Às vezes considerado como um vestígio de uma era passada, o jejum tem, no entanto, numerosas virtudes
A Igreja convida os cristãos a se voltarem profundamente para Deus, renunciando a tudo aquilo que pode ser considerado supérfluo.
Se provar da comida sempre foi, ao longo dos séculos, o meio privilegiado para entrar neste espírito de penitência.
No entanto, muitos cristãos hoje recusam ou abandonam o jejum e, portanto, perdem a chance de viver uma bela jornada de luz em direção a uma conversão sempre nova.
Se você acha que não é capaz de fazer jejum, aqui estão nove razões que farão você mudar de ideia.
O jejum, um renovar para uma alma envelhecida pelo pecado
A liturgia da Igreja nos chama claramente: “Convertei-vos e credes no Evangelho” (Mc 1,15). Mesmo sendo por primeiro obra do Espírito Santo em nós, a nossa conversão também depende da nossa colaboração. Aquele que disse que uma comunhão bem feita tinha mais valor do que três semanas à pão e água é o mesmo que jejuava e vigiava sem cessar: o Santo Cura d’Ars!
Três meios são tradicionalmente conhecidos como aqueles que nos permitem colaborar com o milagre da conversão em nossos corações. São eles a oração, a esmola e o jejum (Mt 6, 1-18). Tanto em Lourdes como em Fátima, Maria insistiu: “Penitência! Penitência! Penitência!” Vemos uma palavra velha, empoeirada e enrugada!
Poderíamos, no entanto, substituí-la por uma expressão: o renovar de uma alma envelhecida pela inércia e pelo pecado! Orar, jejuar e dar esmolas realmente constituem “purificações ativas” dos sentidos. Esses atos acompanham as “purificações passivas”, que consistem em suportar com paciência e até com alegria as provações e dificuldades da realidade cotidiana.
O jejum, um caminho de felicidade
Jejuar é nada menos do que deixar surgir, através da privação de um bem ao qual estamos apegados, uma fome mais profunda: a fome de Deus. O pecado consiste em se afastar do Criador e se voltar para uma criatura que se tornou um “ídolo”.
O jejum torna possível restaurar o desejo ao seu ímpeto original, ou seja, devolvê-lo a Deus para amar a Deus e nele, amar a sua criação.
“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão saciados” (Mt 5, 6): a bem-aventurança daqueles que têm o desejo ardente de se ajustar ao tom do coração de Deus para provar a alegria de sua presença.
O jejum nos ajuda a entrar em sintonia com Deus
É Cristo ele mesmo que nos pede que tenhamos em nós os mesmos sentimentos que estavam nele (Fp 2, 5-11). Esse ajuste gradual aos sentimentos do Cristo é a conquista da autêntica liberdade diante das servidões do espírito do mundo, do egoísmo e do amor possessivo. A harmonia acontece nos diferentes níveis relacionais de nossa existência.
Assim, podemos ajustar nosso relacionamento com Deus através da oração, da nossa relação com os outros, através de esmolas materiais e também espirituais – como por exemplo instruindo aqueles que não tem acesso à educação ou informação, aconselhando aqueles que hesitam, consolando os aflitos, corrigindo os pecadores, perdoando aqueles que nos ofendem, suportando os que são difíceis de suportar, sorrindo para todos e orando por todos – da nossa relação com nós mesmos e com nossos bens materiais, através do jejum.
O jejum e a virtude da temperança
O jejum nos ajuda a crescer na virtude da temperança. A temperança garante o controle da vontade sobre os instintos e, assim, libera o prazer legítimo que os bens materiais proporcionam. Mas a ascese não é em si uma virtude.
Em outras palavras, se não nos tornamos santos sem a ascese, não é também ela que nos fará santos. O orgulho bate sempre à porta. Portanto, é importante que o jejum seja acompanhado de atos de humildade, delicadeza e caridade.
Jejum e partilha
A liturgia da Quarta-feira de Cinzas especifica claramente o objetivo do jejum que somos convidados a viver: “Sabeis qual é o jejum que eu aprecio? – diz o Senhor Deus: é romper as cadeias injustas, desatar as cordas do jugo, mandar embora livres os oprimidos, e quebrar toda espécie de jugo.
É repartir seu alimento com o esfaimado, dar abrigo aos infelizes sem asilo, vestir os maltrapilhos, em lugar de desviar-se de seu semelhante. Então, tua luz surgirá como a aurora, e tuas feridas não tardarão a cicatrizar-se; tua justiça caminhará diante de ti, e a glória do Senhor seguirá na tua retaguarda” (Is 58, 6-8).
O jejum é, portanto algo inseparável da solidariedade com os mais pobres. Ele é uma maneira de entrar em uma compaixão mais real, uma comunhão mais carnal, com nossos irmãos e irmãs na humanidade que sofrem de desnutrição e com tantos outros que morrem por não serem amados. Significa apropriar-se do programa de Jesus: “um coração que vê” a miséria e que “nos impele” à ação.
Jejum para aprender a apreciar a vida
Teresa d’Ávila estava com João da Cruz em uma de suas casas quando receberam uvas magníficas! João da Cruz exclama: “Ah! Se pensarmos na justiça divina, nunca comeremos essas uvas! “E Teresa d’Ávila, pegando um belo cacho em sua mão, respondeu: “E se pensarmos na misericórdia divina, sempre as comeremos!”
O jejum não é um desprezo pelos bens deste mundo. O jejum não é um álibi usado para esconder uma dificuldade relacional com a comida, como a anorexia, por exemplo. “Quer vocês comam, quer bebam, quer façam qualquer coisa, façam tudo para a glória de Deus”, lembra-nos São Paulo (1 Cor 10, 31). Em última análise, o que importa não é o jejum ou a comida, mas o “amor ágape”. Toda ascese é de fato conduzida pelo amor.
O jejum, uma batalha espiritual
No entanto, como disse Bento XVI, “o cristão deve liderar uma luta como a que Cristo travou no deserto da Judéia e no Getsêmani, quando repeliu a extrema tentação ao aceitar a vontade do Pai até o fim. É uma luta espiritual, que é dirigida contra o pecado e, finalmente, contra Satanás. É uma luta, durante a qual são utilizadas as “armas” da oração, jejum e penitência e que requer uma vigilância atenta e constante”.
O jejum, um ato revolucionário
São João Paulo II insistiu muito na necessidade de jejuar em nossa sociedade de consumo. Restringir o consumo é um ato revolucionário real. É proclamar a primazia do ser sobre o ter, professar que a felicidade não é uma questão de quantidade, mas de qualidade.
A noite em que a luz se apaga
Se a Igreja continua insistindo na importância do jejum em nossa jornada de “combatentes” do amor, ela não esquece a gratuidade da graça.
No final da Quaresma, na noite de Páscoa, tudo explode diante da superabundância de misericórdia, diante do dilúvio de caridade: “Você que jejuou e você que foi negligente, honre este dia. Você que manteve a abstinência e você que não jejuou, alegre-se hoje! Receba a recompensa, tanto uns quanto os outros; ricos e pobres, celebrem esta festa juntos! A banquete está servido. Não deixem que ninguém passe fome. Todos participemos do banquete da fé; recebam todas as riquezas da misericórdia!” (São João Crisóstomo).
Mesmo que façamos esforços e desejemos ardentemente colaborar em nossa conversão, não depositamos nossa fé em nossas práticas religiosas. Colocamos a nossa fé em Cristo, que nos amou e que se entregou por nós.
Padre Nicolas Buttet