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Afinal, quem sou eu?

Jovem executivo pensativo
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Matheus Bazzo - publicado em 26/11/23
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Os frutos do autoconhecimento vão muito além das vantagens vocacionais e profissionais...

É comum que uma jornada de sucesso comece com a pergunta mais incômoda que poderíamos fazer: quem sou eu? Esse questionamento é extremamente desconfortável, talvez o mais desconfortável de todos. Estamos lá vivendo nossas vidas de maneira controlada e burguesa, anestesiados pelo entretenimento e pelas redes sociais. E, de repente, surge lá atrás da nossa mente esse espinho eterno. Quem sou eu? E dessa pergunta incômoda derivam seus filhotes igualmente incômodos: qual meu propósito? Estou fazendo tudo que posso? Qual o sentido do que estou fazendo?

Mas, afinal de contas, por que precisamos responder a essas perguntas? Será que esquecê-las não seria mais fácil? Acontece que resulta de sua resposta o sucesso dos empreendimentos mais fundamentais de nossas vidas.

Há uma frase de Margaret Thatcher que costumo repetir aos times das minhas empresas: “Ser líder é como ser uma dama: se você precisa provar que é, então é porque não é.” Ou seja, é necessário ser antes de parecer ser. E esse ser só pode surgir a partir da realidade da vida. Ser um líder de verdade só é possível àquele que, como dizia Ricardo Güiraldes, “sabendo dos males desta terra, por tê-los vivido, temperou-se para domá-los”. 

Conhecer a si mesmo e suas próprias limitações é o cerne para uma carreira de sucesso, pois nela se nota a atuação de um líder. Seja como líder interno dentro de uma empresa, seja como líder fundador de um negócio, seja como profissional independente, a influência é o grande sinal do profissional vocacionado. Todos somos chamados a sermos líderes e influenciadores (não confundir com influencers) — em nossa família, trabalho e vida social. Somente um líder de verdade é capaz de conduzir um empreendimento magnânimo por longo prazo de maneira estável e segura para seus próximos. 

Mas, para isso, é imprescindível conhecer-se. O surgimento de um líder magnânimo acontece de forma concomitante ao surgimento da resposta daquela pergunta impertinente sobre quem nós somos. Citarei três características para ajudar nesse discernimento.

O primeiro atributo que favorece a liderança no autoconhecimento é que conhecer-se ajuda a reconhecer os meios de ação. Aquele que sabe de suas limitações, sabe também o que é e o que não é capaz de fazer. Isso é valioso e evita muitos erros na vida. Especialmente quando se está vivendo uma carreira de ascensão, é fácil iludir-se com algumas conquistas e acreditar que é capaz de realizar coisas maiores, esquecendo-se das responsabilidades menores. É o caso do peixe que morreu asfixiado, pois achou que poderia ser um pássaro e pulou para fora d'água. Conhecer os próprios limites é um elemento imprescindível para nosso desenvolvimento.

Dessa primeira característica surge a segunda: conhecer os limites nos permite a correta delegação do trabalho. Há, na jornada de cada um, o instante decisivo quando é necessário transmitir aos subordinados ou aos colaboradores atividades que você não é mais capaz de executar. Naturalmente, crescer é delegar. Porém, só é possível delegar de maneira saudável aquele que sabe mais sobre si mesmo. Ou seja, quem reconhece o que pode e o que não pode fazer.

A terceira característica no desenvolvimento de um líder é que quem está próximo reconhece a autoridade pela sua integridade. Ou seja, o líder verdadeiro é aquele que pratica o que prega. Em inglês, temos a expressão “walk the talk” — aquele que anda conforme diz. É muito fácil fingir autoridade nas redes sociais. É muito fácil atribuir a si mesmo grandes feitos, especialmente quando estamos tratando com uma plateia com poucos critérios e sem a devida educação, como é infelizmente o caso de muitos brasileiros. O público daqui é facilmente enganado pela aparência de liderança e autoridade. Porém, para conduzir uma carreira grandiosa, é necessário exercer influência e liderança em pessoas próximas de você e por muito tempo. De maneira que a liderança falsa, a liderança de palco, é facilmente contestada dentro de uma hierarquia de empresa ou organização. Para isso, é fundamental que o líder se conheça. As pessoas notam, mesmo que intuitivamente, quando estão lidando com um charlatão. Há dentro de cada pessoa uma centelha divina de inteligência: em alguns, mais e; em outros, menos ou muitíssimo menos. Mas sempre há. Um legado de sucesso só se constrói mediante a atuação de uma pessoa que se conhece e se mantém íntegra aos seus limites e propósitos. A integridade é o fermento da liderança. É aquilo que permite que ela cresça e se desenvolva de maneira natural e orgânica. 

Mas os frutos do autoconhecimento vão muito além dessas vantagens vocacionais e profissionais. Precisamos sempre manter nosso horizonte o mais longínquo possível. O livro do Apocalipse conta que, no fim dos tempos, cada um dos que forem salvos receberá uma “pedra branca, na qual está escrito um nome novo que ninguém conhece, senão aquele que o receber” (AP 2,17). Há inúmeras interpretações sobre esse trecho, muitas delas explicitando seu sentido escatológico. Porém, não deixa de chamar atenção o sentido profundamente vocacional. No ocaso dos tempos — seja no Apocalipse do tempo ou de nossa biografia pessoal —, receberemos um nome, uma identidade definitiva, escrito em uma pedra branca, pois é sinal de pureza, de consolidação da nossa identidade. Não uma pedra pigmentada, mas branca, pois representa que tudo aquilo que nós não somos, todas nossas sujeiras e impurezas foram apagadas da memória de Deus. A promessa da vida eterna é a da realização perfeita da nossa identidade e a resposta final para a pergunta: quem sou eu?