O tráfico humano, um crime bilionário e, muitas vezes, oculto, movimenta anualmente mais de US$ 200 bilhões no mundo, segundo o bispo da Diocese de Roraima, Dom Evaristo Pascal Spengler. Em entrevista à Rede Imaculada de Comunicação, o presidente da Comissão Episcopal Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) afirma que a prática, embora ilegal, prospera sobre uma mentalidade escravocrata que persiste na sociedade.
Para Dom Evaristo, a mentalidade de que "um ser humano tem mais poder que o outro" é a raiz do problema. “Nós ainda hoje nos deparamos com pessoas que falam assim, ‘você sabe com quem você está falando?’ Significa que ele diz, eu sou de uma outra categoria do que você”, explica.
Ser humano como mercadoria
A Igreja Católica, segundo o bispo, vê o tráfico humano como um grave pecado, uma "chaga atroz". A prática, em total conflito com a fé, desumaniza as pessoas, tratando-as como objetos. "O tráfico de pessoas trata o ser humano não como uma imagem e semelhança de Deus, mas como uma mercadoria", afirma.
As principais finalidades do tráfico, diz o bispo, são:
Exploração sexual: 85% do lucro global do tráfico de pessoas provém dessa atividade.
Trabalho escravo: as vítimas são submetidas a jornadas exaustivas, sem direitos ou condições dignas.
Venda de órgãos: pessoas, incluindo crianças, são traficadas para a extração e comércio ilegal de órgãos.
Um caso de tráfico humano
“Eu encontrei, em uma visita, em Breves, no Pará, uma mulher de 56 anos, que estava muito doente. Perguntei o que tinha e ela contou que uma família levou a filha de 14 anos para Belém para poder estudar, trabalhar e ter melhores condições de vida. Mas no dia seguinte à partida, a mãe não conseguiu mais contato com a filha”.
Acompanhando o caso, Dom Evaristo conta que a moça foi encontrada depois de 6 anos, no Maranhão. “Ela estava num trabalho escravo fazendo fritura de salgadinhos, e num certo dia, ela pensou em fugir. À noite foi atrás da casa que tinha um poço, jogou uma pedra no poço e as pessoas acharam que ela tivesse se jogado no poço e se afogado, e nesse momento, ela conseguiu pular por cima do muro na frente da casa”, contou o bispo.
A moça empreendeu fuga em direção a uma pessoa que ela tinha conhecido e que disse que poderia ajuda-la, mas era uma outra armadilha. Foi prometido um trabalho fácil de entregar mochilas para motoqueiros, mas era tráfico de drogas. Ela teve novamente que fugir, conseguiu chegar a Belém, e obteve ajuda para retornar ao arquipélago do Marajó onde encontrou sua mãe doente.
O papel da Igreja e da sociedade
A Igreja Católica atua na prevenção, na conscientização e na incidência política para combater o tráfico. Dom Evaristo destaca a Campanha da Fraternidade de 2014, que abordou o tema, e a Comissão Episcopal para o Enfrentamento ao Tráfico Humano, que capacita líderes em todo o Brasil. A missão é sensibilizar a sociedade sobre este grave crime que viola os direitos humanos e oferecer ferramentas eficazes para prevenção, acompanhamento das denúncias e ações de incidência política.
O bispo enfatiza que a Igreja foca na prevenção, já que a maioria das vítimas é aliciada e não levada à força. Ele alerta para o perigo das redes sociais, que se tornaram uma ferramenta poderosa para aliciadores. “Hoje, modernizou-se a sedução para o tráfico. Normalmente, os convites vêm a partir da internet. Então, a internet, especialmente depois da pandemia, se tornou uma ferramenta muito poderosa para os aliciadores buscarem vítimas para o tráfico de pessoas”. Pais e familiares devem estar atentos a sinais de alerta, como mudanças de comportamento e presentes suspeitos.
Os maiores desafios, segundo Dom Evaristo, são a falta de conhecimento da sociedade sobre a dimensão do problema e a despreparação de órgãos de segurança para identificar e tipificar o crime corretamente. "Até mesmo as próprias vítimas, quando são aliciadas, não se dão conta, muitas vezes, de que estão sendo levadas para o tráfico", observa. Ele alerta que, na busca por uma vida melhor, muitas vítimas caem novamente na mesma armadilha.
Para combater esse crime, o bispo defende um esforço conjunto da sociedade: imprensa, igrejas, e órgãos públicos. “Se nós não tomamos à frente e não somos pessoas que possam levar esse sal da terra, essa luz para o mundo, esses crimes continuarão existindo com muita força”, conclui.









