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Acha que não pode se recuperar depois de um fracasso? Ouça este padre

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Edifa - publicado em 16/12/19

O fracasso no amor, o fracasso profissional... O fracasso é assustador. É sempre difícil de viver e aceitar, mas pode ser um grande impulso para a felicidade. Em determinadas condições...

Não se deve fazer da aceitação do fracasso uma ideologia. Não há necessidade de deixar de ser feliz. Mas é um fato: não podemos deixar de falhar. O fracasso é como uma característica essencial do ser humano. Para o beneditino alemão Anselm Grün, esta experiência dolorosa pode ser uma verdadeira oportunidade para um renascimento, uma abertura a Deus e uma oportunidade para um novo começo e uma verdadeira felicidade.

Como você define o fracasso?

Padre Anselm Grün: Em alemão, “scheitern” (falhar) vem de “scheit” (tronco, pedaço de madeira) e “scheiden” (cortar, separar). Falhar é separar o que era um. A unidade se rompe, a coisa toda se desmorona, o projeto inicial falha em ter sucesso e se desfaz. A palavra “scheiden” é usada, por exemplo, para significar a quebra de um casamento: o casal se divorcia, se separa.

Encontramos também esta palavra em “Abschied”, “adeus”: cada fracasso significa assim um adeus à imagem ideal que tínhamos da vida e de nós mesmos. E em “Verscheiden”, que significa “morrer”, o fracasso também tem algo a ver com a morte. Algo morre, no qual tínhamos depositado todas as nossas esperanças. No meu amor, na minha vocação, no meu compromisso, não consigo o que podia esperar, mas, pelo contrário, um resultado negativo e infeliz. O sonho quebrou.

Em que condições pode este desastre ser uma oportunidade de desenvolvimento?

Se o aceitarmos, se pararmos e nos perguntarmos: será que o nosso projeto de vida não foi demasiado unilateral e estreito até agora? No coração do fracasso, temos de decidir que novo caminho tomaremos. Ainda precisamos ser capazes de “distinguir”, de analisar por que falhamos, e como poderemos recolher as peças para nos engajarmos em uma nova vida.

O fracasso pode nos encorajar a reunir os fragmentos de nossas vidas para nos tornarmos novamente aquela pessoa única que Deus quer fazer de nós. A felicidade, na minha opinião, não é apenas estar em harmonia consigo mesmo, mas estar em harmonia com essa “imagem” única e excepcional que Deus tem de mim. No entanto, o fracasso mostra precisamente que substituí esta “imagem” divina por outra imagem que corresponde mais às minhas próprias representações do que à vontade de Deus.

Muitas pessoas caem e não têm a oportunidade de se levantarem depois de um fracasso…

Exactamente. Não os podemos julgar. Muitas pessoas têm vidas muito difíceis, e não sei se eu teria forças para lidar com isso se estivesse no lugar delas. Mas eu também vejo pessoas que estão presas em seu sofrimento porque não estão prontas para quebrar as falsas idéias que têm sobre a vida. Estão tão desiludidas consigo mesmas e “desapontadas” com Deus que renunciam à Esperança. Ora, é precisamente no fracasso que é importante invocar a fé em Deus, naquele Deus que ressuscita os mortos e quer me levantar do túmulo das minhas trevas e dos meus fracassos.

Cada fracasso é acompanhado por sentimentos de culpa. Não é outro obstáculo à felicidade?

A culpa pode paralisar e torturar. No fundo do nosso coração – seja o casal que falha, seja o religioso que deixa a sua ordem ou o sacerdote o seu ministério – pensamos que devíamos ter conseguido, que devíamos ter perseverado. Não cedemos ao egoísmo? Não nos deixamos influenciar pelo espírito dos tempos, que só fala de autodesenvolvimento? Não era o caminho a seguir o de carregar as dificuldades como uma cruz e até o fim?

Mas não vale a pena reprimir a culpa: é preciso olhar para ela de frente e de perto.

Os sentimentos de culpa não são por vezes alarmes que nos avisam que estamos numa impasse?

Eles podem, de fato, chamar a nossa atenção para o fato de que nós estamos nos perdendo: é então um convite a viver de maneira mais autêntica. A culpa pode trazer abertura se formos capazes de resistir à culpa e ao desresponsabilização. Os sentimentos de culpa nos provam que é impossível passar pela vida sem se arriscar a sujar as mãos. Mostram que não somos perfeitos e que não o podemos ser. Eles quebram nossa certeza peremptória, para que Deus possa entrar em nossos corações.

Devemos apresentar o nosso erro ao Senhor e crer no Seu perdão. Então poderemos nos perdoar e nos libertar desses sentimentos de culpa. A confissão é uma ajuda preciosa a este respeito.

Pode o fracasso dos outros quebrar a nossa felicidade?

Ajuda a nos desestabilizar. Isso nos obriga a questionar a autenticidade de nosso projeto de vida, o medo que temos de mudar nossas vidas. Ele nos exorta a seguir a recomendação de São Paulo: “Quem pensa estar de pé veja que não caia” (1 Coríntios 10:12).

Quando analisamos nossas vidas sinceramente, encontramos situações de fracasso, ilusões quebradas, impasses. Somos seres que falharam. No entanto, no fracasso, devemos ter fé nesta palavra de São Paulo:”Deus é fiel: não permitirá que sejais tentados além das vossas forças, mas com a tentação, ele vos dará os meios de suportá-la e sairdes dela” (1 Coríntios 10:13).

Como definiria a felicidade em relação à paz interior?

A felicidade é, na minha opinião, a expressão da paz interior: um sentimento que me invade quando estou em paz comigo mesmo. Felicidade, em alemão, significa “sucesso de vida”: é a expressão de uma vida cumprida.

Não podemos “fazer” a felicidade, mas podemos fazer a paz: posso contribuir para adquirir essa paz que me dará felicidade. Paz significa que eu digo “sim” a mim mesmo. Em latim, a palavra “pax” significa “falar com os inimigos”. Tenho de falar com os inimigos da minha alma. Estes inimigos podem se tornar amigos se eu puder me entender com eles. Então já não tenho de os temer. Estou em paz comigo mesmo.

Quais você acha que são as condições para a verdadeira felicidade interior?

Precisamente, dizer “sim” a si mesmo. Erasmus diz que a felicidade tem a ver com “ser quem se quer ser”. Outra condição é viver com todos os seus sentidos, viver intensamente, tomar conta da sua vida. Quando tudo “corre bem”, estou feliz. Mas “correr bem” requer que eu desista do meu ego narcisista e me volte para os outros.

O que você acha que é o obstáculo fundamental para a felicidade?

Uma expectativa exagerada de vida. A ilusão de que tudo deve ser sempre o melhor possível. Mas ser feliz é aceitar ser um homem como todos os outros. As ilusões levam ao medo: medo de não alcançar o ideal, medo de ser julgado pelos outros, medo de não agradar a Deus. Por isso, levamos o nosso ideal como uma carga e estamos infelizes. Outro obstáculo me parece ser o consumo, como se tudo pudesse ser comprado, até a felicidade…

Podemos ser totalmente felizes aqui na Terra?

Não, nunca totalmente. Mesmo que experimentemos uma grande felicidade por um momento, descobrimos em nós mesmos o ardente desejo de uma felicidade ainda maior. De fato, só Deus pode realizar nosso desejo de felicidade e “êxito na vida”. Quando experimentamos Deus, nos sentimos plenamente felizes. Como Teresa de Ávila, podemos dizer: “Só Deus basta”. Mas no momento seguinte experimentamos novamente a distância de Deus e a insatisfação. Não só o não cumprimento de nossos desejos de felicidade, mas também a decepção que essa realização traz, nos manda de volta à Deus.

No final, só descobriremos a verdadeira felicidade no Encontro da Morte.

Portanto, o fracasso é uma oportunidade?

Só pode ser para quem aceita ser despojado de tudo. Então, neste abandono, Deus pode lhe aparecer como aquele que desceu ao fundo da nossa inutilidade através de seu filho Jesus Cristo. São João da Cruz está convencido de que a imagem do Crucificado só pode marcar aqueles que estão vazios de tudo.

Aquele que fracassa muitas vezes passa por esta “morte de si mesmo” evocada pelos místicos, sem ter que praticar. Com a dissolução do ego, ele perde sua confiança e não tem mais nada. É do fundo do nada que ele experimenta Deus de uma forma nova. Quando já não tem nada de estável para construir, Deus aparece a ele como o verdadeiro fundamento de sua vida. Ele não pode mais contar com sua vida profissional, com seu casal, com sua vida monástica… Tudo lhe é retirado, ele se vê desnudo. E é precisamente esta nudez que lhe revela Deus como o fogo autêntico que inflama a sarça.

A Sarça ardente ilustra bem a experiência espiritual do fracasso: a perda de todas as garantias pode levar ao mistério do amor divino. Moisés se vê como alguém que falhou, se sente inútil, e é no momento em que não é nada que nasce sua vocação de grande profeta. Mas teve de tirar os sapatos para se aproximar do mistério de Deus…

Entrevista realizada por Luc Adrian

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