Nem eu te condeno
Foram saindo um a um. Ficaram apenas os dois: a miserável e a Misericórdia. Contudo, o Senhor, depois de os ter atingido com o traço da justiça, não quis assistir à sua queda. Desviou deles o olhar e, inclinando-se para o chão, pôs-se a escrever com o dedo na terra.
Tendo a mulher ficado sozinha, depois de todos terem partido ele ergueu os olhos para ela. Ouvimos a voz da justiça, ouçamos também a da bondade. […] A mulher esperava ser punida por aquele em quem não se podia encontrar pecado. Mas ele, que havia afastado os seus inimigos com a voz da justiça, erguendo para ela os olhos da misericórdia, interrogou-a: Ninguém te condenou? Ela respondeu: Ninguém, Senhor. Ele disse-lhe: Também eu não te condeno. Temeste ser condenada por mim porque não encontrastes pecado em mim; mas eu também não te condeno.
Como, Senhor? Então, tu favoreces os pecados? Não! É justamente o contrário. Repara no que segue: Vai e de agora em diante não tornes a pecar. O Senhor condenou, portanto, mas foi o pecado que ele condenou, não o pecador. […] Tenham, pois, atenção os que amam a bondade do Senhor, e temam a sua verdade. […] O Senhor é bom, o Senhor é lento na ira, o Senhor é misericordioso, mas o Senhor também é justo e o Senhor é cheio de verdade. Ele concede-te tempo para que te corrijas, mas tu preferes gozar esse adiamento a reformar-te. Pois bem, se ontem foste mau, sê bom hoje; se passaste este dia no mal, ao menos amanhã muda a tua conduta.
É, portanto, este o sentido destas palavras que ele dirige a esta mulher: Também eu não te condenarei, mas, tendo teu passado perdoado, tem cautela no futuro. Também eu não te condenarei, apaguei o mal que cometestes; tu, observa o que prescrevi para obteres o que prometi.
Santo Agostinho
Sermões sobre o Evangelho de João, nº 33, 5-8
Bispo de Hipona e Doutor da Igreja (†430)