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Síndrome de Down: como as perspectivas da sociedade mudaram ao longo dos anos

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Edifa - publicado em 20/03/20

A maneira como a sociedade olha as pessoas com síndrome de Down mudou consideravelmente nos últimos anos. Mas 40 anos atrás, a situação era bem diferente. Por ocasião do dia da síndrome de Down, em 21 de março, a Aleteia convida você a descobrir o testemunho de uma mãe que precisou lidar com a doença de seu filho nos anos 80. Uma história que revela a atmosfera da época no que diz respeito à síndrome de Down, mas, no entanto, pode ajudar os pais de hoje a viver melhor a doença de seus filhos com fé e esperança

Mais de 60 anos após a descoberta da anomalia cromossômica responsável pela síndrome de Down pela equipe do Dr. Jérôme Lejeune, em 1959, muitos avanços foram feitos sobre esta doença. Mesmo que ainda haja muito o que fazer, essa descoberta tornou possível entender melhor o funcionamento cerebral e fisiológico da pessoa que sofre da síndrome de Down e ofereceu muitos caminhos aos pesquisadores.

Do ponto de vista terapêutico, se ainda não sabemos como curar a síndrome de Down, podemos, por outro lado, prevenir ou tratar a maioria das complicações que envolvem esta doença e que podem piorar a deficiência mental, como doenças cardíacas, epilepsia, distúrbios otorrinolaringológicos e distúrbios respiratórios, incluindo apneia do sono ou dificuldades de linguagem.

Com o progresso da medicina e do monitoramento paramédico, a qualidade de vida das pessoas com síndrome de Down melhorou consideravelmente, assim como sua expectativa de vida. O trabalho de muitas associações contribuiu para uma mudança de perspectiva dos portadores da síndrome de Down.

Mesmo de a doença leva a um desenvolvimento intelectual mais ou menos comprometido, isso não impede que as pessoas com essa deficiência se tornem independentes e vivam uma vida considerada “comum”. Sua integração ao mundo do trabalho nos últimos anos é uma boa prova disso.

No entanto, há 40 anos, a situação era bem diferente. Ter medo, ignorar, excluir ou proteger pessoas com síndrome de Down eram comportamentos comuns. Essas emoções, atitudes e comportamentos há muito guiam a percepção do público em geral em relação às pessoas afetadas por esta doença.

A história de uma mãe que veio até nós na década de 1980 mostra essa desconfiança. Apesar do medo da doença e do desconhecido, essa mãe de sete filhos já era uma visionária sobre a situação das crianças com síndrome de Down. Um testemunho tocante que pode ajudar os pais do século XXI a lidar melhor com a doença de seus filhos na fé e na esperança.

“Paulo é um menino alto, loiro, sorridente, com um olhar cheio de carinho, um pouco turbulento certamente, mas sobretudo feliz em estar aqui, de frente pra mim. Quando ele nasceu, nos falaram que ele tinha Síndrome de Down.

Ele ficou entre a vida e a morte por quatro meses. Na angústia da incerteza, me passou pela cabeça várias vezes que o meu pobre garoto se fosse, que esse cálice se afastasse de nós. Eu imaginava que para nós a vida havia parado. Havia sobre a nossa família como que uma rachadura. Foi um sentimento completamente débil e agora, quando eu repenso sobre tudo, eu percebo o quanto foi grotesco, infantil.

Existe uma necessidade especial certamente, mas da forma mais leve que poderíamos ter. Vocês entendem?! É simplesmente uma falha da natureza, e quando nós a observamos sobre a luz do Espírito Santo, vemos a vida sob um outro ângulo. Portanto, é preciso desdramatizar e aceitar o fato de ter um filho com algumas desabilitado.

Ele nos obrigou a sair de nós mesmos

Eu tinha uma experiencia concreta com a maternidade. Antes de Paul eu tive seis filhos. E bem, eu precisei me reciclar… Eu era dona de casa e me tornei educadora especializada. Eu passei a tentar compreender o interior de Paulo e a crer nas suas possibilidades mais profundas. Para isso, todo mundo precisou arregaçar as mangas.

Uma vez mais, era preciso aceitar a vida assim como ela se apresentava. Nós então aceitamos estar lá, onde o Senhor nos colocou. Nosso filho com Down é uma benção que vem certamente, com alguns “inconvenientes”.

É uma graça recebida todos os dias, uma graça por vezes bem pesada, mas que nos permitiu de alcançar uma dimensão da maternidade e da paternidade que nenhuma outra criança “normal” poderia nos dar. Quando eu falo de graça, não a situo sobre o plano material, mas sobre o plano espiritual.

Paulo simplesmente modificou o estado de espírito de nossa família. Nós não tínhamos mais o mesmo olhar sobre as pessoas que sofrem e passamos a viver a vida de forma muito mais intensa. Menos problemáticos, talvez, muito mais voltados para os outros do que para as nossas próprias questões.

Eu adicionaria até mesmo que a vida de Paulo é uma necessidade para nós. Para combater o materialismo e o egoísmo presente em nossa família. Evidentemente, se nós não fossemos uma família católica, vindas de pais como os nossos, nós provavelmente não teríamos conseguido suportar as dificuldades que precisamos confrontar.

É preciso pensar no “além de nós”

Antes de tudo, é preciso compreender o que podemos esperar de uma criança com Down. Não podemos cair numa ilusão, assim como também não minimizar possibilidades dela. Para eles, tudo o que é concreto é possível. O abstrato está fora do seu alcance. Como um adulto, seu nível mental não excederá aquele alcançado por uma criança de oito ou nove anos.

Assim, depois de muito amor e perseverança, nós vimos, maravilhados, seu primeiro sorriso. Em sua mente, tudo é extremamente longo, demorado. Quando ele andou, aos dois anos e meio, nós ficamos admirados e completamente bobos. Nós nunca nos desencorajamos.

É preciso que todos os pais tenham essa coragem de esperar, e de dizer a si mesmos que seu filho é capaz, que ele vai chegar lá, mesmo se isso vai requerer um ou dois anos. A única condição é não ser utópico.

Quando Paul cresceu, nós tentamos integra-lo o máximo possível na vida comum. Agora ele vai à escola, em um estabelecimento escolar comum, e isso o faz muito bem. Ele está, no entanto, em uma classe especializada.

Mas nessa escola ele possui as mesmas atividades que as outras crianças. Ele vai também, de vez em quando, dormir na casa de uma família onde as crianças não têm necessidades especiais, porque nós queremos absolutamente que ele adquira uma certa autonomia. É indispensável. Assim, ele partiu por oito dias em uma colônia de férias.

Eu tive um pouco de tempo para respirar, mas verdadeiramente me faltava algo: meu companheiro de todos os dias. Me passava pela cabeça: será que eu me tornei uma egoísta? Mas nós sabíamos bem que, a partir de agora era necessário pensar no “além de nós” e prepara-lo com bastante antecedência para uma futura separação. Um dia, eu disse a ele: “Você vai precisar nos deixar quando tiver 20 ou 25 anos”. Ele entendeu muito bem. Porque felizmente, ele precisa tomar o seu lugar no mundo, e nós estamos lidando com isso desde agora.

Antigamente, havia uma pessoa com síndrome de Down em cada cidade. Ele fazia parte da vida quotidiana e era aceito em todos os lugares. Hoje em dia por caridade, supostamente, e por preocupação dos outros, existem espécies de casas especializadas que foram criadas para eles, mas eles nunca estarão tão bem lá como em um ambiente “normal”, se assim posso dizer.

Eu acho que apenas a aparência física deles é responsável por essa rejeição. É claro que não podemos dizer que não nos preocupamos com o futuro, mas a Providência de Deus nunca envia um desafio sem enviar consigo as graças que nos permitam vive-lo. Essas graças estão ao alcance dos nossos dedos. Se quisermos buscá-las, poderemos sempre.

Nós tivemos muita sorte

Repito, meu filho não é burro. Quando ele fez sua primeira comunhão, ele entendeu muito bem que estava recebendo Jesus em seu coração. Às vezes ficamos perplexos com suas reflexões. Um dia, olhando para as estações do Caminho da Cruz onde Jesus estava caindo pela segunda vez, ele disse: “Vou dizer ao rei dos judeus que Jesus não deve ser incomodado”. Nós fomos pegos de surpresa. O que é formidável sobre essas crianças é que elas são muito mais diretas do que as outras e nunca têm vergonha. Eles vão ao essencial, às coisas simples.

O que me faz sofrer é que ele não tem amigos. Eu entendo muito bem e não culpo ninguém, mas gostaria que ele fizesse parte de um grupo. De certo modo, é verdade, ele não é capaz de jogar futebol, por exemplo, mas podemos ensiná-lo a ser um goleiro. É tão simples amar, sorrir para a vida. Eu digo a mim mesma que tivemos muita sorte, e uma vida apaixonante. O único tempo perdido é aquele onde o amor não está presente. Você não concorda?”

Danielle Lyard

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