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Generosidade bem calibrada: como ajudar os outros sem nos esgotarmos

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Edifa - publicado em 01/09/20
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Ajudar mais, envolver-se mais… É admirável fazer tudo o que está no seu caminho pelos outros, esforçar-se pelos outros, mas esta entrega pode ter um lado duplo que a gente talvez pode não perceber. Como ajudar nosso próximo na medida certa?

Querer sempre satisfazer o outro acaba cansando-nos, a nós mesmos e aos outros. Já não sabemos dar em tempo hábil, nem na família, nem na paróquia, nem no trabalho. E o resultado às vezes é o oposto do que se espera: sufocamos aqueles que estão do nosso lado e perdemos o gosto por ajudar.

Pior ainda, embora o serviço e a oração sejam dois frutos da caridade, pode haver uma “amargura do serviço gratuito ou uma aversão à oração”, de acordo com o que diz o padre Pascal Ide, que pensa que as pessoas mais generosas são também as mais suscetíveis de serem afetadas por esta exaustão ou esgotamento. Então, como você evita que as boas intenções se transformem em hiperatividade e generosidade mal calibrada?

Acreditar que somos inesgotáveis ​​pode inflar o orgulho

Muitas vezes admiramos quem se esforça pelos outros, mas esta dedicação pode também ocultar uma sede de poder, uma necessidade de nos sentirmos indispensáveis ​​e de fazer sempre mais para sentir a nossa existência. Acreditar que somos inesgotáveis, como Deus, pode inflar nosso orgulho, especialmente quando rejeitamos as advertências daqueles que estão do nosso lado.

“No trabalho, acreditava que sem mim os clientes seriam pior atendidos e, na vida, me sentia obrigada a me envolver quando alguém precisava de ajuda, como se eu fosse o remédio para a miséria humana”, confessa Juliette. Resultado: o médico do trabalho impôs vários meses de licença médica à essa diretora de recursos humanos. Outras pessoas generosas ficam isoladas de suas emoções e de toda compaixão por aqueles que as ajudam. Elas persistem no dever, esquecendo a caridade. Consequências que revelam um dom desnaturado.

E é que aquela pessoa que sobrecarrega demais os outros com atenções, favores ou presentes, está mal relacionada consigo mesma e com Deus. As pessoas excessivamente religiosas e devotas “sufocam” aquelas pessoas da sua família que estão do lado delas.

“Acreditamos que quanto mais damos, mais recebemos; mas é exatamente o contrário”, avança o psicoterapeuta Gérard Apfeldorfer no seu livro As relações duradouras. As crianças cuja mãe está muito presente podem se sentir sobrecarregadas. Por outro lado, a mãe que “se sacrifica pelos filhos” pode cair numa dinâmica perigosa por esquecer suas próprias necessidades básicas. E se a tradição popular atribui à Bíblia o provérbio “A caridade bem ordenada começa em nós mesmos”, porque é importante primeiramente que nós nos cuidemos de nós mesmos corretamente para depois poder cuidar dos outros.

Quando o bom samaritano se torna um carrasco …

O dom excessivo também pode se voltar contra o seu beneficiário quando o toma como refém e exige reconhecimento em troca, como expressa o psiquiatra Vincent Laupies em seu livro Donner sans blesser (“Dar sem ferir”). O Bom Samaritano pode então se tornar um carrasco. É o caso de Laure, mãe de família numerosa que estava 100% ajudando nas lições de casa dos filhos, ao mesmo tempo que os censurava veementemente por não obterem bons resultados na escola como se fosse necessário que a sua ajuda tivesse uma resposta positiva pela parte dos filhos.

O padre Ide diz que “quanto mais ativa é a espera de uma resposta positiva para nos tranquilizarmos em relação sobre o trabalho realizado, maior o risco de sofrer uma profunda frustração”. O “doador a todo custo” pode desenvolver ressentimento quando não é considerado reconhecido na mesma medida em que dá. Quanto mais se impõe, mais incomoda as pessoas que estão do seu lado, que o evitam. Em seguida, desenvolve comportamentos tóxicos para com todos: “Críticas, raiva surda, acusações, cinismo, cálculos confusos …”, comenta o padre Ide.

Essa mudança no equilíbrio entre generosidade e a doença geralmente começa com um pequeno incidente. O fator desencadeante para Juliette? Ele percebeu que tinha que diminuir a intensidade do seu trabalho voluntário na prisão quando percebeu que estava sistematicamente resmungando contra os presos e contra o chefe da prisão onde trabalha. O chefe da prisão fizera um comentário sem graça sobre o atraso de Juliette, enquanto ela trabalhara horas extras sem contar a semana anterior. Embora o comentário tenha sido de pouca importância, o ressentimento de Juliette permaneceu dentro dela e ela o levou para casa para sua família durante todo o fim de semana.

Finalmente, ela percebeu que por trás de sua dedicação havia uma necessidade excessiva de se sentir amada. No entanto, como explicou o sociólogo Marcel Mauss, a dedicação total não é calculada e nenhuma recompensa deve ser exigida. “Tu, porém, quando deres uma esmola ou ajuda, não deixes tua mão esquerda saber o que faz a direita, para que a tua obra de caridade fique em secreto: e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará” (Mt 6,3-4). Um dom completo inclui a possibilidade de falha. Dar-se intensamente é fonte de cansaço e, portanto, exige descanso. O próprio Jesus Cristo convidou os seus discípulos a fazê-lo: “Vinde somente vós comigo, para um lugar deserto, e descansai um pouco” (Mc 6,31).

Dar de acordo com nossa capacidade e sabendo como recuperar as forças

“A felicidade é mais dar do que receber”, disse também Jesus Cristo (He 20,35). Mas não podemos oferecer o que não recebemos. O padre Ide assinala que para esbanjar é preciso saber não só receber, mas receber de Cristo: “De fato, o homem é criatura antes de ser criador, é recebido antes de se dar. Ele precisa ser amado para aprender a amar”. Num verdadeiro dom, “sempre somos três”, resume o psiquiatra Vincent Lapies: Deus, eu e o donatário. O donatário, então, deve “se abrir diante de si mesmo”, diz o psiquiatra. Os cristãos têm as chaves para ir à fonte do dom, parando para adorar a Cristo, numa igreja ou em sua própria casa. Porque se a pessoa não estiver ligada à esta fonte imortal, ela só pode dar de acordo com suas capacidades limitadas.

Quem se dedica ao culto, recupera as forças internamente para melhor distribuir os frutos. Laure, mãe de quatro filhos, acabou confiando em outra pessoa para cuidar de seus filhos uma tarde por semana. E Juliette desistiu de uma promoção profissional. Elas deram para menos pessoas, mas deram melhor. E reorientaram sua generosidade nas pessoas mais próximas à elas. Às vezes é mais fácil se envolver numa causa externa e distante do que pensar sobre nossos vizinhos mais próximos todos os dias.

Uma mãe que confessou não fazer o suficiente pelos outros, seu padre respondeu: “Não considero sua confissão um pecado. Seu dever de Estado é cuidar de seus filhos”. Dar de acordo com nossa capacidade pode parecer uma missão muito humilde e insuficiente, mas é aí que somos chamados à excelência.

Olivia de Fournas

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