Em uma de suas frases mais conhecidas, o escritor francês Jacques-Bénigne Bossuet afirma o seguinte: "A Igreja é Jesus Cristo, mas Jesus Cristo disseminado e comunicado". Se a Igreja é "Jesus Cristo", ela é ao mesmo tempo natural, no sentido humano, e perfeitamente sobrenatural, acima das leis da física, divina. Ela é forte de Deus e fraca pela fraqueza dos cristãos que são suas pedras vivas. Esse é um preâmbulo necessário antes de enfrentar uma dificuldade: como a Igreja reage diante do sobrenatural, diante dos fenômenos místicos de seus membros, sendo ela mesma aparentemente a "especialista" nisso?
Padre Pio é conhecido pelos fiéis, que já eram muito numerosos e iam em peregrinação a Pietrelcina enquanto ele ainda estava vivo, por seus estigmas, seu dom de bilocação (estar em dois lugares ao mesmo tempo) e de cura… Mas quem sabe que houve um tempo em que suas atividades públicas foram proibidas, e que, embora tenha sido canonizado, a Santa Sé não se pronunciou sobre a veracidade dos fenômenos sobrenaturais que o envolviam? Ela reconheceu a caridade e a bondade dele como sacerdote e grande confessor.
A piedade popular ainda lembra seus estigmas e suas mãos enluvadas. Ele não é o único nesse caso, e apenas dois estigmatizados são considerados autênticos para as autoridades romanas: São Francisco de Assis e Santa Catarina de Siena.
Demais elementos sobrenaturais na vida de Yvonne Beauvais?
"Demais milagres", disse o Vaticano, em uma situação semelhante, sobre o caso de Yvonne Beauvais (1901-1951), conhecida como Yvonne-Aimée de Malestroit, cidade de seu convento na França. Uma jovem freira sobre a qual foi lançado recentemente um livro na França, chamado simplesmente Malestroit.
Nele, o autor Jean de Saint-Cheron, inicialmente cético, narra os eventos sobrenaturais que cercam a vida da religiosa agostiniana, grande amiga dos pobres e resistente: floralias (aparições inexplicáveis de flores), suor de sangue, bilocações, profecias… Fenômenos ainda mais perturbadores por serem atestados, na maioria das vezes, por numerosos testemunhas. "Demais milagres", portanto, e uma proibição, a partir de 1960, por receio de um grande entusiasmo popular, de falar sobre eles. A não ser em um livro autorizado, do padre René Laurentin, especialista em aparições marianas.
À primeira vista, essas limitações romanas parecem paradoxais: a fé não professa que Deus mesmo age "sobrenaturalmente" nos sacramentos? E no principal deles, a Eucaristia, transformando o pão e o vinho no corpo e sangue de Cristo? Certamente, mas a fé não é irracional nem contrária à verdade. Por isso, a Igreja estabelece critérios que servem para julgar os fenômenos místicos.
Em maio de 2024, o Dicastério para a Doutrina da Fé (DDF) do Vaticano divulgou as "Normas para proceder no discernimento de presumidos fenômenos sobrenaturais", que trazem várias novidades, entre elas a de não se pronunciar formalmente sobre a "sobrenaturalidade" (ou veracidade) dos fenômenos.
Debates intermináveis, bispos superados pela piedade popular antes de tomar uma decisão… e, principalmente, o risco de "encaixotar" o Espírito Santo em categorias. O Vaticano prefere níveis, seis categorias de fenômenos, do "nada se opõe" à "declaração de não-sobrenaturalidade".
Prudência da Igreja
Assim, a Igreja escolhe a demonstração pelo contrário, sendo definitiva apenas quanto à falsidade dos fenômenos, "quando se verificam sinais objetivos e claramente indicativos de manipulação à base do fenômeno, como por exemplo quando um presumido vidente declara ter mentido, ou quando as provas indicam que o sangue de um crucifixo pertence ao presumido vidente etc.".
Da mesma maneira que é racional crer, mesmo que a razão ceda lugar à fé para afirmá-lo, um fenômeno sobrenatural não pode ser contrário às leis da razão, mas permanece inexplicável, no estado atual do conhecimento. "A graça não anula a natureza", diria São Tomás de Aquino. Essa é também a regra para o reconhecimento dos milagres, como em Lourdes, onde a Igreja reconheceu oficialmente apenas 71.
Essa prudência se explica. Em um artigo de opinião no jornal francês Le Monde, o mesmo autor do livro, Jean de Saint-Chéron, observa justamente que "considerando o número de falsificadores e simuladores que tentaram exercer sua influência sobre almas em busca de esperança ao longo da história, a Igreja faz bem em ser cautelosa".
Os fenômenos sobrenaturais podem ser uma ajuda
A Igreja nunca exigiu que os fiéis aderissem a algo além de Cristo, "plenitude pessoal da Revelação", como afirma o Vaticano II. Bento XVI explica assim, em sua exortação Verbum Domini, a partir de suas declarações sobre Fátima (A Mensagem de Fátima), que os fenômenos sobrenaturais são "uma ajuda, que é oferecida, mas da qual não é obrigatório fazer uso. Em todo o caso, deve tratar-se de um alimento para a fé, a esperança e a caridade, que são o caminho permanente da salvação para todos.”
Ao afirmar isso e ao ser cautelosa quanto aos fenômenos sobrenaturais, a hierarquia católica está tentando, na verdade, equilibrar duas exigências ligadas à sua natureza, lembrada no início do artigo. A Igreja tem a magnífica missão, especialmente em um mundo materialista, de afirmar, a tempo e a contragosto, que o Invisível é uma realidade muito mais real e muito mais necessária do que o visível. Mas, ao proclamar a Encarnação do Verbo, a fé também lembra que o mundo como ele é, ou não é, é amado por Deus, que escolheu se revelar a todos. Muitas vezes, por meio de uma via paradoxal de pecadores e fraqueza, a matéria-prima da Igreja. Os fenômenos sobrenaturais estão no coração dessa tensão, que não deve tirar o cristão da natureza, mas permitir-lhe acolher a graça através dela.