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Ainda é possível ganhar a vida sem perder a alma?

HOMEM ESTRESSADO NO TRABALHO

Tero Vesalainen I Shutterstock

Edifa - publicado em 25/02/20

Quer sejamos gerente ou funcionário de uma empresa, não é fácil viver como cristão no ambiente profissional. Estratégia, eficiência, conflitos, ciúmes, pressão... Alguns cristãos às vezes sentem que o trabalho os afasta de suas convicções. Ainda é possível combinar vida cristã e vida profissional?

É possível reconciliar a fé e a responsabilidade cristãs diante dos desafios do mundo do trabalho, mas sob certas condições. O coach cristão Alain Setton revela como ter sucesso no mundo profissional graças aos valores cristãos.

Os valores do Evangelho podem ser obstáculos no mundo profissional?

Pelo contrário, eles são uma garantia de sucesso e valores de future para a empresa. A fé torna possível viver melhor. Dá sentido à existência, às provações e aos conflitos. Eles se tornam pontos de apoio para nos transformar e crescer espiritualmente. Como a estrela que guia o pastor, os valores bíblicos ajudam a gerenciar melhor os relacionamentos e a vida profissional.

Quando o dinheiro, não as pessoas, se torna o objetivo dos negócios, o poder está nas mãos do Inimigo. Não estou defendendo empresas deficitárias, mas o dinheiro não deve nos fazer perder de vista o essencial: o homem. Há um equilíbrio a ser atingido. Conheço chefes de pequenas e médias empresas que desejam dialogar com seus funcionários e compartilhar seus lucros. O tamanho da empresa tem o seu peso. Quanto mais ela cresce, mais difícil é. A vida profissional merece ser tingida com mais sabedoria. Então, o que poderia ser mais fundamentado do que a sabedoria divina?

A empresa tem, no entanto, seus imperativos: estratégia, sucesso, eficiência. Como reconciliá-los com seu ideal cristão?

“Devolva a César o que é César” Cabe a nós administrar o mundo visível e, por isso, mostrar-nos habilidosos. Jesus poderia reprovar os “filhos da luz” por serem menos atentos do que “os filhos deste século”. Reconhecer a existência de César não nos convida a negligenciar nossa dimensão espiritual.

O principal é discernir o que é justo, confrontando os diferentes componentes de nosso ser: nosso ego e nossa profunda aspiração como filhos de Deus. E o cristão ainda tem mais uma: ele quer ouvir sua dimensão espiritual. Isso permite que ele compartilhe seus dons.

Quando ignoramos essa estrela guia, a nossa alma enfraquece e muitos sofrem disso hoje em dia, principalmente os jovens. Separados do essencial, eles parecem peixes tentando sobreviver em água poluída.

Sob o pretexto de caridade, será que os católicos às vezes não têm dificuldade para se expressar em casos de conflito?

Colocar palavras em doenças libera. Para falar sem magoar a outra pessoa, duas condições são essenciais: encontre o momento certo e converse sobre fatos. Até os assuntos mais delicados podem ser verbalizados, num espírito construtivo de “ganha-ganha”. Como uma planta frágil, um relacionamento profissional é nutrido com o tempo. As entrevistas anuais são uma forma de construir o relacionamento. Elas oferecem uma oportunidade de expressar o que está funcionando, o que não está funcionando e o que pode ser melhorado, de forma recíproca, tanto com seu gerente e quanto com seus colaboradores.

Um subordinado tem o direito de expressar frustração. Tudo o que não é expresso é como um veneno no relacionamento. Assim, tal funcionário pode comentar com calma: “Você já me pediu três vezes para refazer esse trabalho. Tenho a impressão de que minha opinião não é levada em consideração. Podemos conversar sobre isso?” É aí que o outro toma consciência de seu comportamento e pode corrigi-lo. Vamos nos ajudar a transformar, crescer, nos tornar mais eficientes. Para esse fim, o diálogo é o responsável por manter a qualidade do um relacionamento, neutralizando as crises. Enquanto ele existir, há esperança.

No entanto, as críticas nem sempre são construtivas e geralmente são unilaterais. Como dizer a verdade sem desrespeitar ou ferir a pessoa?

Os jogos psicológicos mais usuais terminam sistematicamente com um perdedor, ou até com dois. Muitas vezes, sob o pretexto da crítica construtiva, apenas destacamos o negativo, sem acolher o 95% positivo. Isso é muito prejudicial. Imagine uma equipe que trabalhe três meses em um projeto. No dia da apresentação, a gerência observou apenas as falhas. A equipe fica desanimada por um ano ou mais. Esta é uma situação de “perder ou perder”. Crenças negativas sobre você e os outros se desenvolvem, levando ao estresse, exaustão e ineficácia.

As empresas se beneficiariam do desenvolvimento de um relacionamento do estilo “adulto-adulto”, em um diálogo igualitário e não aquele induzido pelo esquema hierárquico “pai-filho”. Falar diretamente, de forma simples e com bondade é uma habilidade que se aprende. Essa relação de confiança é em resumo muito mais “ganha-ganha”, responsável, e muito mais cristã.

Visar um lugar melhor, um salário mais alto, um trabalho mais interessante… sinais de motivação ou de inveja?

O desejo de progredir é um mecanismo eminentemente justo pois temos que desenvolver nossos talentos. Seria errado enterrá-los pois “a figueira estéril será cortada e lançada ao fogo“. O mundo dos negócios deve ser o local por excelência onde crescem competências, domínio técnico e habilidades interpessoais. Um critério para distinguir desejo de progressão e inveja é: o primeiro empurra para avançar, o outro gira em círculos. Cabe a nós transformar um desejo estéril em admiração, em aprendizado.

Será que a humildade tem espaço quando a vida profissional dá lugar de destaque aos que se vangloriam e aos que desejam aparecer?

Essas pessoas correm o risco de manifestar uma inflação do ego que revela facilmente seus limites. Elas não são necessariamente as mais interessantes ou as mais ouvidas. Humildade não significa desvalorização de si mesmo, do sucesso ou falta de confiança nas suas habilidades. A verdadeira humildade é a capacidade de desafiar a si mesmo, de ouvir os outros, de observar e analisar, sem ser sobrecarregado pelo seu ego. Ela é um trunfo na vida dos negócios.

Algumas teorias de gestão permitem que os liderem abram mais espaço para que outros colaboradores participem ativamente e empreguem seus talentos. Além disso, toda ação começa com uma fase de observação e reflexão. A humildade favorece esse tempo de recuo, o que ajuda a tomar decisões na hora certa.

Se a empresa encorajar a perfeição e a “falha zero”, podemos admitir um erro e permanecer credíveis?

Negar suas imperfeições é negar a realidade! Todo mundo comete erros. Cada um tem suas qualidades e seus limites. Ocultar sua culpa ou culpar a terceiros descredita a pessoa e a sua autoridade. Você se coloca num papel de perseguidor, dando ao outro a sensação de ser vítima e o desejo de se vingar.

Por outro lado, o reconhecimento de suas falhas ou dos danos causados demonstra uma capacidade de questionar a si próprio, habilidade valiosa para o mundo do trabalho. Essa grandeza da alma reforça sua autoridade porque esse comportamento afeta o interlocutor, mesmo que ele não verbalize nada. Ele o convida para uma forma de reconhecimento.

“Eu tenho um bom cargo na empresa que trabalho mas os “jovens lobos” estão observando minhas faltas”. Como reagir?

Um debate interior o faz perceber os problemas. As vozes do ego se levantam. Nossa máscara social convida a protestar: “Vou perder meu status!” Nossos impulsos defendem a explosão: “Mostrarei a esses jovens quem eu sou!”. E então a pequena voz espiritual em nós murmura: “Que eu diminua e eles cresçam”. De uma perspectiva mais ampla do que a do nosso próprio ego, conseguimos escolher a generosidade: dar, ajudar o outro a traçar seu caminho”. “O poder é como o amor: aumenta quando você o compartilha”, disse Peter Drucker, um teórico americano da administração.

Algumas culturas corporativas exercem pressões tácitas e negativas, como competir por quem sai mais tarde do escritório. Como conciliar vida profissional e familiar, sem surtar?

Toda a dificuldade consiste em não se tornar um prisioneiro da mensagem “seja como todos os outros”. Seja consistente com sua família, seu ambiente social, sua cultura corporativa, mas também assuma sua liberdade. Jesus continua sendo o modelo supremo de comportamento social: ele nunca seguiu um padrão de conformidade. Ele afirmou sua identidade com poder e simplicidade.

Minha responsabilidade consiste em discernir o essencial: estar em conformidade com meu ambiente de trabalho, ou me juntar à minha esposa, ver meus filhos crescerem e não me anular? Ficar no trabalho até as 21h para agir como colegas viciados em trabalho pode levar a sérias consequências.

O Evangelho nos convida a proclamar o Reino. Como demonstrar sua fé no trabalho?

Esta demanda explícita exige uma resposta gradual, marcada com delicadeza. Mas, na maioria das vezes, o proselitismo cresce e a rejeição aumenta. O testemunho passa então pela qualidade de ser quem você é, por ter coerência com seus valores, pelo senso de serviço, pelo respeito, pela valorização dos outros, pela bondade. Em resumo, por sua capacidade de amar, que cresce todos os dias. Você pode ser o fermento da massa onde quer que esteja. Se nos relacionamos com Jesus, ele pode nos ajudar a realizar milagres. Sob uma condição: que tenhamos fé!

Stéphanie Combe

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