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Auto-busca, cura interior: devemos suspeitar do desenvolvimento pessoal?

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Edifa - publicado em 23/07/20
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Diante do desenvolvimento pessoal, há pessoas divididas entre a desconfiança e o fascínio. É um instrumento que pode nos ajudar a progredir na vida? A fé não é suficiente para “nos desenvolver”?

Auto-busca, cura interior… O entusiasmo pelo desenvolvimento pessoal muitas vezes carece de discernimento. O filósofo Norbert-Mallet desvenda esse conceito à luz da fé.

O objetivo da vida cristã é viver a caridade. Por que procurar a realização pessoal?

Como Jesus Cristo lembra, no Antigo Testamento, a Lei exige: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39). O amor do outro não pode ser vivido sem um amor justo por si mesmo. O amor de Deus é único para todos. A maneira pela qual Ele alcança as pessoas é através do respeito à sua personalidade, sua história, suas necessidades.

Não somos criaturas clonadas espiritualmente nem somos chamados ao mesmo relacionamento com Deus. Cada um de nós responde à sua vocação de acordo com seus talentos. São Tomás de Aquino ou São Carlos Borromeo com seu talento intelectual, São Alfonso de Ligório com o do governo dos homens.

A união com Deus não é preferível à busca do bem-estar?

A união com Deus é o summun do desenvolvimento pessoal. Fomos criados por Ele para nos unirmos a Ele com todo o nosso ser: corpo, emoção, inteligência, imaginação, vontade, etc.. O risco é ignorar o que somos e os frutos que poderíamos fornecer.

Trabalhar em si mesmo, atenuando as disfuncionalidades de nossa personalidade, os sistemas de defesa que nos bloqueiam, facilita o trabalho do Nosso Senhor em nossas vidas. Podemos ilustrar isso com a personalidade de São Pedro: colérico, todo fogo. Não pode receber completamente a mensagem de Cristo sem antes deixar essa impulsividade.

No entanto, a cura de nossas feridas nunca suprimirá nossa condição de pecadores.

Santo Tomás de Aquino diz que o primeiro efeito do pecado é impedir a amizade com Deus. O segundo é uma cacofonia em nossas faculdades (inteligência, vontade, sensibilidade…). Continuam sendo boas mas não estão harmonizadas. A graça de Deus restaura a amizade entre Deus e a pessoa, mas não regula a cacofonia entre as faculdades da pessoa.

Nossa conversão é a de tentar conseguir que essas faculdades trabalhem juntas. Para que isso aconteça, ou recebemos uma graça de Deus que vem para abalar nossas vidas, ou então, mais frequentemente, colocamos em prática nossas disposições virtuosas. Cada um de nós, de acordo com o seu caráter, sofre uma paixão dominante. Temos uma virtude particular a desenvolver para unificar nossa humanidade e receber a salvação.

O que significa “desenvolver” para um cristão? Que diferença existe para o autoconhecimento?

O termo “desenvolvimento pessoal” designa o desenvolvimento de nossos próprios recursos. O termo “autoconhecimento” remonta à Antiguidade. O socrático “conheça a si mesmo” foi adotado por Platão, depois Aristóteles e depois, com determinadas características, pelos Padres da Igreja.

Este conhecimento está no cerne da tradição grega e cristã: quanto mais eu me conhecer, mais habilidade tenho para inscrever minha vida pessoal numa vocação mais elevada do que eu para desenvolver todas as dimensões da minha pessoa, inclusive a da salvação. Começamos com quem somos para nos realizarmos em Deus. Uma árvore sem raízes cai no chão na primeira tempestade.

Então, o desenvolvimento pessoal é uma invenção da modernidade?

Se o desenvolvimento pessoal é contemporâneo, o foco do autoconhecimento e o domínio das paixões são antigos. Platão fala sobre isso nos Diálogos. Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco,  descreve uma “ética do caráter”. Foi comentada por São Tomás de Aquino. São João Cassiano, um Padre do deserto, transmitiu a seus monges o conselho de “descobrir a paixão que mais domina, aquela que faz você reagir imediatamente e que o impede de refletir e ser humano.

Depois de encontrá-la, dedique-se a transformá-la e a fazer que ela seja orientada para Cristo. Depois de transformar essa paixão dominante, verifique se há outra paixão que lhe causa o mesmo problema e faça um esforço para transformá-la também”. Cassiano não convida todos os monges a rezar da mesma maneira. Em vez disso, ele chama cada um para transformar a parte de si mesmo que lhe causa mais problemas.

Como a vida corporal, a vida psíquica e a vida espiritual são articuladas?

Para entender as coisas, às vezes a pessoa é tentada a dividir e aplicar separações arbitrárias. É um absurdo compartimentar o corpo, a psique ou a vida espiritual: somos um. Qualquer que seja a porta de entrada, a questão é, com o desenvolvimento pessoal, apreender a globalidade de nossa humanidade. Tudo está relacionado.

Todos nós já experimentamos que a angústia pode ser aliviada por exercícios corporais. Ao mesmo tempo, devemos evitar separar as diferentes naturezas que compõem nossa pessoa e, da mesma maneira, respeitá-las. Quando uma das áreas de nossa pessoa revela um problema, será necessário um cuidado adaptado para que a obra da salvação de Deus possa se desenvolver mais plenamente.

Sob que condições um cristão pode obter um benefício do desenvolvimento pessoal?

Considero dois riscos: um, prático, que reduz tudo ao psicológico e o desconecta da vocação da pessoa de se unir a Deus ou então o risco de uma ética sem pés no chão, limitada à união com Deus e ao esquecimento da encarnação. O risco é então expulsar o humano, esperar apenas pela obra da graça, esquecendo a parte da vontade, da liberdade, que corresponde ao ser humano.

Na verdade, o desenvolvimento pessoal começa com as pessoas que temos mais perto de nós: o casal, os filhos, os colegas, os entes queridos, que são os espelhos de nossos limites e nos permitem melhorar. E depois não esqueçamos – seria bom! – que o Mandamento de Jesus não é o de “Amará seu próximo como a si mesmo”.

O mandamento de Jesus é um “novo mandamento” que faz tudo perfeitamente: “Amem-se como eu os amei”. Esse novo mandamento nos desvia radicalmente de nós mesmos e de nosso desenvolvimento pessoal para nos voltarmos para os outros e nos comprometermos a dar nossas vidas por eles, num amor sem limites no qual nos sacrificamos imitando a Jesus Cristo: “Antes da festa de Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo ao Pai, como amasse os seus que estavam no mundo, até o extremo os amou”(Jo 13,1).

“Como eu os amei”: a imitação autêntica de Jesus Cristo é finalmente revelada como o oposto absoluto da busca do próprio desenvolvimento pessoal. São Paulo confirma: “(…) tenham o mesmo amor, o mesmo coração, o mesmo pensamento. Não façam nada no espírito de discórdia ou vaidade, e que a humildade deixe-os considerar os outros como superiores à vocês mesmos. Que cada um de nós procure não apenas o seu próprio interesse, mas também o dos outros. Tenham os mesmos sentimentos que Jesus Cristo. Ele, que estava em condição divina, não considerava essa igualdade com Deus, (…) pelo contrário, (…) humilhou-se até aceitar por obediência a morte e essa morte foi na cruz ”(Flp 2,2-8)

Entrevista realizada por Bénédicte Drouin

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