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Coronavírus: como conduzir as crianças no processo do luto

Child and Mother Upset
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Edifa - publicado em 07/04/20
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Há algumas semanas, as crianças têm sido confrontadas com a morte nas telas da televisão. O Covid-19 já levou muitas vidas. Mas quando o luto atinge um ente querido “de verdade”, é um sentimento insuportável, uma tragédia. Mais do que para um adulto, a morte de um ente querido é devastadora para a vida de uma criança. Como podemos ajudá-la a superar essa provação e conversar com ela sem esconder a realidade?

A tristeza das crianças que vivem o luto é amplamente subestimada e negligenciada. Quando a morte vem para um jovem, afetando avós, pais, mães, irmãos, irmãs ou tios, existe um grande risco de afastar a criança de uma realidade que é tão importante para ela.

Perceber a irreversibilidade da morte

Primeiro você precisa compreender como funciona a cabeça da criança. A criança pequena tem uma representação muito diferente da morte da dos adultos. Para os pequenos, a morte é como uma ausência temporária: “Diga pra mim, a mamãe morreu para sempre?“. Com essa crença de que a morte é reversível, a criança é incapaz de manifestar grande tristeza pela morte de um ente querido. Pelo contrário, ela continua a falar com ele, a manter um relacionamento vivo com ele, muitas vezes escondido dos que o rodeiam.

Somente por volta dos sete anos é que a criança percebe que quando alguém morre, é para sempre. Para a criança que vive o luto, este é um estágio difícil, porque ela percebe que não verá mais o falecido em sua forma carnal. “É sempre um momento muito forte quando uma criança em luto compartilha essa consciência da irreversibilidade da morte conosco“, disse Guy Cordier, psiquiatra infantil.

Não entendi direito, perguntou uma garotinha, existe vida após a morte?”. E aí é quando a criança começa a se perguntar muitas coisas: “Meu pai sabe que ele morreu?”. Perguntas relacionadas ao eterno e muito relevantes. E então elas percebem que todos são chamados a morrer. A morte, inexorável, é então associada à velhice – morremos quando estamos velhos. Mas para uma criança, significa que isso nunca acontecerá! Resta, portanto, um conceito crucial a adquirir. E é por volta dos dez anos que o jovem percebe que ele também pode morrer a qualquer momento. A morte não poupa ninguém, nem mesmo ele.

Quando a morte toca uma criança muito de perto, as pessoas à sua volta podem pensar que ela não sente nada, porque a criança está ocupada principalmente em viver o presente, brincando, rindo. Nessas circunstâncias difíceis, no entanto, ela precisa muito de referências. Primeiro, ela precisa perceber a realidade da morte.

Recebi duas ou três cartas depois que minha irmã morreu, mas ninguém falou a palavra morte”, disse Jeremias, surpreso. A criança precisa saber a verdade. Ela deve ser informada de que o ente querido morreu de uma doença grave ou de um acidente, e não apenas “que ela morreu, partiu ou está dormindo para sempre”. Essas frases a mergulham numa grande perturbação, alimentando a esperança de um retorno. Na cabeça de uma criança, quando alguém foi para o céu, pode “cair”; ou “podemos pegar o avião para ver mamãe no céu!”.

Saber fazer memória

Após a morte de meu pai, houve pouca menção a ele“, disse Cirilo. Infelizmente, muitas crianças são privadas da lembrança, este elo que nos leva a buscar o que desapareceu, idealizar, olhar fotos, manter um vínculo”. Precisamos dessas memórias para manter uma certa estabilidade psicológica, alerta o Dr. Cordier. No entanto, para a maioria das crianças em luto isso não é vivido. No entanto, o luto é o oposto de esquecer.

Para ajudar a criança a superar essa difícil provação, é importante incentivá-la a fazer memória: faça um álbum de fotos ou uma caixa de memórias; dê importância a datas, festas onde a ausência é particularmente sentida. Além disso, a criança deve ser ajudada a escrever suas memórias pessoais com o falecido.

Mais tarde, crescida, ela poderá utilizar-se desse banco de dados, que lhe contará histórias sobre uma mãe, uma irmã ou um pai que ela conhece tão pouco. “Continuaremos sempre a amar aqueles que se foram. Nós nunca vamos esquecer dele. Ele permanecerá vivo em seu coração”. Esta é uma frase importante a dizer a uma criança que vive o luto.

As armadilhas mais frequentes encontradas pela criança em luto

Finalmente, por mais surpreendente que possa parecer, muitas crianças se sentem profundamente culpadas pela morte de um dos pais, irmão ou irmã. Raramente consciente, essa culpa é expressa através de sonhos ou distúrbios comportamentais nos quais a criança procura ser punida, ou mesmo através de uma síndrome depressiva.

É essencial saber que a criança tem esse sentimento de culpa, que está simplesmente ligado à sua condição de criança“, acrescenta o psiquiatra infantil. “Ela deve ser informada de que não é responsável pela morte do ente querido. É importante dizer a ela: ‘Você não é responsável pela morte de seu avô. Nada do que você disse, pensou ou fez levou à morte dele’”.

Dificuldade em compreender a realidade objetiva da morte, dificuldade em lembrar, culpa. Essas são as armadilhas mais frequentes encontradas pela criança que vive o luto. Para ajudá-la, é essencial permitir que ela se expresse sem medo de incomodar.

Toda criança precisa saber que não é apenas normal sentir raiva, culpa, vergonha, medo, mas que é necessário expressá-la. Devemos incentivar a expressão de sentimentos ligados à pessoa falecida. Caso contrário, essas emoções se concentram, favorecendo o estabelecimento de estruturas defensivas.

Estar atento ao que a criança sente, ao que ela expressa física ou verbalmente, conversar com ela, significa dar-lhe seu lugar e permitir-lhe caminhar na floresta do luto. Na raiz desta palavra está o verbo latino dolere, que quer dizer sofrer. Não é uma dor que se possa tratar, mas que é possível acompanhar. O luto não é uma doença, mas um longo processo psíquico de cura.

Magalie Michel