Convém que eu me vá

 

Triunfar sobre a morte e não sucumbir diante do poder do inferno era totalmente impossível para eles [os apóstolos]: eles só venceriam cheios de “um amor forte como a morte” e com uma paixão tão cruel quanto o abismo. Este é o zelo que os devorava quando as pessoas pensavam que estavam bêbados. É verdade que eles estavam bêbados, mas não de vinho comum. Estavam bêbados, repito, do vinho novo que odres velhos não merecem, nem podem conter. Este vinho é o fruto da “videira celestial”, um vinho que alegra o coração e não transtorna a mente; um vinho que desenvolve os jovens e não engana os homens inteligentes. Um vinho desconhecido para os habitantes da terra. No céu sempre foi abundante [...]. Por todas as ruas e praças da cidade corria este vinho que enche o coração de alegria [...]. 

Assim, pois, o céu saboreia um vinho especial que a terra ainda não provou. E tal era sua ignorância que não se deleitava na humanidade de Cristo, cuja presença ansiava o céu. Como então céu e terra, anjos e apóstolos não poderiam fazer um negócio tão honesto quanto proveitoso para eles? Os primeiros pedem a humanidade de Cristo, os segundos o vinho do céu; que o Espírito venha à terra e a carne suba ao céu, e daqui em diante tudo seja comum a todos. Jesus havia dito: se eu não me for, não virá vosso Defensor. O que quer dizer: se não dais o que tanto amas, não tereis o que desejais. Convém que eu me vá para transferi-los da terra para o céu e da carne para o espírito. O Filho é espírito, o Pai é espírito e o Espírito Santo é espírito. Lembremo-nos da Escritura: Cristo, o Senhor, é um espírito que está sempre conosco. E o Pai, por ser espírito, quer ser adorado em espírito e em verdade.

São Bernardo de Claraval

 3º Sermão de Pentecostes.

Nasceu em Dijon, França. 

Foi um monge e abade cisterciense; 

é um grande autor espiritual e é Doutor da Igreja (1090-1153).