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Como identificar uma personalidade narcisista?

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© Twinsterphoto I Shutterstock

Edifa - publicado em 22/09/20

Um chefe, um cônjuge, um amigo... Todos nós podemos um dia ser confrontados com uma pessoa de personalidade narcisista. Mas como elas são realmente e como podemos reconhecer esse traço de personalidade?

Essas pessoas são comumente chamadas manipuladoras ou de personalidade narcisista. Podemos encontra-las em todos os ambientes e em todos os tipos de relacionamento – romântico, profissional, família, amigos, esportes, associações, etc. Normalmente atraentes e simpáticas, ou mesmo reservadas às vezes, elas atraem as pessoas pelo seu lado charmoso e lisonjeiro. Mas esse encanto inicial dura pouco e rapidamente, suas vítimas entram em uma espiral descendente de culpa e desvalorização. Padre, médico, filósofo e teólogo, o Padre Pascal Ide, autor do livro Manipuladores (em tradução livre), dá conselhos para que aprendamos a detectar, compreender e agir perante uma pessoa de personalidade narcisista.

Por que o senhor decidiu se concentrar sobre o sujeito das personalidades narcisistas?

Pascal Ide: Acima de tudo para gerar informação, especialmente para os círculos eclesiais. Mesmo que mais de cem livros tenham sido escritos recentemente em francês (língua mãe do entrevistado) sobre o assunto, esse perfil altamente tóxico ainda é muito ignorado. Um exemplo claro para mim foi quando uma mulher cuja irmã tem todos os traços de uma personalidade narcisista (PN) me contou que foi confessar a raiva que sentia da irmã, e que o padre havia insistido que ela perdoasse a irmã e buscasse se reconectar com ela. Perdoar, sem dúvida, mas antes de tudo é preciso levar em consideração o sofrimento dessa vítima. Já a segunda dica pode ser muito imprudente, pois pode levar a pessoa novamente ao controle da PN.

Por que hoje em dia ouvimos falar do termo “perversão narcisista” ao invés de “personalidade narcisista”?

O termo “perversão narcisista” foi cunhado pelo psicanalista Paul-Claude Racamier. Porém eu prefiro o termo “personalidade narcisista”, pois se refere a um quadro psiquiátrico preciso.

Como é possível reconhecê-la?

Sem entrar em detalhes, essa personalidade é caracterizada por dois sinais particulares: a certeza de ser excepcional, de merecer mais atenção que os outros e, portanto, esperar sua atenção, sem nunca se sentir em dívida; e por uma real insensibilidade ao sofrimento alheio, a começar pelo sofrimento causado pelo seu egocentrismo.

Nós não somos todos mais ou menos narcisistas?

É verdade, eu sou o primeiro a assumir! Mas precisamos distinguir entre ser predominantemente uma pessoa manipuladora ou narcisista – que é uma patologia – e simplesmente ter atitudes manipuladoras ou narcisistas. A terapeuta Isabelle Nazare-Aga, que possui uma longa experiência nessa área, elaborou uma lista com trinta critérios que podem nos fazer identificar uma personalidade narcisista. Todos nós somos capazes de responder sim a um ou mais critérios, mas a maioria das personalidades narcisistas completam mais de vinte pontos em trinta.

Se entendemos corretamente, a personalidade narcisista é um tipo de elevação do ego?

Na verdade, é mais complicado do que isso. Por um lado, os PNs acreditam ser superiores às outras pessoas e ser também acima da lei, a infringindo despreocupadamente. “Eu não me importo com os estatutos da comunidade!”, disse um responsável de setor. Por outro lado, eles apresentam uma lacuna narcisística abismal. Eles são desprovidos de interioridade e estabilidade. É por essa razão que precisam ser constantemente admirados, cercando-se de pessoas que o “bajulem”, rejeitando e demonizando quem não os adora.

É possível descrevê-la com uma imagem?

No livro “Não estávamos armados” (Plon, 2013) (em tradução livre), a autora Christine de Védrines descreve com grande objetividade e ao mesmo tempo sobriedade – quase ousaria dizer caridade – como um vigarista, obviamente uma personalidade narcisista, conseguiu, em nove anos, ganhar a confiança de sua família arruinando-a totalmente, levando dois casais ao divórcio e agredindo a saúde física e psicológica de seus membros. Depois de sucumbir à manipulação mental, a autora finalmente reagiu e alertou a justiça sobre o risco que estava passando. Você não imagina o que é uma PN! Esse livro permite que você o conheça em profundidade. É assustador!

Uma pista para identificar facilmente?

Podemos resumir a PN como a pessoa problemática de quem sempre falamos, aquela que ocupa grande parte das discussões na hora do cafezinho. 

Não corremos o risco de ficar vendo PNs em todo lugar, desde o nosso cônjuge ao nosso chefe?

Sim! E esse é um dos motivos que me levaram a escrever este livro. O diagnóstico de personalidade narcisista deve ser feito por pessoa competente (psicoterapeuta, psicólogo, psiquiatra), e não por aqueles que se consideram vítimas.

Existem causas que favoreçam a presença de PNs na sociedade atual?

Todos os indicadores nos mostram que por mais de cinquenta anos os indivíduos Ocidentais tem sido mais e mais narcisistas. Autoavaliações permanentes, individualismo, autoimagem exacerbada, dificuldade de seguir regras, culto à aparência… E assim, a patologia narcisista passa a ser uma das marcas de nossa sociedade. E a educação atual também a favorece. Se você quer que seu filho se torne um tirano, basta trata-lo como um príncipe. Diga-lhe constantemente que ele é o melhor, que ele deve primeiro pensar em si mesmo, em seu prazer e no seu seu sucesso. Pablo Picasso foi um PN destrutivo e provavelmente bastante perverso. O pequeno “Pablito” não era apenas adorado pela mãe, mas também idealizado. Em contraste, não é comum que PNs apareçam em uma estrutura familiar saudável.

Esses são os dois extremos da chamada “doença da doação”: enquanto a pessoa em burnout costuma sofrer por dar muito – ou melhor, por se dar mal -, a personalidade narcisista sofre – e especialmente faz outros sofrer – por não se doar. Ao cativar o outro, ele o prende, captura.

Você argumenta que NPs de “grande calibre” não são encontradas apenas entre líderes políticos, mas também entre líderes religiosos. Como explicar o fato de que encontramos tantos NPs entre fundadores ou pessoas importantes?

Em primeiro lugar, esta é uma constatação generalista. Um dos poucos estudos sobre o tema mostra que há um número muito maior de PNs em postos de comando – o que não significa que todo líder tenha um ego superdimensionado. Em segundo lugar, os PNs frequentemente associam sua patologia a talentos reais, que eles sabem muito bem como destacar. Além disso, muito deles são sedutores. Esses indivíduos se aproximam mostrando seu rosto luminoso e assim alcançam o nível mais alto de seu meio social. Frequentemente são observadores atentos e são capazes de identificar nossas falhas. Eles podem, por exemplo, brincar com nossa necessidade de aprovação para mostrarem-se superiores. Uma vez estabelecidos sobre nossas fragilidades, eles se tornam indestrutíveis e desenvolvem sua violência.

Acrescento ainda um ponto frequentemente esquecido: nem todos os PNs são golpistas ou pervertidos sexuais. Eles podem até mesmo ser pessoas retas. Por outro lado, eles têm sede de poder e vão falar com grande convicção que eles são a pessoa certa para qualquer situação.

O senhor afirma que “certas formas de PN são encontradas mais na Igreja do que na sociedade civil”…

Digo isso com cautela, pois seriam necessários estudos para ter total certeza. Estou me referindo a dois perfis que foram bem identificados pelo psicólogo Stephen Karpman: os vitimistas e os salvadores. Os narcisistas vitimistas (diferente das vítimas genuínas) se proliferam em grupos cristãos porque geralmente são calorosos e abertos à compaixão. Todos os que estão ao redor do PN vitimista estão totalmente mobilizados a seu serviço, sentindo-se culpados por não estar fazendo o suficiente, sem nunca ouvir um obrigado, e sem que o vitimista faça o menor esforço para sair dessa situação.

E o perfil do salvador?

Aqui precisamos distinguir o salvador do salva-vidas. André Frossard disse que o fundamentalista é aquele que faz a vontade de Deus, quer Deus queira ou não. Bem, o salvador é aquele que faz o bem ao outro… quer o outro goste ou não! É a pessoa que impõe sua ajuda – “É para o seu bem”! No entanto, Jesus propõe, nunca impõe: “O que você quer que eu faça por você?”. 

Então a PN, com toda sua onipotência, toma para si certos atributos divinos?

Exatamente. A pessoa de personalidade narcisista deseja ser amada mais do que os outros; no fundo, ela quer ser adorada pelos outros – como não pensar em Satanás e na terceira tentação de Cristo? Mas há algo específico que se passa nos ambientes religiosos: os PNs monopolizam Deus para estabelecer seu poder. Por exemplo, eles afirmam falar em nome de Deus e invocar a Deus para fazer outros se sentirem culpados.

Eles têm consciência daquilo que estão fazendo?

Em termos cristãos os PNs seriam considerados pecadores ou apenas doentes? Esta é uma questão delicada. Os especialistas estão divididos neste assunto. Contudo, a experiência, a filosofia moral e a fé me dão a certeza de que a consciência moral está presente em todos os homens. O psiquiatra Baruk notou que um psicótico, mesmo afetado de maneira severa e duradoura, tem momentos de lucidez moral. Por exemplo, ele sabe quando alguém está praticando uma injustiça em relação a ele. Da mesma forma, a PN é calculista, atenta à realidade. Esta razão constantemente em alerta é certamente iluminada, nem que seja de vez em quando, por esta luz que é a consciência moral, e, portanto, é possível perceber, ao menos fugazmente, o mal que ela faz.

Então, se a PN é consciente, ela pode admitir seus erros?

A PN pode reconhecer um erro, mas se justifica imediatamente. Por exemplo, o marido que bate na mulher – o contrário, mais raro, também existe – não pode negar o que fez. No entanto, ele acrescentará: “Você procurou isso. Você me levou ao limite!”. Sempre há uma desculpa. Eu digo: sempre. Porque a grande arma da PN é a indefinição das fronteiras entre o bem e o mal, fazendo o outro se sentir culpado.

Uma PN pode mudar?

Esta é outra questão muito delicada pois os estudos médicos e psicológicos não descrevem tais mudanças. Isso nos conduz a uma compreensão importante. Ao tomar qualquer decisão, devo sempre escolher cuidadosamente como se a pessoa que vive esse quadro psiquiátrico nunca mudará. Por exemplo, se sou bispo, evitarei, tanto quanto possível, nomear uma PN para um cargo de responsabilidade; se surgir alguma denúncia a respeito de uma pessoa com esse perfil, terei o cuidado de proteger as pessoas ao seu redor. Agora, quem pode sondar os corações do homem? Portanto, devo rezar por essa pessoa para que, quando um lampejo de clareza vier à sua mente, ela finalmente seja capaz de um ato de amor desinteressado.

Entrevista por Luc Adrian

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