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Aborto espontâneo: do luto à oferta

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Edifa - publicado em 19/03/20
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Seja ainda dentro útero ou após o parto, a dor de perder um bebê parece esmagadora. As mães sentem que perderam parte de si mesmas. Como fazer para recomeçar após um aborto espontâneo? Algumas mães nos contam sobre como caminharam para a cura sobre o olhar misericordioso de Deus

O coração não está mais batendo“, anunciou o ginecologista de repente após o exame de rotina. “O embrião provavelmente está morto”. Tendo vindo sozinha depois de deixar os dois mais velhos na escola, Virgínia ficou chocada. Ela estava no terceiro mês de gravidez e não conseguia acreditar no que estava acontecendo.

Foi uma gravidez simples, diz ela, no mês anterior, eu tinha visto o bebê por ultrassom, ele estava vivo!”. De repente tudo desmoronou. O médico então a aconselha a se submeter a uma cirurgia para retirar a criança.

Quando ela acordou após a operação, só haviam lágrimas: “Chorei por uma semana, era inesgotável. Meu marido ficou ao meu lado e conversou muito comigo. Ele próprio estava terrivelmente triste. Levei meses para poder falar sobre isso sem chorar, com a impressão que alguém realmente tinha nos deixado”.

Sentimento de ser inútil, revolta, raiva, agressividade com aqueles à sua volta ou recusa a ver quem quer que seja – todas as mulheres que experimentaram esse drama admitem ter experimentado um ou mais desses sentimentos no período que se seguiu à perda do bebê. Além do choro, tendência à insônia, distúrbios de apetite e fadiga intensa. Pode ocorrer mesmo o desenvolvimento de uma depressão se não se tiver atenção.

Uma dor profunda

Sofia já passou por cinco abortos espontâneo, e ainda não tem filhos: “Não tenho mais esperança“. “Enquanto houver gravidez, nada está perdido“, diz a Dra. Florence Allard, ginecologista. “Precisamos acompanhar o caso seriamente, fazer análises e um tratamento, sem esquecer o apoio psicológico necessário”.

Já fisicamente, o estado de depressão é explicado pelo fato de o corpo ter iniciado um processo de gravidez que parou subitamente. “Mesmo que o fenômeno seja espontâneo, explica a Dra. Florence Allard, há uma diminuição dos níveis hormonais, um processo metabólico e hormonal que enfraquece as mulheres”. Clara, que perdeu o quarto filho aos quatro meses, lembra: “É como um nascimento, mas sem o filho. Por isso é difícil aceitar todo esse sofrimento”.

Quanto à moral, ela cai muito. É um projeto caro para nós que de repente se desintegra em nossas mãos. “Sabemos que é uma criança, nos apegamos a ela“, observa Natália, que teve um aborto espontâneo durante a sexta gravidez. “Nós a amamos. Nesses três ou quatro meses de gravidez, tivemos tempo para pensar no futuro com mais um filho e dar-lhe um lugar na família”.

Além disso, há um sentimento de culpa. “Praticamente todas as mulheres se sentem culpadas“, observa Florence Allard. Sempre é possível encontrar algo para se culpar como ter aceito uma sobrecarga de trabalho, feito uma viagem de carro ou ter um ritmo de vida excessivamente agitado. Valéria, que perdeu o terceiro bebê com dois meses de gravidez, confidencia: “Nos momentos de maior depressão, imaginei que o Senhor me tirou o bebê porque eu não era uma mãe boa o suficiente”.

Colocando tudo em ordem

É preciso um bom tempo para se recuperar psicologicamente“, observa a Dra. Florence Allard. “Algumas vezes, uma nova gravidez virá para ajudar a nos curar. Mas antes de pensar em uma nova gravidez, é melhor esperar três ou quatro meses, este é o tempo que levamos para nos sentirmos melhor. Caso contrário, corremos o risco de não ter recuperado a saúde e transferir para a criança expectativas, esperando que ela a supra. É algo pesado demais para uma criança carregar”.

Apesar de tudo, é impossível para a mulher não ficar preocupada com as próximas gravidezes, tendo experimentado em sua carne sua impotência diante da vida e da morte. Como fazer então para viver o luto da morte desta criança?

Precisamos primeiro ajudar as mulheres a reconhecer a sua dor“, diz a Dra. Florence Allard. “Se elas não admitirem sua ferida, também nunca serão libertados da dor“. Mesmo que aqueles a sua volta continuem afirmando que vai passar, “não devemos querer apagar esse evento” disse Maria, que perdeu seu sexto filho alguns dias antes do dia do nascimento.

Se nossa cabeça quiser nos convencer de que não importa, nosso coração e nosso corpo certamente mostrarão o contrário. Para isso, você precisa falar e ser ouvida. Todas as mulheres testemunham a importância de poder expressar sua tristeza a alguém que não está tentando fugir da realidade. “Você não deve querer enterrar a situação“, diz Virgínia.

Na maioria das vezes, é o marido que está em melhor posição para desempenhar esse papel de apoio. O marido de Caroline tirou dois dias de folga para estar ao seu lado: “Ele entendeu que era importante para mim, e ele próprio experimentou muito sofrimento“.

Certos ritos também podem ajudar a apaziguar nosso interior. Pode-se dar um nome à criança que foi perdida. Isso permite que você o tenha como único e possa identificá-lo em relação ao próximo filho, que não deve nunca ser visto como um substituto ao filho perdido. Os ritos tradicionais, o fato de podermos organizar uma cerimônia por exemplo, também nos ajudam a viver o luto necessário.

Confie na fé para avançar

A vida espiritual é uma imensa ajuda nesses casos. Virgínia, que estava muito inquieta após sofrer um aborto espontâneo, ficou apaziguada pelas palavras de um padre: “Ele é o mais bem-sucedido de seus filhos. Ele agora cuida de sua família, você pode orar a ele como protetor de seus irmãos e irmãs. E é ele quem o receberá primeiro no paraíso”.

As irmãs carmelitas enviaram a Valéria uma imagem da Virgem que leva uma criança ao céu em seu véu: “Quando a recebi, realmente tive a impressão de que a Santa Virgem estava lá. Eu tinha certeza de que ela protegia meu bebê e que ele estava bem”. Muitas famílias também rezam junto ao pequeno que foi perdido. “Nós o integramos na oração em família com as crianças”, diz Valéria.

Para não se fechar sobre este acontecimento, é importante entregar o filho a Deus: “Quando nossa filhinha morreu, lembra Maria, entendemos que tínhamos que fazer uma oferta a Deus, caso contrário, ficaríamos presos na revolta. Nós a nomeamos, fizemos um ato de fé e pedimos à Virgem para nos ajudar a aceitar. Aceitar essa morte é dizer sim à vida e partir novamente. É a graça do abandono”.

Gradualmente, algumas mulheres descobrem o sentido dessa provação, ou pelo menos seus frutos. “Esse luto abriu meu coração, me sinto mais próxima dos que sofrem, não vou mais falar com eles da mesma maneira“, observa Valéria. Maria também viveu seu aprendizado: “Eu entendi que a vida é sobre as pequenas coisas, é um presente que não deve ser desperdiçado. Essa morte abriu meu coração ao essencial”.

Alguns percebem que podem oferecer esse sofrimento para o bem de outros e assim seu sofrimento será frutífero. Natália perdeu o seu bebê no dia da festa de N. Senhora de Lourdes, e sentiu que precisava oferecer sua dor pelos doentes. Quanto a Maria, ela ofereceu sua dor por um casal estéril. “Muitas crianças nascerão por meio da minha oferta”, ela confidencia.

Florence Brière-Loth

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