As relações formadas com o pai e mãe durante a primeira infância constroem a autoestima da pessoa. Elas fortalecem nossa identidade: a primeira condição para amar é ter sido amado(a)A mulher sonha com o príncipe encantado enquanto o homem se considera acima de tudo um herói. Um grande mal-entendido que, segundo Geneviève Djénati, terapeuta de casais, encontra sua origem desde as primeiras representações da infância. E que atualiza os mecanismos inconscientes que entram em ação no curso da vida amorosa.
Por que em seu livro O Príncipe Encantado e o Herói você menciona os problemas do mito do “príncipe encantado”?
Geneviève Djénati: Este livro começou com uma simples observação. As mulheres que encontro no decorrer da minha profissão reclamam muito da falta de ternura dos homens. “Não me importa que meu marido tenha um bom emprego, eu preciso que ele seja mais atencioso e disponível”, dizem. Por sua vez, os homens buscam o reconhecimento das mulheres por meio da ação, eles querem provar sua força. No entanto, eles sentem que esse papel os tem sido negado. É aqui que começa o mal-entendido.
Para entender isso esse paradoxo e evitar decepções e desilusões, temos que voltar às primeiras representações amorosas de nossa infância. Enquanto, desde a infância, as meninas imaginam o escolhido como um terno salvador (um príncipe encantado), os meninos se identificam com personagens corajosos que enfrentam obstáculos para conquistar sua amada (o herói). Esses padrões de pensamento se desenvolvem durante o famoso período edipiano. Eles fazem parte das diferenças fundamentais inerentes ao desenvolvimento de meninos e meninas. Eles são uma parte importante dos mecanismos psicológicos em jogo na vida amorosa, desde a infância até a idade adulta. Daí a necessidade de se interessar por eles, para entender melhor as fontes inconscientes que sustentam as relações entre homens e mulheres. Reconhecer as nossas diferenças enquanto homens e mulheres, só nos ajuda a alimentar a curiosidade que nos leva à comunhão. Eliminá-las, ao contrário, leva a um igualitarismo perigoso, fonte de graves problemas.
Por que as mulheres sonham com o príncipe encantado?
Sonhar acordado é algo familiar para elas. Seja nas brincadeiras infantis ou na vida real, a antecipação é para o feminino o que o presente é para o masculino: uma forma de estruturar o pensamento. O príncipe encantado não é apenas uma criatura de conto de fadas, mas o resultado do famoso período edipiano para a menina. Ele é o homem inesperado. Aquele que chega como num passe de mágica, que tem a mesma capacidade do pai de ser forte e da mãe de compreendê-la imediatamente. Ele une os pais em uma pessoa só. Você é única aos olhos dele! Ele é forte quando necessário, terno e presente na hora certa, ele pode ser um nutridor, inventor, e muitas outras coisas. Este é Shiva, com seus diversos braços!
O príncipe encantado é um clichê bom ou ruim?
Ele é o homem perfeito! Mas também é uma fantasia que nenhum homem está pronto para aceitar. Então a mulher deve “matar” o príncipe encantado? Na verdade, essa ideia é o que possibilita apoiar a adolescência das meninas, sonhar, desenvolver projetos. Acredito que devemos ao mesmo tempo espera-lo (é importante carregar uma parte do sonho que nos ajuda a sustentar a realidade) e ao mesmo tempo renunciar a este príncipe que nunca chegará (a ideia nos impede, precisamente, de viver na realidade) – este é o grande paradoxo! Se estamos sempre esperando por ele, nunca encontraremos ninguém. Do ponto de vista místico, ele é Deus! O príncipe encantado também existe no imaginário das mulheres casadas: nos momentos difíceis, será ele quem deverá sempre ter a resposta correta. E isso é muito difícil para os homens!
E os homens, também sonham com uma “princesa”?
Se eles quiserem! Para os homens, a “princesa encantadora” é sempre misteriosa. Será preciso superar obstáculos (reais ou imaginários) para conquistá-la, salvá-la de algo e mudar o curso de sua vida. A “princesa encantadora” permite ao homem finalmente realizar seu sonho de infância: arrancar a mãe das garras do pai. Em sua imaginação, a mulher ideal deve combinar o inacessível, o mistério, o já conhecido, o maternal e o sensual! Posteriormente, uma vez formado o casal, ela deve permitir que ele viva como um herói, ou seja, capaz de superar as dificuldades. Segundo Freud, a fantasia masculina mais comum é arrebatar uma mulher de outro homem. Esta é a teoria do terceiro desfavorecido.
Como os relacionamentos com os pais pode influenciar o comportamento romântico futuro?
Em primeiro lugar, muito importante: no período edipiano (3-5 anos de idade), você deve ter sido capaz de perceber que existe uma relação especial entre o pai e a mãe e que um dia será como eles. Nesse período, basicamente, a menina vai buscar roubar o lugar da mãe junto ao pai. Ela então terá que transferir para o pai o amor privilegiado que tinha até então por sua mãe. Portanto, ela está em “rivalidade” com a mãe, ao mesmo tempo em que busca integrar o modelo feminino. Para o menino, as coisas são mais simples, trata-se apenas de ocupar simbolicamente o lugar do pai para conquistar a mãe. Ele vai querer ser o melhor, o primeiro.
O drama acontece quando o pai ou a mãe deixam acreditar que o filho já é seu objeto de amor maior. Dessa forma, não há referência geracional. Se eu tenho 8 anos e não tenho nada a imaginar para o meu futuro, eu fico terrivelmente entediado! Esse é o problema das adolescentes de hoje, por exemplo. O menino, por sua vez, deve ter um rival com quem se identifica para poder se construir. Se não há ninguém a desafiar, também não obstáculo a ultrapassar. Ele precisa de uma imagem de identificação suficientemente forte, mas não excessivamente. É um jogo delicado. Um pai excessivamente autoritário que sempre menospreza os filhos, os impediria de desenvolver e integrar o modelo satisfatório de casal e família. A proibição imposta ao imaginário infantil torna então a experiência do devaneio da criança algo vergonhoso.
Por que alguns jovens adultos em terapia expressam o desejo de não se parecerem com os pais do mesmo sexo?
Essa negação da identificação entra cedo na história da criança. Isso é frequentemente encontrado em círculos familiares onde a sedução e a ternura eram tabu, com um pai relativamente distante e uma mãe muito presente, não reivindicando espaço ou tempo para ela. Qualquer desejo de agradar, e qualquer expressão de agrado dá origem à culpa. No entanto, meninas e meninos têm o desejo de sedução, quer tentem ou não fugir dele. Eles terão que negociar psiquicamente com este paradoxo. Se não perceberem o lado bom de uma relação homem/mulher, eles não vão querer vive-la.
Para as meninas, isso pode resultar em uma fuga do mundo, um refúgio num convento o qual ela acredita ser chamada, ou pela multiplicação de experiências amorosas com impossibilidade de estabilização. O menino tentará encontrar uma mulher que seja mais mãe do que esposa. O grande perigo é reproduzir o “molde” que se formou, sem exercer sua liberdade ou criatividade pessoal.
A falta de amor durante a infância também pode ser uma barreira para o namoro?
As relações formadas com o pai e mãe durante a primeira infância constroem a autoestima da pessoa. Elas fortalecem nossa identidade feminina ou masculina e nos levam a investir no nosso exterior, etc. A primeira condição para amar é ter sido amado, é claro. A falta de afeto por parte da mãe ou do pai deixa marcas: uma incerteza, até mesmo um sentimento de não ser digno de ser amado, e uma busca por um amor difícil de satisfazer. Essa busca então ocupa todo o espaço, levando às vezes a uma espiral destrutiva. O parceiro é apenas um espelho ou uma conquista acessória que esconde o déficit de identidade daquela pessoa.
O sedutor é o protótipo da criança não amada: seu drama é não acreditar que seria capaz de seduzir a mãe. Daí sua constante corrida, na esperança de obter uma reparação pelo amor materno. Distúrbios de relacionamento, possivelmente depressão, são as marcas desses amores impossíveis.
Poderíamos falar também do solitário, incapaz de realmente acolher o que o outro tem para lhe dar, pois não tem um lugar em si para receber. Quando mal abertas, as portas dos afetos se fecham. Qualquer encontro que provoque emoções o confronta com sua própria incerteza sobre sua capacidade de se doar. A menos que renuncie a qualquer forma de diferença, o solitário dirá a si mesmo: “Nunca estamos tão bem servidos quanto por nós mesmos”.
Quais são as dificuldades encontradas pelos filhos de casais divorciados?
Alguns tendem a repetir o fracasso de seus pais indefinidamente: inconscientemente, eles equiparam o sucesso no amor à uma traição como a sofrida por um dos pais. Algumas mulheres atrapalham a sua própria vida amorosa para não desqualificar a mãe, por exemplo, ou não têm nenhuma vida amorosa e guardam na cabeça esse famoso príncipe encantado. Elas têm apenas um homem virtual e assim garantem que isso jamais dará certo!
Mas a “falta” de modelos de comportamento na infância não é algo incontornável. “Lesões” da infância também não! As feridas identificadas, nomeadas, superadas, dão um gosto ainda maior pela vida. Fazem com que as pessoas percebam a importância de ouvir os outros para evitar mal-entendidos que são a grande fonte de graves desentendimentos.
O que acontece nos bastidores de um encontro?
Durante um encontro, cada um traz a bagagem com a qual se construiu consciente e inconscientemente. Assim, apesar da impressão de simbiose, de perfeita cumplicidade entre dois seres, eles ainda são “estrangeiros” um para o outro.
No início de um relacionamento amoroso, do amor à primeira vista à desidealização, a fantasia funciona. A realidade é posta de lado. Cada um verá no outro o que quer ver, inconscientemente. Mas cada um traz consigo as pedras de toda a sua história, feliz ou dolorosa. Por exemplo: Já vi famílias em que todas as mulheres se casaram com estrangeiros para evitar a ideia do clima incestual. No entanto, encontraram em seu companheiro as características procuravam evitar.
Esse momento inicial não deve ser evitado, pois é uma fase essencial, cheia de emoção e de surpresa. Esta ilusão de totalidade, necessária para o florescimento do estado de amor, deve, no entanto, dar lugar à realidade, à descoberta das diferenças, para se chegar a uma relação verdadeira. Um momento perigoso e ao mesmo tempo fascinante. O amor não pode prescindir do imaginário, mas o prisioneiro da idealização imaginária condena a verdadeira relação. O amor se enraíza na diferença.
Como superar a desidealização?
Aceitando o outro com suas diferenças e não mais simplesmente ostentando todos os atributos que nós mesmos colocamos. No momento em que o consciente assume o controle – ou seja, quando as meias jogadas no chão não são mais as lindas meias jogadas para a rival (a sogra)! -, as coisas ficam mais delicadas. O casal deve ser capaz de trocar pontos de vista, até mesmo para confrontar ideias, e não mais apenas “compartilhar” suas visões de vida (nuance muito importante).
O casal apaixonado foi formado com base na compreensão errônea da fusão; o casal do presente deve ser aquele que ama em cumplicidade, que tem maior maturidade. Onde um é enriquecido pelas características do outro, e ambos evitam as armadilhas da rivalidade e da possessividade. Teremos que aceitar que não vivemos com um espelho de nós mesmos. Você precisa amar as diferenças em vez de afastá-las. Ouça o outro, deixe-o se expressar (em vez de pensar por ele) e imagine como fazer o bem para que ele deseje ser recíproco. Fico impressionado com a extensão em que certos casais não se conhecem, não têm real curiosidade um pelo outro (“Não sei o que oferecer a ela”, confidenciam na sessão de terapia familiar), permanecem apenas no factual quando se comunicam ou nem mesmo se consultam para tomar decisões importantes.
Deve-se levar em conta também que o outro não é apenas uma fonte de prazer. Essa consideração exige um investimento, uma presença, uma escuta. No entanto, cada vez mais casais preferem viver separados e se encontrar apenas para compartilhar atividades comuns agradáveis. É uma forma de recusar que o outro possa estar triste, cansado, infeliz ou frustrado.
Na verdade, você gostaria de reconciliar o príncipe encantado e o herói!
O Príncipe Encantado e o Herói são dois homens ideais. O mal-entendido decorre da crença de que ele é o mesmo. Na verdade, o ideal seria que cada um fosse um pouco mais longe: a mulher deixasse algum espaço para o herói e o homem para o sonho. Se reconhecermos o homem como herói, ele pode ser um pouco príncipe encantado. Da mesma forma, a mulher deve ter cuidado para não “matar a sedutora” tornando-se mãe. A principal dificuldade para ela é conciliar seu papel de mãe e de esposa.
O homem e a mulher têm que admitir que não são iguais. Que eles têm diferentes representações do masculino e do feminino. Compreender todos esses mecanismos e aprender uns com os outros são atos de enriquecimento permanente. Também são um ótimo antidepressivo! O amor é tão simples – e complicado – quanto isso!
Num relacionamento, você também não deve se levar muito a sério, pelo contrário, saiba cultivar sua parte da fantasia, sua capacidade de imaginação, seu lado lúdico herdado da infância. Devemos buscar alternar entre o sonho e a realidade.
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Diane Gautret