Quando a santidade brota no interior de Minas
Era ano de 1869, numa pequena cidade de Iguatama, Minas Gerais, que nasceu Ananias de Paula Vieira. Desde cedo, sua vida indicava algo especial — uma vocação ao sacerdócio que haveria de se aprofundar com o tempo e surpreender por sua simplicidade, empatia e humildade. Ordenado padre em Mariana, Ananias percorreu caminhos que o levariam a servir comunidades com profundo zelo: foi vigário em Piumhi, professor no Colégio Pinheiro Campos, confessor no colégio das Irmãs, capelão na Escola Normal e na Santa Casa de Misericórdia. Mas foi quando chegou a Oliveira, em 1912, para assumir a Paróquia de Nossa Senhora de Oliveira, que sua figura se tornou central na vida espiritual e social da cidade.
Enquanto padre, Ananias cultivava algo além dos sacramentos: um coração que ouvia, via, acolhia. Os fiéis se lembram dele como alguém que praticava o que, séculos depois, muitos reconheceriam como traços da psicologia moderna — não voltado ao julgamento, mas à empatia, à escuta paciente. E havia em seu modo de viver uma ternura que transbordava até para os animais, companheiros silenciosos de caminhada. Não por acaso, sua relação afetiva com os animais é até hoje lembrada entre devotos — imagem delicada de alguém que via em cada criatura traços do Criador.
Ananias viveu até os 89 anos, morrendo em 16 de julho de 1958, vítima de insuficiência respiratória, na Santa Casa de Oliveira. Sua morte marcou o fim de uma vida longa, mas de presença intensa: presença de fé, de convivência, de raízes fincadas no cuidado com cada pessoa que o procurava.
O caminho para o altar: de padre a Servo de Deus
Décadas após seu falecimento, a comunidade que conheceu Ananias — os fiéis, as paróquias, os historiadores — sentiu que havia algo mais do que saudade: uma fama de santidade. Surgem então testemunhos, memórias, práticas de piedade, relatos de bênçãos atribuídas à sua intercessão. Há também um acontecimento misterioso, que circula entre devotos: em 1960, teria ocorrido uma aparição, à cabeceira de sua cama, na forma da silhueta de Nossa Senhora de Lourdes — um sinal que muitos guardam com reverência.
Movida por estas memórias e reconhecimentos, a Diocese de Oliveira avançou com o processo formal junto ao Vaticano. No meio deste rito de longa duração, é exigida investigação rigorosa: coleta de documentos, depoimentos, confirmação de virtudes heroicas, verificação de testemunhos de milagres. O passo inicial — e muito significativo — é obter o nihil obstat, expressão latina que significa “nada impede”: esse sinal oficial do Vaticano significa que não há objeções formais para que o processo prossiga. Esse momento chegou em 21 de maio de 2025 para Ananias (e também para o padre José Erlei de Almeida, seu confrade), confirmando que o caminho para a canonização estava aberto.
Com essa autorização, Ananias passa oficialmente a ser reconhecido como Servo de Deus — o título que marca o início da jornada rumo a venerável, beato e, quem sabe, santo. Desde esse momento, cada detalhe da sua vida passa a ser escrutinado: sua fé, seus atos, sua coerência, sua reputação nos corações de quem o conheceu e de quem nunca o viu, mas sente sua intercessão. A diocese responsável reúne documentos, pesquisa milagres atribuídos a ele, verifica o impacto de sua obra espiritual.
Reflexo de uma vocação viva
A história do cônego Ananias nos mostra que a vida sacerdotal, mesmo em cidades pequenas ou paróquias modestas, pode tocar profundamente corações, gerar esperança e deixar marcas que atravessam gerações. Ele não foi santo por suas próprias forças, mas por uma entrega radical à fé, por uma escuta atenta ao sofrimento humano, por uma presença constante junto ao próximo. E é essa vida concreta, com suas virtudes, seus sinais — visíveis ou sutis — que fundamenta o processo de canonização.
Ser Servo de Deus não é simplesmente um título honorífico: é reconhecer publicamente que existe vida virtuosa, exemplar, digna de ser estudada, imitada, venerada. É lembrar que Deus pode fazer grandes coisas através daqueles que vivem humildemente, com autenticidade, com abertura ao mistério.









