O ano era 1974 e o mês era abril. Nos primeiros dias desse mês Portugal estava em um período conturbado, à beira do fim do regime totalitário que já durava 40 anos. Faltavam poucos dias para a Páscoa e o período da Quaresma preparava os fiéis para essa celebração.
O mineiro Padre José Fernandes de Oliveira, mais conhecido como Padre Zezinho estava em uma conferência na Universidade de Coimbra. O sacerdote que é especialista em comunicação estava absorto nos temas de ponta que eram tratados dentro da universidade e também apreensivo pelos dias que não sabia que eram o prelúdio da Revolução dos Cravos.
Nesse contexto, uma criança de 9 anos aparece diante do religioso com um papel e um lápis na mão. Pediu ajuda do pai para se encontrar com um sacerdote que pudesse ajuda-la no dever de casa. A tarefa, de fato, não era simples. A menina deveria descrever quem era Jesus.
Padre Zezinho conversou com a menina, se desligou do seu mundo intelectual e falou coisas sobre o universo afetivo que a menina deveria conhecer melhor. Explicando com simplicidade, ele disse à menina que para saber quem era Jesus ela deveria amar como Jesus amou, pensar como Jesus pensou, sorrir como Jesus sorria e dormir em paz como Jesus.
Como quem sabia que ali tinha poesia, a menina pediu para o padre repetir tudo que ela queria escrever para apresentar na escola. Padre Zezinho também fez seu dever de casa, depois, e musicou as palavras que lhe vieram de forma tão espontânea. Logo essa música foi apresentada na Paróquia de Arroios, em Lisboa, e os fiéis a cantaram para compensar os dias de tensão daquele revolucionário abril de 1974.
Aliás, a música foi marcante nesse momento marcante. A Revolução dos Cravos foi marcada por essa flor que os manifestantes colocavam nos fuzis dos soldados e também pela canção Grândola que em seus versos evoca a fraternidade. Essa canção tocou na Rádio Renascença, emissora católica portuguesa, à meia noite de 25 de abril indicando o sinal verde para a revolução que instaurou a democracia e terminou as guerras coloniais.
Padre Zezinho lançou no mesmo ano essa música no Brasil em um LP intitulado “Histórias que eu conto e canto”. Ao longo de cinco décadas essa canção é repetida nas igrejas como uma visão lúdica sobre o ser cristão. Na Carta aos Filipenses, Paulo exorta os fiéis a ter “os mesmos sentimentos de Jesus” (2,11). Padre Zezinho, nesse sentido, fala sobre ter as mesmas atitudes que Jesus e, assim, encontrar a resposta para a profunda questão sobre a felicidade.
Uma música adequada para crianças e que encanta adultos. Em 2011 o Padre Marcelo Rossi gravou essa música e o Padre Alessandro Campos, em 2015; Joana também gravou essa música em um CD todo com canções de Padre Zezinho, em 2011; Fernanda Takai gravou uma versão com linguagem musical infantil com a participação de Padre Fábio de Melo; na novela “Cúmplices de um Resgate”, veiculada no SBT em 2016, o personagem Padre Lutero contou essa música. Uma música com uma história que perpassa os anos compondo a história de muitas pessoas. Essa dimensão transcendente da música é reveladora da mensagem divina que a arte transmite. Uma mensagem para além de seu tempo, para além da folha de papel da menina, que cabe muito bem para os questionamentos atuais sobre a felicidade.









