivas cistercienses, saiba não ser, de modo algum, anacrônica. Neste ponto, as monjas cistercienses da estrita observância nos têm legado bom exemplo e, mesmo em meio a uma crise quase geral de vocações em diversos países, vêm promovendo fundações.

Como conseguem essa fecundidade fundacional? É mesma Ir. Rosária quem nos explica: “Desde 1970, se realizaram 21 fundações e uma incorporação. Parece-me que nossa forma de realizar fundações, a nós monjas, tem sido concreta e comunitária. São raras as fundações experimentais ou realizadas sem conformar-se ao Estatuto das Fundações. Temos nos preocupado, sobretudo, na formação de um grupo de fundadoras antes da partida, da realização de um marco de vida, verdadeiramente, monástico, desde o momento da instalação, da autenticidade da vida monacal, concretamente, vivida (com uma atenção particular à liturgia e à vida comunitária). Sem entrar, em demasia, nos detalhes, a frequente presença de fundações de monjas tem estimulado também os monges nas fundações que eles haviam empreendido nas proximidades; isso quando as monjas não estavam ligadas à escolha que eles tinham feito, mas, sim, permaneciam atentas à sua própria sensibilidade e às exigências de sua comunidade nascente. Também poderíamos dar exemplos das relações com a casa mãe, integração de vocações locais, estilo de vida etc.” (p. 58).

O resultado, todavia, se dá “somente quando nos unimos umas às outras, quando nos deixamos configurar pela comunidade, quando aderimos à maternidade, quando somos capazes de acolher a vida para transmiti-la no momento que nos corresponda. Aqui estão alguns dos aspectos testemunhais que temos sido chamadas a dar por meio dessa reciprocidade:”

“- Testemunho do valor da “estabilidade” de uma pertença total e definitiva capaz de risco, esperança, ajuda afetuosa e maternal, respeito às jovens que procedem de um mundo no qual a idolatria de tudo o que é instintivo, tem como consequência o fugir de toda responsabilidade, parece estar infiltrada em todos os domínios”.

“- Testemunho de um sentido maternal vivendo o “trabalho” com um sentimento de gratuidade, de doação efetiva de si, um esforço de renúncia, de serviço. É ele um antídoto mais seguro contra a lógica do poder e a do rendimento, tão característicos de nossas sociedades industriais”.

“- Em conformidade com a doutrina do Vaticano II, é de grande importância para nós, fazer um esforço a fim de aprofundar na “doutrina de nossas Madres cistercienses”, para ir adquirindo sua mentalidade, para considerar o mistério do homem e da Igreja monástica. Não se trata somente de estudar este ou aquele ponto preciso, mas também de aprender um método de aproximação ao real que nos abra ao amor de Cristo e ao amor das pessoas da comunidade. Para isso, é necessário formar nossas jovens em uma lectio de textos patrísticos que lhes faça tomar consciência de suas raízes, da herança que lhes é transmitida, e de sua responsabilidade a respeito do momento histórico em que vivem”.

“- Introduzir nossas jovens na experiência do mistério que a “liturgia” nos envolve. Frente ao despertar de todas as formas de religiosidade que só apontam para satisfazer a necessidade individual de emoção espiritual, o Opus Dei (Ofício Divino) se apresenta como o lugar onde o mistério se comunica, se celebra, onde nos convertemos em servidoras por meio de nosso louvor, nossa oração, nossa oferenda” (p. 64-65).

Possa este artigo, em um tempo no qual as mulheres têm, cada vez mais, sido chamadas a uma maior participação na vida da Igreja, despertar reflexões e o desejo santo de, a exemplo da Virgem Maria, e das grandes místicas das Ordens cisterciense e trapista (recordemo-nos da Beata Gabriela Sagheddu), dizerem, também elas, um generoso “Sim” a Deus em um dos quatro mosteiros femininos do Brasil, o trapista, em Santa Catarina, e os três cistercienses: em São Paulo, no Paraná e Mato Grosso do Sul.